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sábado, 12 de setembro de 2020

Luiz Sávio de Almeida. Xangô: tempos nas Alagoas

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Xangô: tempos nas Alagoas



Texto  publicado em Contexto de 06 de novembro de 2011 em Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.

Um pequeno bilhete sobre o Quebra
 
Luiz Sávio de Almeida


Durante o mês de novembro, Contexto procurará abordar questões relativas ao mundo afrobrasileiro. Hoje, traz material produzido por um Mestre em Sociologia, retirado de sua dissertação, e que fala sobre o Quebra de 1912, acontecimento fundamental para a história cultural e política do negro alagoano cujo tratamento, como já discutimos, merece extremo cuidado para não reduzir a história negra aos momentos da história branca, devendo ser levado em conta, também, que a fonte para os episódios do Quebra propriamente dito é única e oposicionista: Jornal de Alagoas.

 Momentos pessoais quanto ao Quebra
 Luiz Sávio de Almeida 
 
O trato do Quebra introduziu a figura mítica e mística da Tia Marcelina, deixando-a como emblema das perseguições sofridas pelos cultos em Alagoas. De fato, Tia Marcelina é “recuperada” na década de 60 do século passado, em processo de afirmação dos cultos em parceria com setores intelectuais da classe média, carreado pela Federação dos Cultos Afro-Brasileiros de Alagoas e que gerou o I Semana dos Culto Afro-Brasileiros, realizada no Teatro Deodoro, contando na coordenação com babalorixás como Luiz Marinho (falecido, Nagô), Celestino (falecido, Ijexá), Joca (falecido, trabalhava pelas canhotas, Quimbanda) e o Coronel Belarmino (falecido, filho de
santo), Edinho (falecido, Nagô). Com eles tomei muito xequeté nas saídas de Yaô.
Tenho a grande honra de ter sido, junto com o Bráulio Leite Júnior, membro do grupo que fez a Semana, o anti-quebra no Teatro Deodoro, com os zingomes batendo sem parar desde as seis da tarde e com os terreiros da capital e do interior, assumindo o palco da casa que era da cultura da elite de Alagoas. Nunca vi tanta gente no Teatro Deodoro e aqui e ali o santo irradiava: dá para se imaginar o quase surreal das cenas. Eu acredito que umas 20 mil pessoas andaram pelo Teatro, que estava encantado pela maestria criativa de Bráulio Leite Júnior ao transformá-lo em um imenso terreiro, com sua entrada sendo peji e congá, com a Umbanda, o traçado e o Nagô dominando o cenário por ele belissimamente montado.
Dentro da macumba, havia partidarização. Os não convidados (havia disputa pelo comando da Federação) metiam o pau, dizendo que nunca viram orixá artista para descer o santo em Teatro e que nenhum era cantor de rádio para estar com microfone. Sei apenas que o universo dos terreiros foi mobilizado. Tudo derivou de uma conversa comigo: éramos Marinho, Celestino e mais outro que não lembro.


Diziam que os terreiros estavam sendo perseguidos pela polícia e até falavam em cobrança de um dinheirinho. Precisávamos de um grande evento, capaz de escancarar os terreiros. A festa de Iemanjá não bastava. Seria certo, errado? O fato é que dei a idéia da Semana e toparam na hora. Saí e fui direto falar com o Bráulio - amizade íntima ede imenso carinho - e ainda hoje é um cara destemido. Na hora!
Seu talento deu vida à macumba no Teatro. E viva o Bráulio Leite Júnior! Nossa, houve pressão! O que era aquela doidice no Teatro? Recebi recados. Mas tudo entrava por um orixá e saía pelo outro. Bráulio foi um companheiro brilhante; eu sabia que jamais ficaria sozinho. Quem morreu de trabalhar foi o Marcelo Texeira, pessoa fundamental nisto tudo, segurando a logística do que era um empreendimento gigantesco para a época.
Essa nossa história eu vou procurar no meu diário e publicar.
Disse-me o Klébio que o povo ainda fala disso nos terreiros de hoje em dia e Dona Maria doAcais que baixa no terreiro do Manoel do Xoroqué queé babalorixá no Ilê Axé Legioneré do Xoroqué mandou recado “pro véio Sávio” sobre o assunto, em nome do “povo da macumba”
Saravá, que eu vou de banda! .
Um dia, o Joca me disse que o Zumba havia encontrado uma fotografia da Tia Marcelina. Fui até à casa do Zumba conversar com ele. Estava criada a imagem de uma Tia Marcelina. Nem discuti; se eles desejavam a Tia Marcelina daquela forma, daquela forma ela seria. As verdades também são criadas por atos de fé. E entronizei a Tia Marcelina numa parede, certo de que ela havia renascido pela inteligência e pelo pincel do Zumba, gente fina, que na época morava lá pelos lados do antigo Bar das Ostras. A Tia Marcelina estava na parede em minha casa, a janela entreaberta. Passa um cara e me pergunta: “Era essa a mulher que parava o trem com a mão?” Fiquei maravilhado, espantado e o que eu poderia responder? “É ela mesmo: a Tia Marcelina!”
Vamos ao Quebra.



