Memórias em tempos de pandemia
Renildo Ribeiro
Professor Dr., Diretor da Eduneal,
UNEAL
“Tenho
a impressão de que o senhor deixou as pernas debaixo de um automóvel, seu
Ribeiro. Por que não andou mais depressa? É o diabo” (Fala de Paulo Honório no
romance S. Bernardo de Graciliano Ramos).
A citação acima traduz
bem o momento atual, parece que um automóvel passou sobre nossas pernas e o
mais grave de tudo é que não percebemos quando, sabemos apenas que hoje estamos
inaptos a seguir, limitados e perdidos no meio do caos. A incidência da Covid-19
vem atestar as nossas paralisias, fragilidades e dificuldades de agir em
momentos de crise.
Fomos pegos em hora
imprópria e com as calças aos joelhos como diriam alguns mais velhos. Seguros
da nossa superioridade em um mundo moderno do século XXI, mesmo com as
fragilidades visíveis de nosso país, estávamos longe de imaginar cenário tão
distópico como o que vivemos. Fazíamos planos e acreditávamos em um futuro
promissor, em possíveis viagens e eventos. Estávamos relativamente
confortáveis, em nosso mundo. Estava tudo bem? Não! Tínhamos fome, muito desemprego,
mas mesmo assim nada próximo ao que vislumbramos hoje.
O cenário é desolador.
Em pouco tempo percebemos o quanto estamos impotentes frente ao mundo que se
apresenta. A realidade foi totalmente reapresentada, reconfigurada e toda e
qualquer perspectiva ou projeto de futuro cai no vazio da incerteza e no vácuo
absoluto. Todo aparato tecnológico e científico das grandes potências foi
reduzido a nada!
Tentamos nos adaptar.
Sou professor da rede Municipal de Maceió (SEMED) e da Universidade Estadual de
Alagoas (UNEAL) e não tem sido fácil.
A tentativa de
desenvolver atividades remotas é um martírio que tira o sono de qualquer
cidadão que busque a equidade, o respeito ao outro e a qualidade na esfera
educacional pública. Definitivamente, não podemos fingir que oferecemos
educação, aula e conhecimento através de atividades virtuais quando o público
receptor que será atendido é bastante restrito. A desigualdade social, a
carência tecnológica e econômica de nosso povo é gritante. Os alunos do
fundamental não possuem sequer um celular para interagir remotamente, mas a
Semed recomenda atividades remotas e finge que atende aos alunos através do
Instagram. Na universidade, leciono em Arapiraca, nossos alunos chegam a tirar
foto de textos por não ter dinheiro para Xerox, mais de 40% não possuem
computador e digitam trabalhos no próprio celular. A função da escola pública,
seja ela Educação Básica ou Ensino Superior, é oferecer não apenas a base
acadêmica/científica, mas também promover a igualdade de oportunidade entre sua
clientela e orquestrar a convivência e a interação entre as diversidades
econômicas e culturais. Essa convivência é fundamental para consolidar o
respeito à diversidade de nosso povo.
Obviamente, na conjuntura
atual, o aconselhado pelos órgão competentes é o distanciamento social. No
entanto, não podemos fingir e insistir com um ensino remoto quando grande parte
da clientela não consegue ter acesso aos meios tecnológicos básicos.
Assim, a impressão que
tenho, retomando a citação inicial, é que realmente tivemos as pernas
estraçalhadas no passado, não nos demos conta e agora estamos limitados no
andar.
As angústias são
muitas, desde as frustrações diante da realidade educacional que nos
encontramos até as incertezas que nos afligem, sejam elas econômicas,
políticas, sociais e por aí seguem.
Confinado em casa com
esposa e duas crianças: Lara, de 5 anos; e Pedro, de 3 anos, a administração do
tempo e a realização das tarefas não tem sido fácil. A produção intelectual é
quase um milagre. Mesmo com um espaço razoável que dispomos, as crianças exigem
atenção o tempo inteiro e muitas noites têm sido em claro. Acompanho a insônia
que tem vindo frequentemente me visitar.
Mesmo assim, o trabalho
é intenso: organizei um livro com uma amiga para concorrermos a um edital e, na
última semana, concluí um capítulo para outro livro, solicitado por um colega.
Estou construindo um projeto de PIBIC para trabalhar dois romances
contemporâneos: O peso do pássaro morto, de Aline Bei e O verão
tardio, de Luís Ruffato. Corrijo e oriento TCC e relatórios de pesquisas em
conclusão. As atividades na Editora da Universidade Estadual de Alagoas –
EDUNEAL, onde desempenho a função de Chefe de Núcleo Editorial, também são
relevantes e intensas.
Quando as ideias surgem
e conseguimos realizar alguma ação é muito prazeroso, mas na maior parte do
tempo não tem sido assim.
Sinto-me como que
parado no tempo esperando o que não chega nunca. Intensos e constantes
questionamentos sobre futuro rodeiam minha mente como mosquitos ao redor da
lâmpada. Questionamos o ano ou semestre letivo e outras coisas que, agora, não
têm mais importância.
Na verdade, nossa
tabela de valores foi radicalmente alterada. Sinto-me como o eu lírico do poema
de Drummond: “No meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do
caminho” e jamais esqueceremos estes acontecimentos.
O fundamental é não
perdermos as esperanças, e como nos diz o poeta:
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. (Mãos dadas-Carlos Drummond de Andrade
Diante disso tudo, só nos resta a literatura
Consolo na praia
Vamos, não chores…
A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor
passou.
O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua.
Perdeste o melhor
amigo.
Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. |
Algumas palavras
duras,
em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour?
A injustiça não se
resolve.
À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-se – de vez – nas águas. Estás nu na areia, no vento… Dorme, meu filho.
Carlos
Drummond de Andrade In: A rosa do povo,
1945
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Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
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deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas