Em poucas semanas
Laís Queiroz
atriz, arte-educadora, professora de teatro e bacharela em direito.
Em janeiro/2020, fiz uma viagem de férias pela Europa. Trinta
dias conhecendo países onde o coronavírus já se instalava. Residi algumas
semanas na Bélgica, país no qual meu irmão mora. E a covid-19? Eu não estava
sabendo muito bem o que vinha acontecendo no mundo. O vírus ameaçava chegar de
forma violenta na Bélgica. Cheguei ao Brasil no final de janeiro com alguns
sintomas que me deixaram alerta. Os primeiros casos de covid-19 pelos lugares
onde eu passei anteriormente já assustavam. Recebi um telefonema de meu irmão.
A Bélgica havia decretado a quarentena. Meu irmão me pediu para ficar em casa. Resolvi
conversar com meus alunos sobre nossos abraços e beijos. Foi o primeiro momento
mais difícil. Tive que ensinar meus alunos a nos cumprimentarmos com os pés e
cotovelos. Pensávamos que aquilo tudo não chegaria ao Brasil. Que ironia! Em poucas
semanas nossas vidas mudaram. Para minha surpresa, no início de fevereiro, fui
ao evento de lançamento do meu primeiro livro como coautora, na cidade de São
Paulo, na 7ª MIT-SP. Antes mesmo de viajar, minha mãe já havia me entregue um
conjunto de máscaras para usar durante a viagem. E quando retornei a Maceió? Em
menos de 24 horas, alguns eventos da MIT-SP tinham sido cancelados e a
programação havia sofrido alteração, pois já não podia existir aglomeração.
Em Alagoas, nossas atividades escolares foram suspensas no
dia 18/03. Além de ficar mais ansiosa, tive bastante insônia, comecei a
participar de reuniões pela plataforma zoom, tive algumas formações também, me reinventei
quando se trata de “ensino a distância”, ou melhor, as chamadas aulas remotas. Que
período difícil! Novos desafios e muita superação. Senti uma reponsabilidade
grande por ser professora e precisar às pressas dar continuidade a educação
básica perante a pandemia que anunciava a cada dia mais vítimas. O ensino e
aprendizagem remota foi o segundo momento mais difícil dessa pandemia. Meu
emocional abalado teve que ganhar forças e voz para fazer a escola acontecer,
mesmo que à distância (coisa que sempre inquietei). Passei a questionar algumas
vezes sobre meus direitos de imagem e voz. Quem irá pagar o prejuízo no futuro?
(sem respostas). Me senti desprotegida pela primeira vez na minha profissão. O
que me impulsionou a participar da live “Arte em ação: arte, educação e
sociedade em tempos de pandemia”. Um dia, recebei um telefonema do meu irmão,
que me ligou chorando dizendo que estava com falta de ar. Fiz um exercício de
respiração diafragmática com ele. Aos poucos ele foi voltando. Ele percebeu que
havia entrado em pânico. Eu chorei muito nesse dia. Eu também nunca pensei que
fosse ver minha mãe chegar do trabalho sem poder me abraçar. Desenhei
praticamente todos os dias, pintei bastante, pratiquei exercícios físicos, gravei
alguns vídeos, leio sempre, escrevo poesia para passar meu tempo e brinco com
meus gatos.
Observei como a natureza estava mais bela e os animais mais livres
com todo esse distanciamento social. Reli mais uma vez a obra: “Só mais um
esforço”, de Vladimir Safatle. Antes dessa fumaça de isolamento social... sim, eu
vinha refletindo muito sobre a vida, família, amigos e filhos, logo eu, que sou
tão livre. Agora, as fronteiras e limites são poucos, como uma tela do celular,
computador ou qualquer outra tecnologia. Meu coração vem batendo mais forte. Essa
distância do isolamento veio quebrar nossas paixões. A pandemia veio para
reforçar alguns laços, cortar outros e apresentar soluções para essas quebras.
Estou vivendo um primitivismo. Essa criação acelerada por meio do sofrimento
junto com a pandemia tem um lado positivo. Se hoje a pandemia fosse
interrompida com certeza não seremos os mesmos. Iremos descobrir tudo aos
poucos. Nossa complexidade aumentará a partir do conhecimento de nós mesmos.
Entre oscilações políticas, altos e baixos na economia. Eu
prefiro compreender que se o homem não preservar a mãe natureza, por que iria
preservar a vida humana? Cada dia vejo uma renovação. Também vejo uma doença
nova no ser humano. No final das contas, a pandemia veio para desacelerar o
processo do desenvolvimento humano na nossa sociedade capitalista e
individualista. Muitas famílias, neste momento, se encontram numa grande situação de
vulnerabilidade social. Minha mãe me informou que não existe equipamento de
segurança para todos os funcionários e pacientes na saúde pública. Este foi o terceiro
dia mais difícil e o mais feliz também desse tempo de pandemia, pois decidi
ajudá-la com máscaras e luvas. Nesse momento a solidariedade é fundamental ao
ser humano. Agora, no Brasil, são mais
de seis mil mortos e ainda existem pessoas que não acreditam em covid-19, bem
como um presidente que diz:” E daí?” É... teremos que nadar contra a
correnteza. Iremos vencer, continuar lutando... ainda me permito, mesmo em
casa, sentada em minha cadeira amarela, pensar em todas as transformações que
mire a margem de nosso Brasil.
Projeto Memória da
Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar
ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Esta série é coordenada por Joelle Malta