José Alberto Costa. Paulo Jacinto das minhas doces lembranças

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Alberto Costa

Paulo Jacinto das minhas doces lembranças

Esta matéria foi publicada em Campus, suplemento do Jornal O Dia e em  sexta-feira, 1 de agosto de 2014 no Blog





 
José Alberto Costa nasceu em Paulo Jacinto-AL. Como funcionário concursado do Banco do Estado de Alagoas, onde permaneceu por 30 anos, chefiou na Assessoria de Comunicação/Marketing. Foi Secretário de Comunicação Social do Governo do Estado de Alagoas (1982/1983). Trabalhou nos jornais: “Diário – Alagoas”, nos semanários “Extra-Alagoas” e “Repórter Semanal”. Fez outros trabalhos freelance para jornais e revistas. Durante dois anos escreveu uma coluna no semanário “A Notícia”. É consultor de texto das revistas “VenhaVer” e “Alagoas S.A” e do Conselho Editorial do jornal “O Dia”. Membro efetivo da Academia Maceioense de Letras e da Associação Alagoana de Imprensa. Participa do Grupo literário “Movimento da Palavra”.Cronista, contista, contador de causos, poeta e cordelista, publicou o livro “Doce Lembrança” e possui um outro, já finalizado, pronto para publicação. Blogueiro há vários anos (jac-versoreverso.blogspot.com), vem dado destaque aos poetas alagoanos de quem pouco se fala. Participou da antologia “Movimento da Palavra”. 

Dois dedos de prosa com Paulo Jacinto


Volta Campus a trazer à tona, textos sobre a vida de nosso interior e volta a publicar um bom memorialista que consegue visitar sua cidade, cuidar de si e cuidar dos outros.
Zé Alberto é jornalista de nomeada na vida alagoana e homem que participa de nossa vida cultural.
Campus pediu que ele revisitasse sua cidade natal e fizesse os recortes que desejasse para deixar registros da vida local, do seu cotidiano e de sua história.
Deste modo, surge uma Paulo Jacinto que poderia ser somada à outras tantas, pois existirão tantas cidades quantos forem seus viventes.  Eis, portanto, uma Paulo Jacinto entre tantas, uma cidade que surge do olhar atento de um jornalista inteligente e de um homem sensível.
Obrigado Zé Alberto. Na realidade, Campus é um testemunho para a história, um importante documento que fica para futuros colegas historiadores,  jornalistas e tantos outros sentirem os caminhos e as preocupações de nossa época.
Campus fica à espera de qualquer outra sua contribuição. Novamente, obrigado amigo.
Luiz Sávio de Almeida
Na ponte de Paulo Jacinto, abril, 2014 

Paulo Jacinto das minhas doces lembranças

José Alberto Costa

Rua do Comércio, 63. Na verdade, Rua Floriano Peixoto, 63, Paulo Jacinto, Alagoas. Pelo fato de concentrar três ou quatro lojas de tecidos, armarinhos, farmácias, mercearias, padarias, açougue e a feira semanal (aos domingos), os moradores acabaram esquecendo o nome original do nosso Marechal de Ferro, adotando o de Rua do Comércio e o patrono foi quase olvidado. Ingratidão para com o Marechal Consolidador da República brasileira, proclamada por outro alagoano como todo mundo está careca de saber: o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca.  Este, apesar das barbas imperiais que ostentava e da espada em riste que impunham respeito, quando algum dos meus colegas de bancas escolares pronunciava o seu nome em classe, um gaiato sempre completava a meia voz: “uma perna fina e outra seca”. Uma ofensa da qual nunca pude comprovar a veracidade.
 
A Rua Floriano Peixoto virou Rua do Comércio e ficou assim até hoje, pelo menos na boca do povo. Pois nessa rua, no número 63, tardezinha de uma quinta-feira, no dia 21 de maio do ano da graça de 1936, eu estreei no mundo, pelas mãos de competente parteira, madrinha Clara, moradora da cidade de Viçosa. Naquela época a Vila de Paulo Jacinto era dividida entre os municípios de Quebrangulo e Viçosa, coisa que deu trabalho depois para juntar e criar o atual município.
 
Eu e meus irmãos Zélia - que viveu poucos meses -, Selma, Elma, João e Nivaldo) fomos gerados e nascidos no lado quebrangulense, filhos de uma quebrangulense e de um pai oriundo da Vila de Mar Vermelho, pertencente ao município de Viçosa. Nossos pais foram João Cassiano Costa e Grinaura Sales Cassiano. 
 
Marco zero
 
O marco zero de Paulo Jacinto é o local da igrejinha de Nossa Senhora da Conceição, onde tudo começou. Na época da emancipação política existiam poucas ruas, as principais eram: Floriano Peixoto (Comércio), Santos Dumont (Rua do Funil), João Pessoa (Rua Preta), São Pedro (Rua do Botapó), da Estação (atual Rua João Cassiano Costa) e outras menores.
 
A origem
 
Inicialmente, o nome do povoado foi Lourenço de Cima, pois havia um outro chamado de Lourenço de Baixo. O de cima, segundo consta, foi fundado em 1835 pelo paraibano Antônio de Souza Barbosa, que cuidou de erigir uma capela, sob invocação de Nossa Senhora da Conceição, em torno da qual começou a se formar o povoado.
 
Lourenço de Baixo, hoje Fazenda São Lourenço, surgiu em decorrência da propriedade agrícola do senhor Lourenço Veiga, que também mandou construir uma capela, que existe até hoje, em homenagem ao santo de sua devoção, São Lourenço. 
 
O desbravador Antônio de Souza Barbosa, considerado fundador da povoação, mudou-se para aquela região com os familiares, levando seus teres, haveres e pessoas agregadas. Fez a doação de considerável área de terra em torno da capelinha, surgindo as primeiras casas residenciais e os primeiros pontos comerciais, ladeando os caminhos que vinham de Palmeira dos Índios e do sertão, seguindo em direção ao povoado Riacho do Meio (Viçosa) e ao Pilar, às margens da Lagoa Manguaba.
 
Para a construção da estrada de ferro Great Western of Brazil Railway Company Limited, em 1911, pelos ingleses, o proprietário rural Paulo Jacintho Tenório, filho de Quebrangulo, doou grande extensão de terra para a implantação dos trilhos da via férrea. Em sua homenagem o povoado Lourenço de Cima passou a chamar-se Paulo Jacintho, com “th”, como está registrado nas paredes da velha estação ferroviária.

