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domingo, 26 de abril de 2020

Memória da Pandemia em Alagoas (XIV): Aldjne de Oliveira. RELATO DE EXPERIÊNCIA DA QUARENTENA



RELATO DE EXPERIÊNCIA  DA QUARENTENA

Aldjne de Oliveira
Mestre e Professora de Sociologia

       
Sou Aldjane de Oliveira tenho 33 anos, professora de Sociologia da Rede Estadual de Alagoas, casada, tenho um filho e resido no bairro do Benedito Bentes, na cidade de Maceió.
Inicialmente as noticias disseminadas pelas diversas mídias nos apresentavam o Novo Coronavírus, surgido na China, ainda no final de 2019. Essas apresentações midiáticas me deixavam a refletir se era todo aquele pavor mesmo ou se havia um pouco de sensacionalismo também. Porém, a cada dia, os números de registros sobre o Coronavírus foram se apresentando de forma realmente assustadora.
      A chegada do vírus no Brasil, deixou parte da população em alerta, temerosa. A linha de frente é para quem trabalha na área da saúde. Porém, também para nós que trabalhamos na Educação, existe uma preocupação em dobro: com a nossa família, com nossos alunos e colegas professores, pois a forma de propagação do COVID-19 é alarmante e com resultados fatais principalmente para quem já tem a saúde debilitada, ou com problemas respiratórios.
A quarentena, para os alunos e profissionais da área da educação iniciou no dia 23 de março, via Decreto do então governo do estadual, que inicialmente foi de 15 dias, porém, um novo decreto estende este isolamento social da área da educação até dia 30 de abril. E a partir desta  primeira data (23/03), comecei a ficar em casa.
     
Em minha casa somos eu, meu esposo, meu filho de onze meses e vieram ficar conosco neste período, minha mãe e minha irmã. Portanto, estamos em quatro adultos e uma criança. Na sexta-feira (20/03), me preparei  para os dias de quarentena, fui ao supermercado e fiz compras suficientes para mais de trinta dias, já calculando não ter que necessitar sair tanto de casa. Mas com mais tempo em casa, os mantimentos acabam mais rápido também.  
       Antes do ”confinamento”,  apesar de ter um bebê que demanda bastante tempo e cuidado, também pensei em algo para fazer,  que gerasse um ócio criativo, então no retorno do ultimo dia de trabalho, vindo de Coqueiro Seco, passando por Satuba, onde são famosas os utensílios de barro, comprei vasos de plantas, flores e borboletas na intensão de pintar, usar a criatividade. As tintas, já as tinham em casa. Nunca tinha feito pintura alguma, muito menos em barro, me senti muito feliz ao pintar, ao criar; a família participou dando sugestões de misturas de cores, de formas como pintar. Gostamos todos do resultado, a inspiração aconteceu, minha mãe já quer que eu pinte outro vaso para ela, minha irmã quer um para que ela mesma possa pintar, meu esposo ajudou e pintou uma flor, meu filhinho querendo pegar os pincéis e as tintas. Foi esta uma experiência nova e que me trouxe satisfação, com isso conseguimos criar memórias afetivas e momentos de felizes.
     
Em Alagoas a situação está razoavelmente estável, apesar se haver casos do COVID-19, mas o que estamos acompanhando na TV nos deixa bastante apreensivos; a cada notícia dos números de casos  pelo mundo, minha mãe faz uma súplica aos céus.
       Há também muitas frustações neste período, planejamentos de viagens canceladas, passeios adiados, visitas suspensas, eventos desfeitos. Dia 05 de abril, aniversário da minha mãe, 60 anos, entrando oficialmente para o público de risco do Coronavírus. Compramos uma torta, fizemos chamadas de vídeos para os familiares mais próximos, cantamos os parabéns partimos o bolo, todos deram suas felicitações e a comemoração foi feita e resignificada! Diferente, necessária e de toda forma especial.   
     

