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domingo, 7 de junho de 2020

Paulo Nascimento. Neocolonialismo religioso e racismo no estado de Alagoas


Neocolonialismo religioso e racismo no estado de Alagoas

Paulo Nascimento
Teólogo Batista

Religious neo-colonialism and racism in the State of Alagoas
Neocolonialismo religioso y racismo en el Estado de Alagoas
Néo-colonialisme religieux et racisme dans l'État d'Alagoas
Neo-colonialismo religioso e razzismo nello stato di Alagoas

“Os gregos estavam tão acima de nós como nós estamos acima da raça negra”
(Augustus H. Strong – Teólogo norte-americano que formou a primeira geração de pastores batistas no Brasil)

Quando participei há alguns anos como palestrante no encontro da Fraternidade Teológica Latino Americana (Setor Nordeste), lembro-me muito bem de ter sido indagado, durante o debate, acerca da ausência em minha fala das questões relacionadas ao racismo no estado de Alagoas.

Obviamente, a questão me fora dirigida por conta de minha condição como teólogo negro. Na oportunidade, eu fazia uma leitura teológica da economia alagoana capitaneada pela indústria canavieira, denunciando-lhe a selvageria com que se apropria dos recursos naturais e com que acumula os meios de produção e a riqueza material produzida nesse estado.

Agora, dada a conjuntura mundial e local acerca das questões raciais, a pergunta do meu interlocutor volta com toda sua força. Ela tem extrema pertinência. O silêncio com que tratamos o tema, enquanto teólogos, é constrangedor. Isso porque já não restam dúvidas de que, no Brasil, produzimos as formas mais sutis de racismo do mundo, invisibilizadas pelo discurso do “mito da democracia racial”, mas perfeitamente visíveis na nossa estrutura social excludente e segregadora.

A branquitude, enquanto estratégia político-ideológica para os fins da hegemonia de determinadas visões de mundo, é uma das marcas explícitas da história da formação do povo brasileiro e alagoano. Seu correlato dialético e antitético é a negritude. Dialético e antitético porque a branquitude tem na negrutide uma necessidade, a fim de afirmar sua superioridade. Sem esse referencial dialético e
antitético não haveria suporte para o discurso ideológico da hegemonia branca.

Mas essa dialética não serve apenas para sustentar os discursos. Tem servido muito mais para dar o suporte material feito de braços e pernas trabalhadoras, sem os quais nenhuma superioridade pode se efetivar. Padre Antonio Vieira, num de seus sermões, dizia que o negro, após a derrocada da escravidão do índio, viria a ser “os pés e as mãos do senhor [branco]”.

O processo de formação do estado de Alagoas confunde-se com a história da consolidação da agroindústria canavieira. E a consolidação desta, depois de encerrado o processo de dizimação das culturas indígenas do estado, teve exclusivamente no sistema escravocrata africano o seu suporte laboral. Fernando Lira, em Formação da riqueza e da pobreza de Alagoas, nos informa que “ao contrário do ocorrido com os índios, nem a igreja nem a coroa se opuseram à escravidão do negro. As ordens religiosas, como as beneditinas, estiveram até mesmo entre os grandes latifundiários de terra, que exploravam o trabalho escravo”.

Os negros trazidos para Alagoas procediam majoritariamente de Angola e Guiné. Lira ainda nos diz que “no final do período colonial, Alagoas tinha uma população de 111.973 habitantes, dos quais 42.879 eram livres e 69.094 eram escravos”. Semelhantemente ao ocorrido na maior parte dos estados do Nordeste onde o ciclo do açúcar deixou sua marca, os povos negros comparecem como povos instrumentalizados em favor dos interesses político-econômicos das elites locais.

Esses fatos, amplamente conhecidos de todos, são quase sempre apresentados como dados históricos sem nenhuma vinculação com a presente (des)estrutura social do estado de Alagoas. E minha tese fundamental neste artigo vai na direção de afirmar que a terrível desestruturação social de Alagoas tem no racismo um companheiro necessário e perene.