 

Ouro branco

Desde o seu início, Paulo Jacinto sempre possuiu a vocação agrícola. Ao longo do tempo, acabou transformando-se em região de pecuária, na medida em que suas áreas de plantio foram substituídas por pastos para o gado. Quando a agricultura imperava naquelas paragens havia mais desenvolvimento e, como diziam os antigos, corria mais dinheiro na praça. As feiras semanais estendiam-se da antiga igrejinha de Nossa Senhora da Conceição, seguindo pela Rua do Comércio, ganhando o beco da ponte e parte da Rua São Sebastião. Quase todos os produtos eram originários da região.  Existiam três lojas de tecidos e a filial de uma outra sediada em Palmeira dos Índios (que abria, apenas, nos dias de feira); três mercearias, duas padarias, duas farmácias, armarinhos e outras pequenas casas comerciais.
 
O forte era o plantio de algodão que levou a multinacional Sanbra (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro) a instalar uma indústria, para realizar, mecanicamente, o beneficiamento do algodão, com separação da lã (pluma) do caroço que, após embalados, esses subprodutos eram enviados para centros produtores de tecidos e de óleos comestíveis, em Alagoas ou em outros Estados. Durante a safra, mais de 50 operários revezavam-se dia e noite, no trabalho. A produção era transportada pelos trens de carga da Great Western, para diversos destinos. 
 
No início da década de 40, a Sanbra transferiu o controle de suas indústrias de beneficiamento existentes em Alagoas, - Paulo Jacinto, Palmeira dos Índios, São José da Lage e União dos Palmares - para a empresa Siqueira & Tenório que, por sua vez, a transferiu para o nascente Grupo Carlos Lyra, adotando a razão social Algodoeira Lagense S.A. Com o desaparecimento do algodão, já na década de 60, o maquinário foi vendido e os vários  armazéns da empresa adquiridos pela prefeitura do município sobrando, apenas, a casa destinada à residência do gerente, localizada na esquina do conjunto de prédios  e que foi doada ao meu pai, pelos anos de bons serviços prestados à empresa desde a época da Sanbra, Assim, terminou o ciclo do “ouro branco”, acarretando desemprego para muita gente e o enfraquecimento do comércio local.

Luta pela independência
 
Como foi dito no início, a Vila de Paulo Jacinto encravava-se em terras dos municípios de Quebrangulo e de Viçosa. Durante muitos anos, foi acalentado o desejo de transformação da Vila em município. Muitas foram as discussões em torno do assunto, inclusive, na Câmara Municipal de Quebrangulo, na qual alguns paulojacintenses tomavam assento, representando seus conterrâneos, a exemplo de José Aurino de Barros, Sebastião Costa Barros e Francisco de Assis Barbosa.
 
Certo final de tarde, presenciei uma cena que ficou gravada em minha memória para sempre. Seu Novo (Sebastião Costa Barros), um dos nossos representantes junto à Câmara Municipal de Quebrangulo, adentra a sala do hotel de sua propriedade e também residência da família, desabafando para sua esposa dona Zefinha:
 
- Zefa, eu queria saber falar, pra dizer um bocado de coisas na Câmara de Quebrangulo, calando a boca daqueles debochados que ficam falando mal da gente, porque não querem a nossa separação. Isto aconteceu, provavelmente, no início do ano de 1952.
 
Seu Novo largou a velha pasta de couro que trazia na mão, tirou o paletó e desabou tristemente numa cadeira. Cotovelos apoiados na mesa e as mãos na testa, olhos fechados, era a imagem de um homem vencido. Na sala, além de dona Zefinha, sua dileta esposa, presenciaram aquela cena seus filhos Fleury e Neto, que pouco antes conversavam comigo, além de Tonha, que era pau pra toda obra nos trabalhos do hotelzinho administrado pelo casal.
 
O hotel de Seu Novo e de dona Zefinha, pais de Neto, Fleury, Valderez, Maria, Leureny e Zé Barros, principalmente durante as férias colegiais, era o ponto de encontro da juventude paulojacintense. A família Barros sempre foi extremamente musical. Seu Novo tocava violão, dona Zefinha cantava músicas da época de sua mocidade, Neto tocava pandeiro, Fleury, violão e as irmãs – Maria e Valderez -, cantavam muito bem. O caçula Zé Barros que nasceu muito depois, não viveu essa época, mas herdou o gene da música e hoje é um grande guitarrista. Leureny destacou-se no cenário nacional através de um programa da TV Tupy, do Rio de Janeiro, comandado pelo apresentador Flávio Cavalcanti. Em um concurso de âmbito nacional, ela ficou em segundo lugar, prejudicada por uma série de injunções.
 
Baile da Chita
 
Provavelmente, ali, naquela mesma sala, surgiu a ideia da criação do 1º Baile da Chita, com a finalidade de arrecadar dinheiro para custear as despesas com viagens e outros gastos em busca do apoio de políticos e de figuras de expressão no Estado de Alagoas, que pudessem aderir à nossa causa. Não presenciei esse momento histórico, mas tive o prazer de comparecer ao baile pioneiro, que acabou tornando-se uma tradição já ultrapassando os 60 anos. 
 
O nome da festa derivou do figurino exigido para as mulheres, sem distinção de idade, que deveriam usar vestidos rodados, confeccionados em chita, um tecido muito em voga e que era utilizado pelas mocinhas da zona rural. Os homens trajariam vestimentas estilo caipira.  
 
Como não existia ainda clube social, o local escolhido para acomodar tanta gente, na previsão dos organizadores, foi um dos armazéns da Algodoeira Lagense, onde meu pai trabalhava. O salão enorme foi decorado com pedaços de chita suspensos, bandeirolas coloridas, balões de papel e, nas paredes, caricaturas desenhadas pelo futuro jornalista Manuel Nunes Lima, ourives de profissão e exímio desenhista, que depois se notabilizou através de suas crônicas do cotidiano e pelas charges, publicadas diariamente no jornal Gazeta de Alagoas. Nunes, embora nascido em Bebedouro - Maceió, vivia com o pai e as irmãs em nossa terra.
 
O primeiro Baile da Chita realizou-se no dia 22 de julho de 1952 e a festa foi aberta pelo sanfoneiro quebrangulense Júlio Vaqueiro que, espontaneamente, tocou o baião, sucesso de Luiz Gonzaga, “Propriá”. A música, foi repetida várias vezes durante a noite e, no encerramento da festa, quando os dançarinos ganharam as ruas, seguindo o sanfoneiro naquela madrugada fria, cantando alegremente: “Tudo que eu tinha, deixei lá não trouxe não / deixei o meu roçado plantadinho de feijão / deixei a minha mãe, o meu pai e meus irmãos / e com a Rosinha, eu deixei meu coração / Por isso eu vou voltar pra lá / não posso mais ficar / Rosinha ficou lá em Propriá / Ai, ai, ui, ui, eu tenho que voltar / Ai, ai, ui, ui, a minha vida tá todinha em Propriá”.  A música, até hoje, é a característica do Baile da Chita, iniciando e encerrando o evento.
 
A partir daí, intensificou-se a campanha pela emancipação política de Paulo Jacinto, culminando com a promulgação Lei nº 1747, assinado pelo governador Arnon de Mello, no dia 02 de dezembro de 1953. O novo município foi instalado no dia sete de janeiro de 1954, com a posse do prefeito nomeado José Aurino de Barros, um dos baluartes do movimento separatista, com mandato até a próxima eleição direta (1955), quando deu lugar ao comerciante e pecuarista Francisco de Assis Barbosa, o primeiro prefeito eleito pelo voto popular. Findo o mandato de quatro anos, José Aurino retornou à prefeitura, desta vez pelo voto direto.
 
Mico eleitoral
 
 Nas eleições do ano de 1955, votei pela primeira vez. Cheguei a Paulo Jacinto na véspera da eleição, pelo trem da noite e, após abraçar uns amigos que encontrei na estação, segui para a casa dos meus pais que ainda moravam na Rua do Comércio. No trajeto, recebi a notícia: - Você vai presidir a sessão eleitoral no Mercado das Farinhas. Foi um choque. Confesso que não voltei ao trem, para seguir viagem, porque ele já havia partido.
 
Ao entrar em casa, minha mãe, depois da benção e os afagos normais, entregou-me um ofício, assinado pelo Juiz Eleitoral, designando-me para presidir a tal sessão. Perdi a graça. Meu pai, em sua simplicidade, chegou orgulhoso, abraçando-me alegremente, chamando-me de presidente. Não dormi a noite toda, não vou negar.  
 
Pela manhã, encontrei meu único terno, branco, engomado até demais, uma camisa de mangas longas, da mesma cor, e gravata preta, o laço dado caprichosamente pelo meu pai, pronta para ser ajustada ao meu pescoço, como o laço de uma forca. Quando saí para o enfrentar a nova e desconhecida função, fui abraçado por várias pessoas. Ao entrar no tal mercado das farinhas, que nem parecia aquele local poeirento, com permanente cheiro de suor dos feirantes e fregueses, fui saudado pelos que compunham a mesa eleitoral. 
 
Destinaram-me a melhor cadeira e amontoaram em minha frente vários papéis com timbres oficiais. Eram as instruções, código eleitoral e sei lá mais o quê. Como redigir a ata? Felizmente um modelo detalhado salvou-me da vergonha. Aí foi fácil. A eleição transcorreu sem qualquer incidente. 
 
A urna era um trambolho de madeira, envernizada, com uma portinhola na parte superior, fechada por cadeado.  Às dezessete horas em ponto, as portas foram fechadas e a votação encerrada. Lacrada a urna e observadas as exigências da Lei, a ata de encerramento foi redigida, contendo o número de votantes e de faltosos, além de outros dados. Lacrada a tal urna, designei uma pessoa para conduzi-la ao local onde ficaria recolhida, sob a guarda da Polícia Militar. Para meu espanto, quase recebi ordem de prisão, porque eu próprio deveria levar a urna e fazer a entrega aos responsáveis por ela daí pra frente. 
 
Andando pelo meio da rua principal da cidade, levando aquele trambolho praticamente no colo, porque não dispunha de alças ou puxadores para facilitar. Paguei o maior mico de minha vida. Sujei o terno branco e suei para caramba. Presidi a primeira eleição direta, fiz história, porém não deixei minha assinatura na calçada da fama.
 
A paróquia
 
Durante a dominação de Quebrangulo, embora existisse a capela de Nossa Senhora da Conceição, construída pelo pioneiro Antônio Barbosa Barros, as missas eram rezadas uma vez por mês, pelo pároco da sede do município, padre Moisés dos Anjos. 
 
A paróquia de Paulo Jacinto foi criada por ato do então Arcebispo de Maceió, Dom Ranulpho da Silva Farias, em 1948, quando o nome da padroeira foi trocado para Nossa Senhora das Graças. O primeiro padre designado foi o cearense José Jesuflor. Ele criou a Escola Paroquial, que funcionou por alguns anos e da qual fui aluno durante os anos de 1948 e 1949, quando me transferi para Maceió, para enfrentar o Exame de Admissão ao Ginásio do Liceu Alagoano. Minha alfabetização, entretanto, aconteceu graças à paciência do professor Teodomiro Alves de Oliveira e uma tal Cartilha das Mães.
 
O segundo pároco, Padre José Monteiro, um sertanejo de Tacaratu, Pernambuco que, com seu jeito acaboclado, logo angariou a simpatia de seus paroquianos e tratou da construção da igreja matriz. A senhora Maria Luiza Torres Barbosa, esposa do comerciante Francisco de Assis Barbosa, cuidou da decoração interna do novo templo. Artista plástica, pianista e cantora lírica, ela realizou uma obra digna de admiração. Ela também foi autora da bandeira e do hino oficial. A igrejinha original acabou demolida, quando deveria ter sido preservada como um marco histórico da fundação da cidade.
 
Um fato hilariante ocorreu, quando a prefeitura construiu uma praça na frente da nova igreja, colocando o busto do fazendeiro João Duda. Um artesão muito conhecido e respeitado na cidade, resolveu reivindicar para si homenagem igual, pelos serviços prestados à comunidade durante tantos anos.
 
Um dia, enchendo-se de coragem, adentrou o gabinete do prefeito levando uma carta reivindicatória de tal honraria. O prefeito que se encontrava reunido com alguns vereadores e amigos, leu o documento e perguntou ao artesão: - “O senhor deseja realmente o que está escrito aqui?”. Diante da afirmativa do requerente, ele continuou: - “Veja bem, o senhor está pedindo para que seja colocado o seu ‘bustiê’ em uma praça. O senhor sabe que “bustiê” é uma peça do vestuário feminino, que as mulheres também chamam de corpete?” O homem empalideceu de repente, tomou o papel das mãos do prefeito e nunca mais pôs os pés naquele prédio.

Celeiro de padres e jornalistas
 
O município de Paulo Jacinto acabou transformando-se num celeiro de vocações eclesiásticas. Vejamos: o primeiro foi Monsenhor Pedro Teixeira Cavalcante, ordenado em Roma, atualmente pároco da Igreja do Divino Espírito Santo, em Maceió, que recentemente construiu e inaugurou o Carmelo de Santa Terezinha, no distrito de Riacho Doce. O Bispo José Francisco Falcão Barros, nomeado Bispo Auxiliar do Ordinário Militar do Brasil, Monsenhor Petrúcio Bezerra e os Padres José Cláudio da Silva, Wendel Assunção Gomes (atual pároco) José Ailton de Assunção, José Edvaldo dos Santos, José Carlos Emanuel, José Clodoaldo de Almeida Santos, Manoel Paulo Antero de Assunção e Francisco Teixeira.

No jornalismo figuram os seguintes profissionais: Salésia Ramos, Marcelo Firmino, José Feitosa (Zé da Feira), Fátima Almeida, Elenilda Oliveira, Clarissa Veiga, Lucas França (concluindo jornalismo/estagiário da TV Gazeta), Marcondes de Aquino (estudante de Jornalismo) e Laurentino Veiga (presidente da Associação Alagoana de Imprensa), todos em plena atividade.
 
O Campo de Pouso
 
Certo dia, o ronco de um “paulistinha” assustou a nossa pacata vila. Era um aviãozinho amarelo, do Aeroclube de Alagoas, como fiquei sabendo depois. Sumiu lá para os lados da Serra Grande, nosso relevo geográfico mais destacado. Depois ouvi a gritaria: “O avião está lá no campo de futebol”. Corremos todos para ver aquele fato inusitado. Do avião haviam descido o piloto e um acompanhante ainda bem jovem. Acabamos descobrindo que o mais novo se tratava do José Aloisio Costa, nascido em Pindoba, estudante de odontologia e aluno de pilotagem. Costinha, para os íntimos.

Outros voos se sucederam, alguns comandados pelo aluno Costinha. Veio logo a ideia de se construir um campo oficial, para pouso e decolagem de “teco-tecos” como eram chamados aqueles brinquedos voadores. Daí nasceu o “Campo de Pouso Cadete-Aviador Moacydes Caparica”, inaugurado com festança, em homenagem ao filho de um caixeiro-viajante que abastecia lojas e armarinhos da cidade mensalmente. O patrono havia morrido em acidente durante um voo de treinamento da FAB. Depois de algum tempo os aviões desapareceram e nosso “aeroporto” acabou.



Matriarcado
 
Quando a vice-prefeita Maria José Fontan assumiu o comando do município, em razão do falecimento do titular, Joaquim Borba, toda administração municipal foi ocupada por mulheres. Por uma feliz coincidência, a Juíza Nelma Torres Padilha havia sido nomeada para aquela comarca. As secretárias municipais e diretoras de escolas nomeadas foram: Elma Canuto, Maria Izabel Costa, Nize, Grináuria Teixeira, Eloisa Cavalcante, Grináuria Barbosa, Joana da Silva, Josefa Luíza Pereira, Francisca Correia e Maria Araújo Feitosa. Isso rendeu uma matéria no “Fantástico”, da Rede Globo de TV.

Exercício de memória

Aceitando o desafio proposto pelo professor Sávio Almeida, me dispus a registrar alguns fatos sobre a minha querida terra Paulo Jacinto, antes que a memória se torne prisioneira do “alemão” impiedoso. Escrevi algumas coisas presenciadas por mim ou associadas à minha vivência e também ao que contavam os meus pais. Não tive a pretensão de escrever a história do município ou a de sua gente, apenas relatos puxados lá do fundo da cachola. Um verdadeiro exercício de memória.


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Bianca Machado Muniz . PENEDO: O FORTE HOLANDÊS NÃO ERA DE PEDRA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Bianca Machado Muniz . PENEDO: O FORTE HOLANDÊS NÃO ERA DE PEDRA

Esta matéria foi publicada no suplemento Campus do jornal O Dia, Maceió e lançada no blog em  sexta-feira, 1 de agosto de 2014  

Dois dedos de prosa sobre Bianca

Bianca Machado Muniz produziu uma bela dissertação de mestrado, devidamente orientada por uma brilhante professora da Universidade Federal de Alagoas: Maria Angélica. Este artigo é uma adaptação de parte do trabalho mencionado e uma forma de chegar o que se produz na pós, à comunidade em geral. Campus portanto agradece esta demonstração de cidadania.
O texto versa sobre Penedo, sem dúvida uma área diferenciada dentro da formação  do espaço alagoano; dentro de Penedo, a autora trabalha o que se poderia chamar de arqueologia colonial urbana e especialmente trata do caso do Forte Maurício de Nassau.
Vamos ler e pensar; temos panos para as mangas, magistral expressão popular.
Luiz Sávio de Almeida
Penedo, Rua da Penha, 1950


Quem é quem

Bianca Machado Muniz possui graduação em Arquitetura e Urbanismo e é mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas. Participou como pesquisadora do Inventário do Patrimônio Arquitetônico do Município de Porto de Pedras e dos Trabalhos de Localização do Forte Maurício em Penedo – AL. É membro do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem desde 1999, tendo participado de vários projetos, atuando tanto na área de investigação bibliográfica e iconográfica, como realizando trabalho de campo, voltados principalmente para a gênese das cidades Alagoanas de Penedo, Marechal Deodoro e Porto Calvo. Possui experiência na investigação das relações entre arquitetura e tecnologia. Também atua na área de projetos de arquitetura. Atualmente é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, e faz parte do corpo docente da Fits como professora do Curso de Tecnologia em Design de Interiores.

PENEDO: O FORTE HOLANDÊS NÃO ERA DE PEDRA

Quando se pensa em fortificação, imagina-se logo uma construção rígida, feita de pedra e capaz de atravessar os séculos e resistir às intempéries. É com base nesta ideia que o Forte Maurício, construído pelos holandeses em Penedo no século XVII, muitas vezes é representado atualmente. Num lugar onde a pedra sempre foi tão presente, nos adornos das igrejas, na topografia da cidade – a Rocheira – e até no nome do lugar – Penedo - como haveria de ser diferente? Os documentos e evidências históricas porém, desmentem a crença geral, e revelam outras facetas desta edificação marcante no imaginário da cidade, e ao mesmo tempo  envolta em tantos mistérios.
Mas antes de chegar ao forte, vejamos como os holandeses chegaram a Penedo.
Com a União Ibérica, os holandeses ficaram impedidos de fazer negócios com o açúcar brasileiro, sua principal fonte de riqueza. Por este motivo, resolveram se apossar das zonas produtoras. Inicialmente, invadiram a cidade de Salvador, mas em 1625 acabaram sendo expulsos da cidade. Em 1630, militares da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais – organização comercial e militar criada para controlar os entrepostos comerciais nas Américas, ocuparam Olinda e Recife, conseguindo estabelecer-se na região.
Em 1637, o nobre holandês João Maurício de Nassau, foi enviado ao Brasil para organizar e governar as terras dominadas pelos holandeses no Brasil. Ao chegar, Mauricio de Nassau travou os combates necessários para afastar os portugueses, desde Olinda até o rio São Francisco.
Chegando à vilazinha de Penedo, que também era chamada vila São Francisco no século XVII, Maurício de Nassau julgou o lugar apropriado para a construção de uma fortificação de grandes proporções.  
Junto a sua comitiva, Mauricio de Nassau trouxe vários artistas, entre eles Frans Post  e Jorge Marcgrav, que realizaram  registros da vila São Francisco fundamentais para o estudo do forte. Frans Post, um exímio pintor holandês, imortalizou a Penedo de meados do século XVII, vista da margem oposta do rio, tendo já o forte na parte alta da vila. Marcgrave, por sua vez, fez mapas de várias vilas e cidades ocupadas pelos holandeses, inclusive a vila são Francisco. A obra destes dois artistas integra o livro de Gaspar Barléu, que relata os feitos de Mauricio de Nassau durante sua estada no Brasil. Estas imagens foram fundamentais para a realização dos estudos em torno do Forte Maurício, permitindo inferir, por exemplo, o tamanho do forte, sua localização na vila e suas partes constitutivas.
Na época em que foi construído o forte, já não se construíam os velhos castelos medievais. Estes estavam superados: séculos antes, um castelo era uma fortaleza capaz de suportar um cerco de vários meses sem ser vencido. Mas tudo mudou com a criação de uma nova e potente arma: o canhão, que tornava as altas muralhas do castelo um alvo fácil. Era preciso um novo sistema construtivo capaz de proteger as cidades contra esta nova arma.