A parte mais gostosa de desse período, está sendo poder construir e/ou reconstruir momentos impares com a família. Em minha casa, fizemos juntos: pinturas de alguns cômodos, limpeza de ambientes da residência, costura de lençóis, cortinas fronhas e mascaras com minha mãe e irmã, cozinhar juntos  receitas diferentes; conviver e acompanhar bem de pertinho o desenvolvimento do meu filho, que nesta idade a cada dia é uma conquista e descoberta.  Estamos a construir, para nosso pequeno, histórias de aventuras que se passa numa fazenda encantada com animais falantes, que será apresentada em teatro de sombra, estamos confeccionando os materiais para projetar as sombras no desejo de que  esse momento se concretize e  ele se divirta muito.
      Antes da quarentena, estávamos, meu esposo e eu, assim como a madrinha do nosso pequeno a organizar uma festinha de aniversário de 1 aninho do nosso filho que seria dia 20/04, porém todos os planos tiveram que ser repensados. Assim, festinha com aglomerações de pessoas suspensa, pensando no bem coletivo,  então fizemos apenas um bolinho para os que já estão em casa, organizamos um cenário e registramos essa data tão especial com muitas fotos, no pensamento de que o isolamento social é para o bem dos nossos entes mais queridos, assim como para o bem dos desconhecidos que precisam de menos circulação nas ruas e ambientes diversos para que o vírus se propague o menos possível.
     
Creio que a sociedade está passando por um momento para que possa realmente repensar os seus fazeres e significados, é necessários uma reflexão e reorganização. Momento onde é fundamental pensar no bem estar do outros, seja esse outro: os avós, tios, mães, pais, colega de trabalho ou o “próximo distante”. Pois o vírus pode ser assintomático para uns, mas fatal para outros. Este período também se mostrou relevante para observarmos os posicionamentos das pessoas, referente às ideias de produção x vida, posicionamentos políticos que podem influenciar um genocídio. É de fato um momento para realizarmos, enquanto sociedade, grandes reflexões sobre qual modelo de comunidade queremos construir, e construir a partir de agora.

Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
O blog pode concordar ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada




Memória da Pandemia nas Alagoas (XIII): Marcos Farias. A pandemia, a quarentena e há mares, há lagoa



A pandemia, a quarentena e há mares, há lagoa
Marcos Farias
Natural de Maceió/Alagoas, é cantor e compositor, graduado em História e Gastronomia, servidor do TRT/AL.


enquanto estiver lendo, escute a música de Marcos Farias
é só clicar aqui e aparece o link

Memoria della pandemia:Alagoas Memory of the pandemic: Alagoas 



Esta foto é de autoria de Pablo de Lucas
É Sexta-feira Santa, dia 10 de abril de 2020, o sexto dia da
Semana Santa no cristianismo ocidental, período propício para reflexão sobre o papel do ser humano no cosmos, sobretudo num momento em que a pandemia do coronavírus nos pede respostas. Estou por horas a pensar e escrever. Onde erramos? E quanto a nós, das bandas caetés, o que temos a dizer diante de tudo isso?
Leituras, filmes, reflexão e muita música. Tem sido essa a minha rotina em tempos de quarentena. Preparar as refeições também tem feito parte do dia a dia. Aproveitei o momento de maior disponibilidade para realizar um desejo antigo: compor uma música com temática local. Abordar as raízes e o folclore das Alagoas. Eis um momento mais que oportuno e necessário para elevar a nossa autoestima e a nossa alagoanidade.
      Em meados de fevereiro passado, debrucei-me a escrever um poema sobre um povo esquecido: os moradores ribeirinhos das lagoas das Alagoas. São eles pescadores, marisqueiras e rendeiras. O pescado, o artesanato, o sururu e o marisco são fontes de sobrevivência para esse povo. Mesmo à margem social, não desiste de lutar pela própria dignidade.
    Ao invés do tão usual e hegemônico bordão “Terra dos Marechais”, procurei fazer o resgate dos esquecidos. Assentei um registro aos sofridos filhos da terra, os nativos Xucurus-Kariris. Também trouxe à memória o maior personagem negro da historiografia brasileira, o palmarino Zumbi. Na pauta do poema, dois dos maiores patrimônios históricos das Alagoas.
    Nas emblemáticas Lagoas Mundaú e Manguaba, com suas abundantes riquezas da fauna e da flora, representei o complexo lagunar do estado de Alagoas. O manguezal é vida, a lama é boa e gera sururu, pescado, caranguejo, alimenta e mantém a sobrevivência de ribeirinhos. Das margens das lagoas às feiras, o sustento de alijados sociais.
     
