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quarta-feira, 15 de julho de 2020

Guilherme Lamenha. Admirável e Temido Mundo Novo

 
 
nuovo mondo ammirevole e temuto  admirable and feared new world  
Admirável e Temido Mundo Novo


Guilherme Lamenha


Jornalista, trabalha como consultor de planejamento estratégico em Marketing e Tendências




“Toda história para ter um final precisa ser narrada”. Não lembro onde li a citação, mas acho que foi de algum pensador exilado ou a caminho do desterro. A verdade é que se trata de uma frase recorrente nos estudos sobre a memória e a preservação dos fatos ao longo da linha do tempo. Comecei a escrever esse texto pensando em como o futuro vai relatar essa pandemia em pleno 2020, princípio do século XXI, em um mundo onde a tecnologia digital parecia ter vencido a arte, a estética e o próprio fio narrativo da história.

Em março, as notícias sobre o novo coronavírus e suas consequências chegaram mais próximas do ocidente após as seguidas tragédias na Itália. Até então, imprensa e população aqui no Brasil tratavam a doença (que ainda não era pandemia) como mais uma gripe circunscrita aos países asiáticos, mais precisamente à China e sua densidade demográfica monumental. Aos poucos, fomos sabendo dos primeiros casos no Brasil e, mais precisamente no dia 20, chegou ao meu ambiente de trabalho.

Eu sou jornalista, mas nos últimos anos trabalho com consultoria, apoiando planejamentos de marketing e gestão estratégica. Em outras palavras, continuo trabalhando com comunicação, só que de forma mais focada, baseada em dados de pesquisas de opinião e de tendências. Já não trabalho numa redação clássica, mas numa agência ou algo que se assemelhe a isso. O principal ativo, no entanto, ainda é o contato com as pessoas.

A partir daquele dia, minha atuação passou a ser semipresencial e, pela primeira vez, em 25 anos de profissão, experimentava o teletrabalho, as chamadas de vídeo com interlocutores diversos, que agem com mais ou menos desenvoltura de acordo com sua idade e sua consequente familiaridade com o mundo multitela, onde computador, celular e tablet adquirem status de ferramenta indispensável. Ficar sem uma rede estável de conexão à internet, então, impossível.

Eu rompi recentemente a barreira dos 50 anos. Faço parte de uma geração híbrida, que nasceu e foi criada no universo analógico e desde então passou a amadurecer no mundo digital. Não vou reclamar aqui da minha trajetória pessoal. Ainda no início dos anos 2000 tive a oportunidade de concluir uma pós-graduação cujo tema já tratava dos efeitos da Globalização na economia, na cultura, no cotidiano das pessoas. Recentemente, também tive a chance de obter uma certificação sobre gestão em tempos de mudança do modelo mental. Nesse curso, as expressões são usadas (e abusadas) em outras línguas. Não vale a pena mencioná-las, porque em nada acrescentam ao que eu realmente gostaria de falar nesse breve texto sobre esses tempos de pandemia, tempos de tristeza e catarse coletivas. Mas como gostava de dizer a escritora dinamarquesa Isak Dinesen, "todas as mágoas são suportáveis quando se pode contar uma história a seu respeito".  

Pois então, sigamos. Julho é quarto mês que atravesso entre reuniões on-line e furtivos encontros presenciais, quando o contato físico é estritamente necessário e arriscado. Ainda não sei se tenho anticorpos para o vírus que subverteu a ordem natural das sociedades digitais de todo o mundo. Agora mesmo, escrevendo essas palavras, monitoro os sinais vitais, já que estou com sintomas leves que podem (ou não) ser da Covid-19. Tudo é incerto, volátil, complexo e ambíguo. É admirável como avançamos do ponto de vista tecnológico, mas é temeroso o quanto nos distanciamos da nossa própria humanidade.

