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terça-feira, 5 de maio de 2020

Luiz Sávio de Almeida. O virus enquanto espero o tempo passar (II). Memória da pandemia nas Alagoas (XXXIV)



O virus enquanto espero o tempo passar (II)
Luiz Sávio de Almeida

A catástrofe americana

E ele é um espetáculo que pode ser doloroso para os que se encontram reclusos; chega com uma trama muito superior à do cinema catástofre, ao gosto americano, conforme discutiu Sontag e que deriva dos pos-guerra, com inícios beirando os anos cinquenta. Pelo nosso ver, o americano chega sempre próximo à destruição do mundo, que não se acaba graças a um super-herói que emerge, pois existe no capitalismo uma magia inesgotável de salvação; neste sentido, o Olimpo americano sempre foi tão cheio quanto o grego,  de onde saíram deuses, semideuses e heróis magníficos como Hércules e trágicos a nosso ver como Sisifo que foi condenado a uma rotina de sim-chegar e não-chegar, uma contradição que ele não resolve e portanto não se liberta mas onde tem de viver a trama que lhe foi ditada.

Eu sou e sempre useiro e  ávido pelos textos de Albert Camus; ele  nos deixa pasmos pela  possibilidade de poder pensar e mais do que isto, imaginar, a felicidade de um Sísifo.  Se o capitalismo americano estivesse neste universo de Sífifo, não estaria a todo custo procurando ver-se em destruição para sentir-se salvar-se?  Não será que ele, o modo capitalista de ser americano,  enuncia a tese de que sempre encontra a salvação em si mesmo e, se não fosse isto.  estaria perdido o manifest destiny, vindo ainda da década de 40 do século XIX e um grande elo de sua tradição?
O sofrimento da Depressão, o sofrimento da guerra, levava automaticamente à deificação da catástofre? O Capitão América representando o maravilhoso,  aparece e vence vilões; sempre há uma luta em que se teme pela sorte do escudo, mas ele se recupera, vence, salva a América e protege o próprio mundo da destruição. Há uma América incansável em sua tarefa de ser América e quando falta herói terreno, vai-se em busca de um outro planeta e, assim, solução não falta, da mesma forma que um ser bisonho nasceu para representar o complexo de salvação da sociedade do capital na britânica terra da monarquia: 007.

O orgulho do The Six Million Dollar Mana demonstrar a renovação biológica – levou a maravilha da tecnotrônica  – bela palavra de Darcy Ribeiro – a ser no anedotário brasileiro, comparado a Frankstein, na mania que temos de zombar de nós mesmos: o The Six Million Dollar Man foi fabricado pela Nasa e o desconjuntado monstro britânico, pensado na segunda década do século XIX, pelo sistema de saúde nacional. Péssima anedota.

O trágico americano, nesta circunstância que estamos discutindo, é  o gosto que ele tem de ser imemorial e é desta forma,  que, independendo de seu jeito de ficção científica americana, ele não é desconhecido em seu  modo de ser uma epidemia: epi demos. O epi-demos esteve entre nós e sempre estará nas suas variadas formas de perversão maligna.

A morte e o desespero funerário

Hoje começa o mês de maio que no calendário católico é tempo de se render homenagem e devoção  à Virgem Maria. Será um mês duro para a sociedade brasileira, que vem passando pelos vexames da pandemia e,  agora,  vai ingressado  em  fase mais pesada e, infelizmente, espero que se estenda para os fins de julho, podendo, depois, amainar embora todo o fim desta verdadeira via crucis somente termina com medicamentos eficazes ou com a eficácia não somente da vacina, mas da vacinação; ter a vacina e vacinar são duas situações absolutamente diferentes, embora, como é óbvio, a ação depende  do objeto.

Alagoas, como falamos,  sempre viveu atormentada pelo maligno das doenças, com a bexiga sendo das mais constantes, persistente mau grado a vacina que veio depois e que tanto problema viveu.  Ainda hoje chamamos de bexiguento a quem consideramos que não presta. Não há um momento da história do século XIX, que algo não estivesse com mortes aqui e ali, pela bexiga, febre amarela e outros tantos males.  O Corona não seria, portanto, novidade, se não fosse a forma dele ser e acontecer.  Somos uma cultura que se não tivesse sido vítima de tanto sofrimento, jamais  teria incorporado a expressão Casa da Peste. Como se pode sentir, estar com a doença é familiar e estar com a desigualdade também. E tudo é persistente, como parece será este virus da peste sobre o qual pouco se sabe, para o qual não existe vacina e do qual se pode esperar retorno. Comentando sobre o que é chamado de passaporte de imunidade, Pinto (2020) escreveu que a partir de  uma revisão de 20 trabalhos científicos, não é possível afirmar que os indivíduos com anticorpos estejam isentos do retorno[UdW1] .