O folclore é representado pelo que há de mais alagoano: o Guerreiro e o Coco de Roda. Mestres e mestras das genuínas expressões folclóricas do estado muito merecem a homenagem. Também são merecedores todos aqueles e aquelas que fizeram de sua vida uma história de defesa, valorização e divulgação das manisfestações populares locais.
Em pleno período de quarentena, fim de março ao início de abril, obedecendo aos critérios amplamente divulgados pelas autoridades de saúde, produzi o single ‘Há mares, há lagoas’. Porém não o fiz sozinho. Com a observância da distância necessária – a maior parte do processo desenvolvido com o auxílio da internet – contei com a participação de excelentes profissionais, pelo que transmito meus sinceros agradecimentos. Van Silva pela produção musical e, também, Jair Donato, Nyron Higor e Pablo De Luca.

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele  publicada.


Memória da Pandemia nas Alagoas (XII). José Vieira da Cruz. Um turbilhão de mudanças



UM TURBILHÃO DE MUDANÇAS

José Vieira da Cruz
 Professor da UFAL, Doutor em História pela UFBA, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e da Academia Alagoana de Educação (ACALE)

Memory of the pandemic in Alagoas / Memoria de la pandemia en Alagoas


Mémoire de la pandémie à Alagoas / Memoria della pandemia di Alagoas



Nas últimas semanas, apesar da quarentena internacional, o ritmo das mudanças e das informações por elas provocadas não pararam. Neste aspecto, não há um estado de monotonia e sim de ansiedade. Ao fim e ao cabo, o turbilhão de mudanças que vêm desmanchando certezas e pulverizando indecisões nos coloca a pergunta de como será o amanhã? Pós-crise do petróleo, pós-crise da redução da atividade econômica, pós-crise da diplomacia e dos interesses geopolíticos, pós-pandemia e, no caso do Brasil, com um ingrediente a mais: pós-crise política do governo atual.
Assuntos tão presentes e constantes que é quase impossível desviar o foco deles, ao menos para os que acompanham os noticiários e as redes sociais, inclusive os programas de humor e os, cada vez mais populares e instantâneas, memes. É uma realidade que nos inunda de informações e nos seduz a pensar seus desdobramentos. Alguns textos são pessimistas, outros pragmáticos, muitos são céticos e outros tentam manter a esperança na capacidade humana de superar desafios.
Não tenho o dom nem a habilidade de prever nem de prescrever o amanhã e menos ainda o futuro. Qualquer coisa nesse sentido, a meu juízo, seria ato premonitório, aposta, projeção ou pura especulação. A respeito, há alguns dias, um comentarista de um programa de notícias da TV Cultura, Luiz Felipe Pondé, questionava prescrições de especialistas sobre um mundo pós-pandemia mais ético, solidário e sustentável. Acrescentando ainda que só temos duas possibilidades para lidar com a realidade de crises e de pós-crises: a História e a Estatística. Embora também goste da Matemática e da Estatística – não pelos números em si, mas sim pela possibilidade de interpretação que elas permitem configurar –, como historiador me deterei apenas em minha área de formação.
A História, ciência que estuda a ação de homens e mulheres no tempo, como definida por Marc Bloch, já registrou inúmeros momentos de crises, conflitos, guerras e doenças (surtos, epidemias e pandemias). Todos eles geraram consequências e lições que foram incorporadas ou não à cultura após períodos de crise. Desse modo, não obstante o desejo de que, após um período de crise, ocorra um legado de aprendizagem, superação e de amadurecimento, por “descuido”, “esquecimento” ou “interesses diversos”, repetições destas crises ocorrem mais de uma vez e, por vezes, por motivos parecidos. Contudo, essas repetições não são uma consequência natural, estrutural ou castigo divino, mas sim fruto das decisões tomadas por cada sociedade.
