AS NECROTEOLOGIAS DO CORONAVÍRUS
Paulo Nascimento
Bacharel em Teologia (Seminário Teológico Batista do Nordeste). Doutorando em Linguística (Universidade
Federal de Alagoas)
Sim,
é isso mesmo que o título desse pequeno texto enuncia: a iminência da presente
pandemia da Covid-19 faz brotar insidiosamente alguns tipos de Teologias, isto
é, de discursividades que partem da fé e que produzem fé, além de mobilizar
indivíduos e grupos de diferentes formas. Não importa que essas Teologias não
se intitulem assim. Continuam sendo isto: Necroteologias do Coronavírus.
Acho
que dentre todas elas, aquela que produz os piores efeitos é a que está a
serviço do Deus Capital e à serviço da adoração ao mercado financeiro. Não é de
hoje a percepção de que o Capitalismo é uma Religião. Isso já havia sido
proposto por Walter Benjamim (1892-1940) algumas décadas atrás.
Também
não é de agora a denúncia das maldades dessa Religião. No auge da Teologia da
Libertação pessoas como Jon Sobrino, Elsa Tamez e Jung Mo Sung, entre muitas
outras, já nos chamavam a atenção para as consequências genocidas do culto cego
ao deus Mercado.
Foi
com a pastora mexicana Elsa Tamez, por exemplo, que eu me dei conta de que, à
exemplo dos antigos deuses astecas que exigiam sacrifícios humanos, o Capital
assim também o exigia como uma condição de sua própria sobrevivência. A
pandemia que agora enfrentamos ocasiona, portanto, a vociferação dos teólogos
do deus Mercado, para quem o sacrifício de vidas humanas é uma parte natural,
necessária e imperativa de sua narrativa cósmica.
De
consequência menos tanatológica, mas nem por isso menos grave e preocupante,
está aquela Teologia que hora cheira a mofo medieval, hora cheira a manicômio.
Aquela mesma que ajudou a colocar no poder o projeto político que governa o
Brasil no momento. Quero me corrigir: essa Teologia tem sim consequências
tanatológicas graves, ainda que a médio prazo.
Elas
cultivam o desprezo pela Ciência, e mais do que isso, tentam fazer de suas
alucinações religiosas, ações do próprio Estado brasileiro. Seu trunfo? Um
chefe do Poder Executivo que entende muito bem como usar o fundamentalismo
religioso para fins políticos.
Essa
Necroteologia, já representada institucionalmente em alguns Ministérios em
Brasília, é a mesma que agora teima em manter templos religiosos abertos e
atuantes, e é a mesma que quer fazer do jejum religioso uma política pública.
Triunfalismo arrogante, muitas milhas distantes da simplicidade, da leveza e da
sobriedade daquele a quem supostamente dizem seguir.
Eu
confesso que gostaria de ver brotar desse momento uma outra Teologia. Ela não
precisaria ser exclusivamente cristã. Nem precisa se reconhecer nesse nome. Mas
também admito que a memória histórica do Cristianismo teria muito o que lhe
informar. Uma Teologia, por exemplo, que assumisse a comunidade de Atos 2 como imagem
arquetípica. Mais ou menos como fizeram Frederick Engels e Rosa Luxemburgo, ao
verem nas narrativas do Cristianismo primitivo os brotos de um novo mundo mais
fraterno.
Sim,
porque é correta e autêntica a ansiedade de quem teme o colapso econômico,
ainda que seja um blefe desvincular isso da crise sanitária que teremos de
enfrentar. A crise sanitário-econômica, no meu entender, oportuniza o
surgimento dessa outra Teologia, na qual “ninguém solta a mão de ninguém”
(simbolicamente !!!). Nesse caso, a imagem arquetípica da comunidade de Atos 2
fundaria uma Teologia da Vida!
Mas,
Teologia da Vida em que sentido? Primeiro, na denúncia que essa Teologia faria ao
nefasto casamento entre necropolítica e necroteologia em curso no Brasil, que
naturaliza a morte de grupos humanos como necessária à manutenção do deus
Mercado.
Segundo, pelo potencial de ação contido nessa nova Teologia
da Vida: “e todos tinham tudo em comum...”, se dizia acerca da arquetípica
comunidade cristã de Atos 2. Contudo, certamente não é a caridade pura e
simples que nos salvará dos impactos econômicos de tudo isso. Mas não tenho
dúvida de que a solidariedade deve ser parte fundamental do modo como temos que
enfrentar tudo isso. E para tanto, uma outra Teologia da Vida necessitaria ser
gestada o quanto antes.
Projeto Memória da
Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
e José Carlos Silva de Lima
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ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada
Nosso objetivo é
deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas