ATÉ O NOSSO
RITUAL, O OURICURI, TEM QUE ESPERAR: A PANDEMIA DO
NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19) E O MEDO QUE ASSOLAM OS POVOS INDÍGENAS: OS XOKÓ
DA
ILHA DE SÃO PEDRO, SERGIPE E A LUTA DIÁRIA CONTRA ESSE VÍRUS
Ivanilson Martins dos
Santos - Xokó
Graduado em História pela UFAL (Sertão), Técnico em
Agroindústria pelo IFS
Indígena da etnia Xokó e membro do GT “Os índios na
História/SE”
Saúde: a pandemia vista pelos índios
Coordenado pelo Professor Dr. Amaro Hélio Leite da Silva
Coordenador Neabi/Ifal
Coordenador Neabi/Ifal
Vou
tentar expressar um sentimento, que é também de uma coletividade, que demonstra
de forma análoga de como essa nova pandemia do novo coronavírus assombra os
povos indígenas do Brasil, entre esses, os Xokó da Ilha de São Pedro, município
de Porto da Folha, no alto sertão sergipano.
Para
entendermos melhor esse sentimento de medo, devemos lembrar que em nossa
história sempre existiu pandemias e epidemias trazidas pelos
invasores europeus, deixando nossa população bastante vulnerável ao longo do
tempo, visto que nesse momento o problema de agentes biológicos nos territórios
indígenas seria, para nós, novo. Os surtos epidêmicos foram e ainda o é, um
problema bastante intenso que está dizimando milhares de indígenas entre nós. Em nossa cosmovisão seria naquele momento como
um castigo divino, nossos remédios não curavam mais, pois não existiam até
então um vírus tão letal, precisamos nos adaptar e tentar outros meios como
fazemos hoje, utilizando também da medicina moderna; não falo que deixamos de
usar nossa medicina tradicional, ainda usamos em ocasiões específicas, mas para
esse vírus não funciona, o problema é muito maior.
Fazendo
um levantamento sucinto de algumas epidemias ocorridas na Colônia, temos a
primeira notícia em 1554, quando os jesuítas já descreviam que essas epidemias
matavam vários indígenas. Os surtos de sarampo, varíola, cólera, bexigas e a gripe
espanhola de 1918 sempre estiveram presentes em nossas populações indígenas ao
longo da história e atingiam os aldeamentos, aldeias (comunidades indígenas)
até os dias atuais, quando se espalha em grandes contingentes de grupos
indígenas em contato. Parece-me que esse assunto de vírus nunca nos deixou em
paz, o primeiro foi em 1500 e se alastrou por todo o século XVI, quando os portugueses
aqui chegam para mercadejar e nos deixou um “presente” destruindo milhares de
nós, perdemos nossas bibliotecas vivas, nossos anciões que tem o papel de nos
passar toda a sabedoria de uma construção cultural, ou como dizemos hoje,
identitárias, digo assim! Natural.
Desde
o primeiro caso confirmado no dia 26 de fevereiro de 2020, pelo Ministério da
Saúde aqui no Brasil, o medo foi de como esse vírus iria se manifestar entre
nós povos indígenas, e de como iríamos enfrentá-lo, pois, já está matando nossa
gente. O enfrentamento desse gravíssimo
problema não é coisa nova, como já descrito anteriormente, esse medo não existe
de hoje, mas de sempre, quando começou a
ser assunto de maior frequência entre nós povos indígenas, nesse século, após a primeira confirmação entre indígena que só ocorrera no dia 01 de abril de 2020,
com uma parenta da etnia Kokama, moradora da aldeia São José, no município de
Santo Antônio do Içá, no oeste do Amazonas, o sentimento foi de medo, porque
estaríamos de mão atadas, o sentimento foi de incerteza. Íamos
enfrentar algo invisível, não mais nesse momento, os agentes físicos, como
garimpeiros, usineiros, fazendeiros, madeireiros, que invadem e também são
manifestadores de doenças entre nós indígenas. Nesse momento, a preocupação
seria o vírus que já atingia várias aldeias pelo Brasil.
Para
termos uma ideia, o governo federal não tinha criado nenhum plano estratégico e
emergencial para o enfrentamento do novo coronavírus em nossas aldeias, o que
só ocorreu no dia 16 de junho de 2020, com aprovação pelo senado federal do Projeto
Lei (PL) 1142 que objetiva traçar um plano de como enfrentar esse vírus com
maior estratégia na áreas indígenas. Após
quatro meses de intensa construção coletiva e mobilização, com Ongs e a oposição
política, conseguimos criar a PL e a provação no senado federal, faltando
somente a sanção do presidente da república, Jair Messias Bolsonaro.
O
presidente, desde o início da pandemia, mostrou-se negacionista, ele mesmo
incentivava aglomerações apoiando
manifestações ao seu governo; para ele, é uma “gripezinha”, frase dita no
começo da pandemias e que hoje dia 02 de julho de 2020 o Brasil registra quase
1 milhão e meio de pessoas infectadas e mais de 60 mil mortes por COVID-19. Entre
os povos indígenas, dados de 01 de julho de 2020, soma um total, até o momento,
407 mortes e 9.983 infectados de 119 povos indígena atingidos pelo coronavírus
de acordo com dados cruzados pelas organizações indígenas, como a Associação
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Secretaria de Saúde Indígena (SESAI),
Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde e Ministério Público Federal (MPF).