As experiências vivenciadas por uma sociedade em um período de crise, este é o ponto que desejo enfocar, carrega em si a potencialidade concreta de ser aproveitada ou não, sob diferentes formas, estratégias e experiências. Este processo de aprendizagem ou acomodação depende do contexto social, do lugar e do tempo de cada cultura. Neste sentido, o momento atual reflete os significados do vocábulo chinês para a palavra crise: perigo e oportunidade. Por um lado, crise sinaliza uma situação de perigo, por outro, indica a oportunidade para resolver problemas e encontrar soluções. Em outras palavras, o que define o modo como um país e sua sociedade lida com uma crise e com the day after, é a dimensão política, social e cultural para (re)pensar caminhos, fazer escolhas e tomar decisões. Fora disso, é relegar a humanidade ao imprevisto, ao acaso e à própria sorte.
Escrevo este texto, em uma manhã chuvosa, após um dia anterior de intensos acontecimentos políticos. Refiro-me ao dia 24 de abril de 2020. Uma sexta-feira que, apesar de não ser 13, suscitou arrepios e estremeceu algumas certezas! Foram dois pronunciamentos cujos impactos poderão influir nos rumos que o país precisa tomar por conta da pandemia, da crise econômica e da defesa da ordem constitucional democrática. O primeiro proferido a partir das 11 horas pelo até então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, justificando as razões de sua saída do governo. O segundo transmitido a partir 17 horas, pelo Presidente da República, acompanhado de grande parte de seus ministros, tentando justificar a saída do Ministro da Justiça. Acusações à parte, foi mais uma gota d’água no combalido cenário político brasileiro agravado pela crise sanitária imposta pelo novo Coronavírus.
É sob esta atmosfera que escrevo para externar uma leitura do turbilhão de situações do que estamos vivendo e da necessidade de decisões políticas sensatas, com lastro científico e amparo sanitário exigidos pelo atual contexto. Escrevo também pela ciência e consciência de que as mudanças que poderão ocorrer oriundas deste momento/crise (sanitária, econômica e política) não são e não serão naturais nem advindas da “mão invisível” do mercado e, tão pouco, das mãos de um “escolhido”. Os indivíduos que constituem uma sociedade compartilham a responsabilidade pelas decisões tomadas e os frutos de suas escolhas.
O Brasil e o mundo já viveram outros momentos de conflitos políticos, crises econômicas e pandemias. Já experimentaram os dessabores de governos e de políticas autoritários. Sabem que a democracia e que a cooperação entre os povos tem limites, que é difícil e tem ritmo próprio, mas que apesar disso garante liberdade, respeito, transparência com o tratado da coisa pública e, sobretudo, alimenta a possibilidade de debates, diálogos e construções de consenso. Sabem que o papel do poder público, através dos Estados, é fundamental para garantir o bem-estar social, as liberdades e os direitos individuais e sociais. E sabem que em tempos de crise o planejamento, a articulação, o convencimento e a capacidade de mobilização em torno de pactos políticos, sociais e de desenvolvimento sustentável são imprescindíveis. Os países e as sociedades que melhor compreenderem essa necessidade histórica poderão estar um passo à frente das demais.
Minha esperança e desejo é o de que este aprendizado posso servir de parâmetro e de norte para a tomada de decisão de instituições e da sociedade brasileira. Mas no momento, o que posso fazer é escrever e compartilhar com vocês, leitores que acompanham meus escritos, minhas impressões sobre esse o turbilhão de mudanças que está tomando conta de nosso país. É salutar lembrar que o ano mal começou. E o turbilhão narrado é mais uma gota d’água...

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria publicada.

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