Surge assim a fortaleza moderna, com muralhas baixas e horizontalizadas, criadas para serem quase invisíveis na paisagem. Em vez de crescerem para o alto, as muralhas destas fortalezas desciam e ganhavam altura graças ao fosso. O Forte Mauricio foi uma destas fortalezas: era formado de 5 baluartes, elemento de destaque na fortificação moderna,  que substituiu as torres dos antigos castelos. Estes baluartes eram desenhados de modo que não houvesse pontos cegos, isto é, um soldado inimigo não teria onde se esconder junto as muralhas do forte pois, de qualquer ponto, se tornaria alvo dos defensores.
De acordo com as imagens do forte, este também era rodeado por um fosso. Como o forte não podia ser muito alto,  pois se tornaria frágil ao canhão, sua muralha surgia ao ser cavado o fosso: quanto mais profundo o fosso, mais alta também a muralha do mesmo. Às vezes a terra tirada do fosso era já utilizada para a construção de sua amurada.
Isso nos leva a outra questão significativa: o material com o qual foi construído o forte.
Ao contrário do que se costuma imaginar, o forte Mauricio não foi construído em pedra, mas sim de terra. A questão é: num lugar onde a pedra é tão abundante, por que um frágil forte de terra? A resposta mais uma vez está na tecnologia: uma bala de canhão, ao atingir uma muralha de pedra, produzia estilhaços que se tornavam fatais ao atingir os defensores do forte. O mesmo não acontecia à terra, que amortecia o impacto causando danos mínimos na estrutura da fortificação e em seus defensores.
Uma das provas da eficiência deste sistema vem da experiência do laboratório de arqueologia da UFPE, liderado pelo arqueólogo Marcos Albuquerque. Nas escavações arqueológicas do forte Real do Bom Jesus, em Recife-PE, foi encontrado um projétil de canhão alojado em uma muralha de terra. Os Atos de Capitulação do Forte Maurício, que fazem parte do Diário ou narração histórica de Matheus van den Broeck, vêm a confirmar o material de que era composto o forte: “as muralhas [do forte Maurício] recentemente levantadas acham-se arruinadas e abatidas em consequência das continuadas chuvas, de modo que por fora é fácil galga-los. Está, pois, indicando a experiência militar, que com tão poucas forças é impossível defender tão largas obras contra adversários numerosos. Tão pouco não tivemos meios de cortar a fortaleza, pois como assenta sobre pedra, dentro d'ella não se pode haver a terra necessária para levantar outra muralha”.
Não apenas o forte Maurício, mais vários outros fortes a ele contemporâneos, em especial os holandeses – como o forte Orange, foram construídos em terra. Posteriormente, para proteger as estruturas das constantes chuvas típicas do nosso clima, os fortes eram encamisados com pedra, abrigando-os das intempéries e aumentando-lhes a durabilidade. Daí vem os fortes que resistiram ao tempo terem suas muralhas revestidas de pedra.
O FORTE MAURÍCIO E A DEFESA DO TERRITÓRIO
Segundo narrativa de Francisco de Brito Freire, na obra “Nova Lusitânia” escrita em 1675, o forte tinha capacidade para mil e seiscentos soldados.
Mas por que uma guarnição deste porte numa vila tão pequena?
É o que afirma o antropólogo Diégues Junior em seu importante livro Banguê das Alagoas: “Enquanto na região norte ­ a de Porto Calvo ­ e na região central ­ a das lagoas: Alagoa do Norte e Alagoa do Sul ­ o povoamento se processou através da fundação de engenhos de açúcar, já o do Penedo tem origens bem diferentes. Seu fundamento se baseia na defesa do sul da capitania de Duarte Coelho. Foi-lhe dado o feito de arraial fortificado: era o ponto mais distanciado da sede da capitania, e também o limite desta. Daí a necessidade de constituí-lo núcleo de defesa do extremo sul, preservando colonos mais expostos, ali que em outras partes, aos assaltos dos indígenas”.
A fundação da povoação é um dos primeiros indícios de sua importância defensiva, uma vez que devia garantir a posse dos limites da capitania contra as constantes ameaças de piratas franceses.  Constata-se assim, a importância da vila São Francisco para assegurar a posse da capitania de Pernambuco.
A vila também era  um dos principais acessos à capitania de Pernambuco no sentido sul. Segundo o Visconde do Porto Seguro, “as viagens marítimas entre a Bahia e Pernambuco eram mais difíceis e perigosas do que entre aquela capitania e Portugal”, o que fazia da vila São Francisco uma importante via de acesso, o que se manteve até  ano de 1972, quando a construção da ponte rodo-ferróviária sobre o rio São Francisco  na altura de Porto Real do Colégio deslocou o tráfego para a nova via.
Durante o ciclo do açúcar, embora não fizesse parte da região produtora, a povoação fornecia gado para abastecimento da capitania, tanto para consumo como para mover os trapiches dos engenhos. Segundo relatos de época, a  área do rio São Francisco era uma das mais abundantes em  gado em todo o Brasil, abastecendo deste gênero alimentício toda a capitania de Pernambuco.