Lembro que a amiga jornalista que me convidou a participar desse projeto, Elenilda Oliveira, era minha colega do curso de Comunicação, quando fui escalado para entrevistar o professor Savio de Almeida, o grande artífice da compilação desses relatos de memória. Na época, ainda um jovem estudante, fiquei fascinado pela erudição telúrica do mestre e suas vivências mundo afora, tempo afora. Até hoje recordo do título da entrevista: "O Amante do Vulcão", uma citação carinhosa ao então recém-lançado romance da ensaísta Susan Sontag, que coincidentemente me faz companhia nessa pandemia, através de sua biografia lançada no Brasil em 2019.

Susan, Sávio, Elen me fazem lembrar que a memória não é apenas vasto material para estudos e pesquisa (atuais ou futuras). Cultivar a memória é acima de tudo uma tarefa ética. No tempo da tecnologia de ponta, convivemos com um negacionismo perigoso. No tempo da celebração de conquistas históricas no campo das liberdades individuais, convivemos com pensamentos arcaicos. Mas penso que esse também é um tempo de resgate da delicadeza, onde escrever um texto nos salva da "realidade" e nos coloca em contato com o exercício da narração como meio de preservação. Com seu começo, meio e fim. 
 

Guilherme Lamenha é jornalista, com experiência em produção de conteúdo e gestão de comunicação, atuando também como professor. Possui ampla vivência em assessoria de imprensa e consultoria em comunicação institucional e empresarial, tendo trabalhado nos principais veículos de comunicação em Alagoas. Foi secretário de Estado da Comunicação do Governo de Alagoas, coordenador de comunicação da Prefeitura de Arapiraca e secretário-adjunto de Comunicação do Governo do Mato Grosso do Sul. Trabalha como consultor de planejamento estratégico em Marketing e Tendências. (Elen Oliveira)


 Projeto Jornalistas e a Pandemia


 Memória da Pandemia nas Alagoas

Elen Oliveira 


Quando eu ingressei na Ufal, em 1991, o professor Luiz Savio de Almeida já era uma lenda. Nos corredores do antigo CHLA, hoje ICHCA (Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte), ele se postava a dar conversa a quem se aproximasse com a mesma atenção que dedicava a palestras, mesas de discussão e entrevistas. Entre 2008 e 2009, trabalhamos junto no antigo O Jornal, onde ele propôs a abertura de um espaço dialógico da universidade com a sociedade, por meio da publicação de artigos acadêmicos. Entusiastas do debate e da pluralidade, o então diretor, Gabriel Mousinho, e o então editor-geral, Roberto Tavares,  cederam espaço ao Espaço, nome dado ao suplemento quinzenal publicado entre setembro de 2008 e 2012, quando o veículo foi extinto. À época editora-executiva e de Suplementos, eu editei a publicação até 2009 com Alexsandra Vieira, que era editora do caderno de Cultura, o Dois. Reformulado, tornou-se posteriormente Contexto, no jornal Tribuna Independente, até materializar-se em Campus, o suplemento semanal que é veiculado no jornal O Dia e reproduzido n’o Campus do Savio, o blog de múltiplas falas com o qual colaboro esporadicamente.


O longo parágrafo de introdução foi escrito para contar como chegamos a Jornalistas e a Pandemia, proposto pelo professor Savio como parte do projeto Memória da Pandemia nas Alagoas, que ele está a construir desde abril e que reúne relatos vindos de representantes dos povos indígenas, artistas, intelectuais e integrantes de áreas diversas sobre o atual momento. Ele propôs, e eu aceitei, que organizássemos uma seção para compor essa construção feita a muitas mãos. “Quero deixar um imenso painel para um pesquisador no futuro”, informa o pesquisador, que há tempos constrói fundamental acervo da memória sobre Alagoas.


Esta Projeto se propõe a mostrar os impactos da pandemia sobre a vida e o trabalho de jornalistas acostumados, por ofício, à escrita em terceira pessoa. Aqui estarão a observação, o relato pessoal sobre os bastidores da notícia, as pautas cobertas à distância, o teletrabalho compulsório, o enfrentamento da doença, que, ainda sem cura, avança impiedosa e indistintamente. Essa escrita é uma contribuição à memória. Um fragmento do nosso tempo a partir do pensamento individual e do conhecimento compartilhado.



 O blog pode discordar no todo ou em parte do material que publica




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