Como teólogo batista, não deixaria de perguntar pelo papel dessas igrejas nesse contexto. É amplamente sabido, como mencionado acima, que a Igreja Católica consentiu abertamente com o sistema escravocrata, e até se fez protagonista do mesmo, possuindo escravos africanos em algumas de suas ordens religiosas. Também é amplamente conhecido o famoso Quebra de Xangô em 1912, ocorrido em Maceió, quando as religiões de matriz africana foram terrivelmente perseguidas e sufocadas pelas autoridades políticas da época, dando origem à tradição do Xangô Rezado Baixo. 

De fato, tenho bastante curiosidade em saber como nosso protestantismo alagoano –, à época, junto com o protestantismo em todo Brasil, fervoroso defensor da liberdade religiosa promulgada em 1890 –, reagiu ao ver sufocadas as expressões de religiosidade africana neste estado. Teria o protestantismo alagoano defendido a liberdade de culto do Povo de Xangô, ou teria este corroborado a perseguição e o silenciamento desse povo negro? Se os posicionamentos históricos do protestantismo em Alagoas forem considerados como estáveis, contínuos, e sem muitas alternâncias, responder à questão acima não será muito difícil.

O protestantismo no Brasil é multifacetado. Por isso é preciso deixar claro a quem se está fazendo referência. Neste artigo, nossas perguntas estão relacionadas àquela face do protestantismo brasileiro que vigorou como hegemônica até meados da década de 1980: o protestantismo de missão (onde se encontram os batistas). Em todo o Brasil, a inserção do protestantismo de missão batista fez-se majoritariamente por intermédio das missões norte-americanas na segunda metade do século XIX. Alagoas, no entanto, registra uma peculiaridade em relação aos demais estados da federação. Aqui entre nós, diferentemente de outros lugares, a dependência da intervenção norte-americana permanece até os dias atuais.

Parece seguro dizer que em nenhum outro estado brasileiro mais da metade dos templos batistas tenham sido subsidiados diretamente pelos norte-americanos, como ocorreu em Alagoas. Se estiverem certos aqueles que defendem que as missões protestantes norte-americanas representaram o braço religioso do neocolonialismo no Brasil, em Alagoas ainda estamos numa curiosa relação de submissão neocolonial no campo da religião.

Paulo D. Siepierski defenderia a tese de que a aversão religiosa de cunho cristão às manifestações culturais afro-brasileiras é somente a versão teológica do preconceito milenar direcionados a esses povos. Uma vez que ninguém nega o fato de que tais missões norte-americanas provindas do Cinturão da Bíblia (sul dos Estados Unidos) são profundamente racistas, compete-nos perguntar:

1. Em que medida nosso protestantismo de missão (particularmente o
batista) tem sido um dos bastiões do racismo no estado de Alagoas? A
teologia e a prática das igrejas batistas ajudam a confrontar ou
aprofundar o racismo em nosso estado?

2. Em que medida a teologia e a prática dessas igrejas, assim como de seus
mecanismos de educação, demonizam as expressões da religiosidade
africana em Alagoas?

3. Em que medida nossa ideologia religiosa funciona como força de
contenção diante das expressões da negritude na cultura e na religião?

4. A cultura negra se vê representada em nossos cultos? Caso não, por quê?
5. Que representações sobre o “negro” e o “branco” estão presentes em
nosso discurso religioso? Como esses conteúdos estão presentes na nossa
pedagogia religiosa?

Se as chagas estruturais que afligem por tanto tempo a sociedade alagoana, refletidas nos piores indicadores sociais do Brasil, têm no racismo um companheiro necessário e perene, que contribuição estariam dando as igrejas protestantes à esta sociedade, com o trato que dispensam à cultura e às religiões do povo negro? Que efeitos colaterais nosso preconceito religioso contra a cultura e a religiosidade de matriz africana ajuda a produzir e corroborar em Alagoas?

Eduardo Bastos. Olhando a minha cidade (I)

Olhando a minha cidade (I)
Eduardo Bastos




Este material foi publicado em agosto de 2015 em Campus/O Dia
Infelizmente, danificou-se o arquivo de texto

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