NOTAS
ACERCA DA REALIDADE
INDÍGENA E O COVID-19
INDÍGENA E O COVID-19
Maria Isabel Correia da Silva
Indígena da etnia Katokinn, Pariconha-AL
Assistente
Social no Distrito Sanitário Especial de Alagoas e Sergipe – DSEI-AL/SE
Aluna
do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Serviço Social-FASSO/UFAL
Este material deve-se à coordenação do Professor Amaro Hélio Leite da Silva
Coordenador do Neabi, Ifal
Coordenador do Neabi, Ifal
A pandemia causada pelo
novo coronavírus representa um grande desafio para o mundo e em especial para
os povos originários brasileiros, devido aos fatores presentes no processo de
formação sócio histórico desses povos; entre eles, destacamos as questões
territoriais, sociais, econômicas e religiosas. Diante desse cenário
multicultural, os povos indígenas do Nordeste apresentam peculiaridades que
devem ser observadas, tendo em vista as complexas implicações para o combate à
COVID-19.
Os povos originários do
Nordeste sofreram e sofrem um forte processo de destruição de sua cultura e
costumes, através, principalmente, da expropriação de seus territórios
tradicionais durante o desenvolvimento das atividades econômicas na Colônia. O
reflexo dessa política de destruição cultural e integração forçada aos costumes
do não indígena, implementado pelo Estado brasileiro ao longo de 500 anos,
provocou inúmeras modificações na forma de organização dos povos,
principalmente nas estratégias pensadas por eles para preservar seus costumes e
práticas religiosas.
Atualmente, diante
desse cenário de pandemia, mais uma vez as populações originárias se veem
diante da necessidade de se reorganizarem para, como antes, preservarem sua cultura,
em especial aquela presente na memória dos anciões das aldeias, que nesse
momento são considerados mais vulneráveis aos efeitos do vírus.
Perante a necessidade
de preservação, mediante o avanço do vírus nas comunidades, na maioria das
vezes as estratégias pensadas em conjunto pelas lideranças e comunidade
esbarram nas dificuldades objetivas de caráter estrutural que emanam
principalmente da não demarcação dos territórios tradicionais - que nesse
momento representam o resguardo social seguro de cada povo e a possibilidade de
um controle efetivo da circulação de não indígenas nas comunidades.
Compreendemos que a não demarcação dos territórios geram inúmeros problemas aos
povos e torna impossível a prática do bem viver, ampliando a vulnerabilidade
das comunidades.
Desta forma, a
demarcação dos territórios tradicionais implica diretamente no modo de vida dos
povos e tem impacto decisivo na qualidade de vida e, como estamos falando de
pandemia e os efeitos do vírus para o modo de vida dos indígenas, esses
impactos negativos repercutem diretamente no quadro epidemiológico das aldeias,
tendo em vista que em sua grande maioria os indígenas são acometidos por doenças
crônicas (hipertensão arterial, diabetes, desnutrição, obesidade) decorrentes das
precárias condições sociais, econômicas e de saúde, tornando-se alvos ainda
mais fracos nesse contexto de pandemia.
Diante dessa conjuntura
e da realidade de insegurança e medo dentro das comunidades, cobramos que as
políticas públicas sejam mais efetivas e articuladas. Porém, observamos uma
fragilidade na execução dessas políticas, pois quando são executadas se dão de
forma isolada e não respeitam o contexto cultural dos povos.
Atualmente, a política
de saúde que nesse momento é a mais requisitada, é executada através da
Secretária Especial de Saúde Indígena (SESAI), mediante os 34 Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s) espalhados pelo Brasil. Aqui em Alagoas,
temos observado várias ações das equipes de saúde dentro das comunidades, porém
essas ações em alguns territórios não tem logrado êxito, tendo em vista a visão
etnocêntrica da medicina ocidental e a falta de preparo da equipe para entender
os aspectos culturais e religiosos que permeiam o processo de saúde, doença e
cura dos povos. Deste modo, a cosmologia que permeia a organização de alguns
povos ainda não foi entendida pelo órgão responsável em executar a política de
saúde, gerando dentro de algumas comunidades a negação do processo de doença
gerado pela COVID -19 e assim contribuindo para o aumento dos casos.
O Distrito Sanitário
Especial Indígena de Alagoas e Sergipe emite diariamente boletim epidemiológico
com os casos confirmados, podemos observar que no último boletim publicado nas
redes sociais pelo DSEI no dia 02/07, contabilizamos 08 comunidades entre elas:
Kariri-Xokó, Xokó, Karapotó Plaky-ô, Karapotó Terra-Nova, Karuazu, Jeripankó,
Xucuru-Kariri e Wassu-Cocal com casos positivados para a COVID -19 e a
constatação de 03 óbitos.
Além dos casos
confirmados, não podemos descartar as possíveis subnotificações que se dão pela
ineficiência da politica de saúde e da desinformação da população que gera medo
e vários mitos acerca da doença, fazendo com que em algumas comunidades uma parcela
significativa da população tenha se recusado a procurar os polos base para
atendimento e a realização do teste rápido.
No que tange a subnotificação em nível nacional, podemos observar que os
dados publicados pela SESAI divergem dos publicados pela Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB), sendo estes superiores aos apresentados pelo órgão
oficial do Ministério da Saúde, demonstrando uma disparidade que não reflete a
realidade.
Constatamos através da
estatística divulgada no site oficial da Secretaria Estadual de Saúde (SESAU),
que o vírus tem crescido de forma exponencial no interior e que em todas as
cidades de Alagoas com populações indígenas temos casos confirmados,
demonstrando que se algo decisivo e continuo não for feito será apenas questão
de tempo para que tenhamos casos positivados em todas as 12 etnias[1] do
Estado de Alagoas.
Compartilho, enquanto
indígena e profissional da saúde indígena, que precisamos unir forças para
potencializar as ações de saúde nos territórios e que a maior ferramenta nesse
momento é a conscientização de que devemos nos resguardar. Desta forma, creio
que a SESAI, secretarias municipais de saúde, FUNAI, Controle Social, Mistério
Público e as organizações indígenas presente a nível local e de abrangência regional
devem articular as ações no combate ao avanço do vírus. Que as medidas pensadas
devem estar em consonância com a organização interna e cosmologia de cada aldeia
e, só assim, a mensagem da gravidade da COVID-19 e a presença do vírus nas
aldeias serão reconhecidas e entendidas.
Aqui não descartamos as
ações e os esforços das equipes de saúde que a todo o momento buscam
estratégias para atingir um número cada vez maior de pessoas com as mensagens
de prevenção, também sabemos da importância de um SASI-SUS fortalecido e
organizado para responder as demandas mais graves que exigem um suporte
especializado na saúde de média e alta complexidade. É com o intuito de
preservar vidas que as comunidades têm buscado dialogar com as instituições
responsáveis pela execução da política de saúde nas bases e cobrar medidas mais
incisivas e eficazes no combate à COVID-19.
Enquanto indígena,
mulher, assistente social e ser humano sensível e conectada com o gênero humano
busco refletir esse momento tão difícil e de muitas perdas para o mundo e para
nosso povo, com a certeza de que devemos nos expressar e denunciar qualquer tipo
de injustiça cometida contra as populações indígenas, entre elas a omissão, nesse
momento de pandemia e afirmar que vidas indígenas importam também. Fica a
certeza de que muito foi aprendido nesses 500 anos e a bandeira da resistência,
principalmente dos povos indígenas do nordeste, encontra-se hasteada e mesmo
com perdas nesse momento tão difícil, nosso povo buscará meios de se manter
vivo, pois de resistência nós entendemos!
O blog pode não concordar, no todo ou em parte, com a matéria publicada
O blog pode não concordar, no todo ou em parte, com a matéria publicada
[1]
São elas: Jeripankó, Katokinn, Karuazu,
Kalankó, Koiupanká, Xucuru-Kariri, Tingui-Botó, Aconã, Kariri-Xokó, Karapotó-Terra
Nova, Karapotó Plaki-ô, Wassu-Cocal.