Translate

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Laís Queiroz. Em poucas semanas. Memória da pandemia nas Alagoas (XXVII)

Em poucas semanas

Laís Queiroz
atriz, arte-educadora, professora de teatro e bacharela em direito.

Em janeiro/2020, fiz uma viagem de férias pela Europa. Trinta dias conhecendo países onde o coronavírus já se instalava. Residi algumas semanas na Bélgica, país no qual meu irmão mora. E a covid-19? Eu não estava sabendo muito bem o que vinha acontecendo no mundo. O vírus ameaçava chegar de forma violenta na Bélgica. Cheguei ao Brasil no final de janeiro com alguns sintomas que me deixaram alerta. Os primeiros casos de covid-19 pelos lugares onde eu passei anteriormente já assustavam. Recebi um telefonema de meu irmão. A Bélgica havia decretado a quarentena. Meu irmão me pediu para ficar em casa. Resolvi conversar com meus alunos sobre nossos abraços e beijos. Foi o primeiro momento mais difícil. Tive que ensinar meus alunos a nos cumprimentarmos com os pés e cotovelos. Pensávamos que aquilo tudo não chegaria ao Brasil. Que ironia! Em poucas semanas nossas vidas mudaram. Para minha surpresa, no início de fevereiro, fui ao evento de lançamento do meu primeiro livro como coautora, na cidade de São Paulo, na 7ª MIT-SP. Antes mesmo de viajar, minha mãe já havia me entregue um conjunto de máscaras para usar durante a viagem. E quando retornei a Maceió? Em menos de 24 horas, alguns eventos da MIT-SP tinham sido cancelados e a programação havia sofrido alteração, pois já não podia existir aglomeração.
Em Alagoas, nossas atividades escolares foram suspensas no dia 18/03. Além de ficar mais ansiosa, tive bastante insônia, comecei a participar de reuniões pela plataforma zoom, tive algumas formações também, me reinventei quando se trata de “ensino a distância”, ou melhor, as chamadas aulas remotas. Que período difícil! Novos desafios e muita superação. Senti uma reponsabilidade grande por ser professora e precisar às pressas dar continuidade a educação básica perante a pandemia que anunciava a cada dia mais vítimas. O ensino e aprendizagem remota foi o segundo momento mais difícil dessa pandemia. Meu emocional abalado teve que ganhar forças e voz para fazer a escola acontecer, mesmo que à distância (coisa que sempre inquietei). Passei a questionar algumas vezes sobre meus direitos de imagem e voz. Quem irá pagar o prejuízo no futuro? (sem respostas). Me senti desprotegida pela primeira vez na minha profissão. O que me impulsionou a participar da live “Arte em ação: arte, educação e sociedade em tempos de pandemia”. Um dia, recebei um telefonema do meu irmão, que me ligou chorando dizendo que estava com falta de ar. Fiz um exercício de respiração diafragmática com ele. Aos poucos ele foi voltando. Ele percebeu que havia entrado em pânico. Eu chorei muito nesse dia. Eu também nunca pensei que fosse ver minha mãe chegar do trabalho sem poder me abraçar. Desenhei praticamente todos os dias, pintei bastante, pratiquei exercícios físicos, gravei alguns vídeos, leio sempre, escrevo poesia para passar meu tempo e brinco com meus gatos.
Observei como a natureza estava mais bela e os animais mais livres com todo esse distanciamento social. Reli mais uma vez a obra: “Só mais um esforço”, de Vladimir Safatle. Antes dessa fumaça de isolamento social... sim, eu vinha refletindo muito sobre a vida, família, amigos e filhos, logo eu, que sou tão livre. Agora, as fronteiras e limites são poucos, como uma tela do celular, computador ou qualquer outra tecnologia. Meu coração vem batendo mais forte. Essa distância do isolamento veio quebrar nossas paixões. A pandemia veio para reforçar alguns laços, cortar outros e apresentar soluções para essas quebras. Estou vivendo um primitivismo. Essa criação acelerada por meio do sofrimento junto com a pandemia tem um lado positivo. Se hoje a pandemia fosse interrompida com certeza não seremos os mesmos. Iremos descobrir tudo aos poucos. Nossa complexidade aumentará a partir do conhecimento de nós mesmos.
Entre oscilações políticas, altos e baixos na economia. Eu prefiro compreender que se o homem não preservar a mãe natureza, por que iria preservar a vida humana? Cada dia vejo uma renovação. Também vejo uma doença nova no ser humano. No final das contas, a pandemia veio para desacelerar o processo do desenvolvimento humano na nossa sociedade capitalista e individualista. Muitas famílias, neste momento, se encontram numa grande situação de vulnerabilidade social. Minha mãe me informou que não existe equipamento de segurança para todos os funcionários e pacientes na saúde pública. Este foi o terceiro dia mais difícil e o mais feliz também desse tempo de pandemia, pois decidi ajudá-la com máscaras e luvas. Nesse momento a solidariedade é fundamental ao ser humano.  Agora, no Brasil, são mais de seis mil mortos e ainda existem pessoas que não acreditam em covid-19, bem como um presidente que diz:” E daí?” É... teremos que nadar contra a correnteza. Iremos vencer, continuar lutando... ainda me permito, mesmo em casa, sentada em minha cadeira amarela, pensar em todas as transformações que mire a margem de nosso Brasil.

Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Esta série é coordenada por Joelle Malta





 

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *

Campus do Sávio Almeida

PESQUISE AQUI