Na
comunidade Xokó, a qual faço parte, o primeiro caso confirmado do coronavírus na
aldeia ocorreu no dia 12 de junho, em um indígena do sexo masculino de 42 anos
de idade. Os últimos dados do dia 02 de julho de 2020, somava um total de 6
pessoas infectadas, sendo 4 curadas e 2 em processo de tratamento fazendo a
quarentena com as devidas orientações do grupo de saúde local; e na manhã do
dia 02 de julho de 2020, chega a aldeia Xokó uma equipe de saúde da
Universidade Federal de Sergipe (UFS), para realizar testes sorológicos com
objetivo de identificar anticorpos do novo coronavírus em 200 indígenas. Vale
ressaltar que essa é uma iniciativa da UFS e do Governo do Estado de Sergipe,
que além de realizar esses testes rápidos para a COVID-19, a equipe realizou
outros testes como de glicemia, pressão arterial entre outros, e doações de máscaras
e kits de higiene pessoal.
Hoje,
dia 04 de julho de 2020, o Portal de Notícia do G1, Sergipe, divulgou os resultados
da Universidade Federal de Sergipe (UFS), sendo que 47 tiveram resultados
positivos com identificação de anticorpos do novo coronavírus. Os 200 testes
realizados na aldeia Xokó da Ilha de São Pedro, de acordo com o G1- SE, foram
os seguintes obtidos pela Universidade Federal:
141 testaram negativo; 34 apresentaram IgG + e estão, possivelmente,
curados; 10 estavam com IgM + e devem estar na fase inicial da infecção; 7
foram indeterminados; 3 apresentaram IgM + e IgG +, e podem estar em fase de
recuperação. No entanto, após essa divulgação, a comunidade dobrou o isolamento
domiciliar continuando com a quarentena em toda a aldeia.
Esse
vírus é muito perigoso, e os resultados não mostram ao contrário, visto que a
comunidade Xokó sempre vem cumprindo com as devidas orientações das
organizações de saúde. No dia 21 de maio de 2020, a UFS e o Instituto Federal
de Sergipe (IFS), fizeram as doações à Comunidade Xokó de kits de higiene e
máscaras de tecido para ajudar na luta contra o COVID-19, ampliando com essa
ajuda as barreiras sanitárias feitas na aldeia com objetivo de orientar nós
indígena Xokó contra o vírus. É importante ressaltar essas ajudas de
organizações, pois a comunidade teve que fazer adaptações no seu modo de
organizações, seja em relação a cultura, religião e educação, a comunidade
resiste de forma que evite ainda mais a propagação do novo coronavírus dentro
da aldeia e de nosso território.
Vale
ressaltar a ajuda, para o enfrentamento da COVID-19, do Colégio Indígena Dom
José Brandão de Castro, que tem papel fundamental nessa luta, e muda para atividades
escolares não presenciais, os 80 alunos que
fazem as aulas virtuais com
acompanhamento de atividade, conforme determina a PORTARIA Nº
2235/2020/GS/SEDUC de 27 de maio de 2020, que regulamenta, as atividades escolares
não presenciais na rede pública estadual de ensino, com o objetivo de conter a
disseminação do novo Coronavírus (COVID-19). Sendo a escola indígena uma escola
diferenciada, ela segue um cronograma que adapta a cultura local com ajuda também
da Rádio Comunitária Xokó, em como uma luta constante para vencer o vírus, tudo
agora é novo e precisamos de novas estratégia de sobrevivência, nesse momento o
importante é viver, estamos fazendo novas adaptações, a exemplo das reuniões
comunitárias que estão ocorrendo virtualmente via grupos do whatsapp, tudo isso
tem a ver com a dinâmica cultural que nós indígenas tentamos nos reinventar.
A
aldeia Xokó da Ilha de São Pedro, Sergipe, está vivendo uns de seus piores
momento de crise, isso causado por algo invisível que só em falar gera um
sentimento de medo, impotência e incerteza, e isso foi percebido no olhar da
segunda maior festa cultural que não teve entre os Xokó, a Festa de São Pedro
que é celebrada no dia 29 de junho. São Pedro é padroeiro dos Xokó, a imagem
foi exposta em ritmo de procissão em um carro pela comunidade com poucas
pessoas, o vírus é violento, mata sem dó nem piedade. Uma outra preocupação
agora, é para a festividade de retomada do território Xokó, que acontece no dia
09 de setembro de todos os anos em comemoração à retomada e a reafirmação da
identidade Xokó, que por mais de séculos foram negadas no processo histórico a
qual o próprio Estado fez parte, vamos vencer.
Os
Xokó têm o seu território demarcado pelo Decreto n° 401/91 de 24/12/1991 com
homologação de 4.316,7768ha (Quatro mil, trezentos e dezesseis hectares,
setenta e sete ares e sessenta e oito centiares), território esse que foi
demarcado através de muitas lutas contra fazendeiro e posseiros que estavam
usurpando nossas terras. Hoje, a luta muda de direção, e o maior alvo é o novo
coronavírus que modifica de forma inexplicável nosso modo social por algo tão
pequeno e invisível, mas grande em desastre, o COVID-19, mata e não olha a
quem, venceremos mais essa guerra que nos assombram.
04 de julho
de 2020
O blog pode discordar no todo ou em parte de material que publica
O blog pode discordar no todo ou em parte de material que publica