Com a invasão holandesa, se destaca a importância estratégica de Penedo para o Brasil Holandês. A ocupação e controle deste ponto permitia tanto garantir o abastecimento dos holandeses com gado, como também o controle do acesso à capitania. Tornou-se fundamental a fortificação desta área, para garantir a posse dos limites do território ocupado pelos holandeses, o que significava a posse de todo o território pernambucano. Mas, ao contrário do colonizador português, o que havia do outro lado do rio São Francisco não eram “vizinhos de capitania”, mas sim seus opositores, que certamente tentariam expulsá-los assim que possível.

Além de defender os limites do domínio holandês, a fortificação do local permitia, também, apoiar as incursões nas áreas próximas e na capitania de Sergipe del Rei. Os holandeses saíam do Forte Maurício, incendiavam casas, engenhos e destruíam plantações do outro lado do rio, com o intuito de criar uma zona devastada que impedisse a permanência de seus opositores.
Assim, observa-se que em vez de proteger a vila, o forte Maurício visava antes à defesa da capitania, com vista aos interesses holandeses. Mesmo a provável feitoria, que seria de segurança para os colonos contra os índios, também fazia parte de uma estratégia de posse dos donatários. Ainda que essas evidências nos mostrem que a povoação, e depois vila São Francisco, não era necessariamente o alvo destas iniciativas de fortificação, sinalizam que sua localização era essencialmente estratégica, não apenas por sua posição geográfica, limitada decisivamente por um curso d’água do porte do rio São Francisco, mas também pela topografia do sítio, que favoreceu a defesa  e a visibilidade dos arredores.
A ÁREA DO FORTE NA CIDADE ATUAL
Os estudos que se apoiaram nas imagens, permitiram mostrar que o forte construído em Penedo foi um dos maiores do Brasil. Ele era maior, por exemplo, que o forte Orange, existente em Itamaracá. A comparação das dimensões entre estes fortes pode nos dar uma ideia da dimensão do forte Mauricio.
O forte Orange ocupa atualmente uma área de 9.800m2. Com base nas medidas do mapa, fazendo as devidas conversões da escala holandesa para o metro, constata-se que o forte Mauricio deve ter ocupado uma área de até 12.000m2, ou seja, ele tinha dimensões bastante expressivas, e de maiores proporções que o forte existente em Itamaracá. 
O estudo dos mapas também permitiu constatar que o forte foi construído ao redor da primeira capela da vila, o que foi relativamente comum na história colonial, tendo ocorrido o mesmo em Porto Calvo e em Recife (no forte Ernesto). Porém, nestes casos  a igreja não deve ter sido utilizada com fins religiosos, mas sim militares. O viajante neerlandês Johan Nieuhof, em seus escritos, ao se referir à vila de Penedo, diz que “existia no forte uma igreja que transformamos em arsenal”.
Projetando o perímetro do forte na cidade atual, percebe-se que muitas construções importantes também ficam dentro do espaço anteriormente ocupado por ele, como a Casa de Aposentadoria, a Aposentadoria Nova, a Catedral e o Oratório da Forca. Se não houvesse sido devastado, a presença da fortificação representaria uma outra paisagem para a Penedo contemporânea, com sua parte alta não tomada por residências e prédios históricos, mas pela própria fortaleza que ocuparia toda aquela área.

O FORTE HOJE
O cerco que resultou na conquista do Forte Maurício pelos portugueses durou mais de um mês. Várias vezes os holandeses enviaram  alimentos e munição para o forte, e várias vezes os portugueses conseguiram evitar que chegassem, o que deixava as forças defensoras da fortaleza cada vez mais fragilizadas.
Chegou o tempo em que seu contingente humano nem mesmo podia chegar sobre a muralha sem ser ofendido pelas armas portuguesas. Assim se passou mais de um mês, e finalmente, aos 15 dias do mês de setembro, os holandeses pediram uma trégua de três dias. Um dia antes do fim da trégua, em 17 de setembro de 1645, eram escritos os Atos de Capitulação do Forte Maurício, os quais foram justificados  pela falta de munição, de alimento, a diminuição da guarnição do forte e o arruinamento das muralhas pelas continuadas chuvas.
Os holandeses estiveram por oito anos na vila. Em novembro de 1646 reocuparam os restos do forte, abandonando-o quatro meses depois, em março de 1647. Assim que a fortaleza foi expugnada, os cidadãos locais pediram que ela fosse derrubada, para não correrem o risco de os inimigos se apoderarem novamente dela.
Atualmente, nada resta senão o lugar sobre o qual o forte esteve erguido, visivelmente modificado. Seus indícios materiais podem permanecer, porém, soterrados sob a cidade, no subsolo da praça Barão de Penedo, da Catedral e das casas por ali existentes.
Entretanto, pequenos monumentos em memória do forte permanecem dissolvidos, escondidos, ou foram apenas recentemente apagados. O Beco do Forte, que deixou de existir para que fosse construída a Praça do Forte, em frente à igreja Conventual Nossa Senhora dos Anjos; a rua 7 de Setembro, que se originou de um caminho que abraçava o forte, adquirindo sua forma; além das imagens e das narrativas sobre a fortificação, que, como se viu,  também preservam a memória do forte e realizam uma abertura no “túnel do tempo”, para permitir que se tenha acesso a pelo menos partes desse passado.
Contudo, caso se insista nesta busca com mais afinco, deparar-se-á com outros sinais. O famoso restaurante Forte da Rocheira, o canhão que se situou por muito tempo na Praça Barão de Penedo, a cruz em comemoração à expulsão dos holandeses, fixada na praça do Forte, em frente ao convento, embora não sejam originais do tempo seiscentista, simbolizam uma vontade de relembrar ou de encontrar o forte em meio à cidade.
A história desta fortaleza e da presença holandesa às margens do rio São Francisco confunde-se com as lendas e  casos de grande repercussão popular. Uma das mais recorrentes é a da “porta da rocheira”, uma abertura no paredão formado pelo rochedo que conduziria ao interior do convento, onde os holandeses teriam escondido ouro ­ o que carece de sentido, uma vez que o convento começou a ser construído após a expulsão dos holandeses. Por outro lado, tal crença pode ter sua origem ligada à fenda referenciada na legenda do mapa de Marcgrav, escrita em latim: “A.B. Rupes acclivis so pedum altitus dine fobis e faxo exifis”, que pode ser traduzida como caverna em ladeira onde só sobe um pedestre baixo [ou abaixado] usando uma tocha”. A legenda pode aludir a alguma abertura na pedra que talvez levasse ao interior da fortificação, e que hoje nos chega com a feição de crendice popular.
Embora se possa lamentar o fato de o forte já não existir, ele traz a questão de como seria a cidade hoje se o forte permanecesse. Optar pela permanência do forte em um dado momento da história seria optar por outra cidade, por outra Penedo.
Considerando a hipótese da realização de uma escavação arqueológica, embora cientificamente esta trouxesse muitas informações a respeito da fortaleza, seria, para o leigo, uma decepção. Esperariam os moradores encontrar um forte de pedra, semelhante àqueles divulgados nos filmes, quando provavelmente se encontrariam no subsolo apenas cortes na pedra, ou algum resquício da muralha de terra. Que tipo de atrativo tal achado teria?
Mas nada impede que o Forte Maurício, atualmente convertido em memória, possa ser apropriado pela população, e que a história se desdobre em iniciativas que o referenciem e alimentem esta reminiscência, de modo a evitar que este momento tão significativo da história da cidade de Penedo seja esquecido.

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