 Não podemos imaginar o que vai nos acontecer,  por causa de inúmeros fatores e dentre eles pesa, especialmente o  fato de que o povo não manteve a rigidez do chamado isolamento e ele teria de ter um limite até ser fortemente conduzido pelo mando policial do estado. Por outro lado, nunca vivemos qualquer experiência semelhante mas  a memória os possibilita buscar imagens e inventar preenchimento de vazios.

Quando nos debruçamos sobre isto, sempre passa na  cabeça, alguns acontecimentos como os de Guayquil no Equador, com caixões nas ruas, mortos dentro de casa, colapso nos enterramentos, urnas funerárias empapeladas.  Se a morte termina por comover, leva ao espanto, com a quebra dos nossos padrões de cultos funerários e, isto, não somente aqui, mas pelo mundo,  pois tudo tornou-se e quase se esgota na invisível sensação de que estamos sempre na intimidade de áreas de risco para contágio. O virus  pertuba exposto ou escondido, o mediato e o imediato do que os antigos usavam chamar de andaço dando a tudo, mesmo do espaço ultrapequeno como o de um quarto, contudo, a dimensão do mundo.

 Sempre passam acontecimentos no Equador e que  foram terríveis. Hoje, o The New York Times traz uma grande reportagem sobre o colapso do serviço de enterramento em New York: We Run Out of Space: Bodies Pile Up as N. Y. Struggles to Bury its Dead.  Tudo isto está perto de nós e lembrei que por estes dias, em Manaus, as covas eram valas e se chegou a enterro com corpos empilhados, no desespero administrativo de dar conta sobre o descalabro que foi inesperado aqui, na França e no Japão. Nisto, vai crescendo o impacto na rede, atingindo a tropa que seria o corpo de saúde a lutar contra a doença. O número de pessoas que atendem aos doentes e que foram infectadas é grande no país e em Alagoas já houve vítima.

Anotações e história

É em torno deste ser sobre o qual pouco é sabido, que estas notas são desenvolvidas e sem grandes pretensões, tanto no que diz respeito ao conteúdo, quanto na metodologia para realizá-las e, na verdade, elas estão a sabor do dia, do impulso que leva a escrever. Poderíamos equacionar melhor o modo como serão escritas, dizendo que estão à disposição do sabor que o dia pede: vez que é mais isto, vez que é mais aquilo. No entanto, elas têm uma condição que as unifica: são parte de meu isolamento, palavra meio retumbante para apenas dizer sobre os dias em que fico recolhido em casa, na tentativa de estar, o menos possível, exposto ao público, como se existisse   a priori uma definição cujas preliminares já levantamos: o virus assume prioritariamente a área da ágora e as pessoas a área do domus, parecendo haver uma inversão pois o que é bem fica preso e o que é mau fica solto, uma subversão até mesmo do que alguns mencionam como democracia grega.

Se nós tomarmos a herança aristotélica na teologia católica de São Tomás de Aquino, veremos que ela não veda a possibilidade do Doutor Angélico falar sobre o tiranicídio, a possibilidade de destruir o erro, indo-se à guerra por uma causa justa. Estamos em uma guerra justa. Neste sentido,  de domus e agora, o comando é do virus que nos obriga a estarmos em defesa. Sei que esta imagem que criamos é forçada, mas foi realizada para trazer para a tragédia do Corona, um senso greco-alagoano, ampliando em nós o epi e o demia em oposição ao senso latino do quarenta+ena.






 [UdW1]PINTO, Ana Estela de Souza. OMS diz que “passaporte de imunidade” ainda é inviável: entenda por quê. Folha de São Paulo.  Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/oms-diz-que-passaporte-de-imunidade-ainda-e-inviavel-entenda-por-que.shtml. Acessado em: 25 Abr. 2020

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