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domingo, 21 de junho de 2020

Elton Elvis Gomes Leão. NAS TEIAS DA PANDEMIA: DE ALAGOAS À AMAZÔNIA


    Devemos este registro ao Professor Amaro Hélio Leite da Silva


NAS TEIAS DA PANDEMIA: DE ALAGOAS À AMAZÔNIA

             Elton Elvis Gomes Leão

              Médico alagoano, residente em Manaus


Era agosto de 1987, estava eu e mais alguns colegas na Pizzaria Sorriso, da esquina da praça Sinimbu com a rua da Praia (Maceió). Havíamos acabado de sair da reitoria da Ufal, onde fomos dar entrada no protocolo para emissão dos diplomas do curso de medicina. Na pizzaria, uma colega estava comentando que num jornal tinha uma matéria sobre contratação de médicos para o interior do Amazonas. Falava das condições e dos benefícios complementares a ser dado pelas prefeituras. Entre brincadeira descompromissada e desejo de aventura, eu e o colega João Rosa decidimos ir. Nosso objetivo era passar dois anos e retornar, fazer residência médica e exercer a profissão em nossas cidades, Arapiraca e Palmeira dos índios.
Chegamos em Manaus no dia 14 de setembro, em pleno verão amazônico. Calor de 40°, umidade abafante. Fomos para um hotel de trânsito do Projeto Rondon que estava dando apoio neste projeto com o governo do Amazonas. Após um mês em Manaus, resolvendo os trâmites e nos adaptando a região, fui para a cidade de São Sebastião do Uatumã, no rio Uatumã; o João foi para Novo Aripuanã, às margens do rio Madeira. Após um ano em São Sebastião, fui para a cidade de Tefé, no rio Solimões (Amazonas), trabalhar na Fundação SESP. Um ano depois, fui trabalhar na Petrobras, numa área nova de petróleo na Amazônia. Hoje, trinta anos depois, estou próximo da aposentadoria.
Minha passagem pela Amazônia foi uma grande experiência. Tudo diferente do que já tinha visto: história, geografia, sociologia, modos de vida, culinária, hábitos, fauna e flora, principalmente no interior. Como chegar nos confins sem estradas? Os grandes rios, os barcos que transportam gente, mercadorias e tudo que se possa imaginar de um canto para outro. Enfrentei a epidemia do cólera no início dos anos 90, tratei pacientes. Fui testemunha deste quadro excepcional que dizimou vidas durante séculos pelo mundo, principalmente os mais pobres.
Recentemente, ganhei um livro sobre o cólera, no século XIX em Alagoas, do amigo Amaro Leite, esposo de minha sobrinha Lucyana. O livro Alagoas nos Tempos do Cólera, do historiador Sávio de Almeida, fala da doença, como chegou, se difundiu e matou pessoas nos povoados e vilas de Alagoas. Do litoral ao sertão, passando pelo agreste, dezenas, centenas e milhares de almas subiram aos céus em decorrência do cólera. Li este livro já neste ano, início de março de 2020, e fiquei estarrecido com os registros. Vilas com duzentas pessoas, onde morriam cem, ou seja, cinquenta por cento da população. Imaginar esse percentual para hoje com a Covid-19 seria uma catástrofe para os nossos dias como foi para àquela época. A taxa hoje de óbitos é de três a seis por cento para os casos confirmados e não para a população total, como foi na epidemia daquele século em nosso estado. Mesmo impactado pela leitura do livro – e já sabendo da epidemia da Covid-19 que assolava parte da China e dava sinais na Europa, principalmente Itália, Espanha, França e Inglaterra –, não imaginei a devastação que esta pandemia do coronavírus iria causar no mundo, não só em termos de saúde, mas na economia, na medicina, na política, na ciência, nos costumes, na religiosidade; enfim, em todos os aspectos da vida, inclusive no Brasil.
Conheci a Covid-19 não só como médico, mas senti na própria pele também como paciente. Adoeci no início da epidemia, acho que estava entre os duzentos primeiros pacientes do Amazonas. Hoje, junho de 2020, o número de casos já ultrapassou os 60 mil, com mais de 2.600 mortes oficiais no Estado. Sofri por mais de vinte dias. Como médico, me esforcei para não ir ao hospital, pois em se tratando de doença nova, pouco se sabia como proceder, ainda mais eu, portador de trombocitopenia (doença que dificulta a coagulação), ter que tomar anticoagulantes para reduzir as consequências de um dos efeitos e principal causa de hospitalização da Covid-19, que são as microcoagulacões pulmonares que levam a quase asfixia dos pacientes.
Essa experiência como paciente, foi relatada para os meus colegas de infância do Colégio Quintela Cavalcante (Arapiraca-AL), como se segue abaixo.
Queridos amigos e amigas do Quintela, a emoção foi grande com as mensagens do vídeo que me enviaram hoje. Alguns de vocês têm me enviado mensagens de apoio, fé e esperança. Estou muito agradecido por tudo. Essa doença é uma maldição que vai levar décadas para se entender e curar as feridas sociais, econômicas e espirituais.
Hoje, estou no 18º dia de doença. Se eu pudesse fazer uma escala de gravidade e dizer onde cheguei, eu diria que entre 0 (sadio) e 10 (óbito), eu diria que cheguei a 5. Aparentemente não grave, mas no conjunto geral um quadro angustiante, desesperador. Dores por todo o corpo, dor de cabeça, em torno dos olhos, irritação de garganta, falta de apetite, desaparecem o olfato e o paladar, você fica prostrado. Seu corpo só pede cama, silêncio e penumbra. No meu caso, graças a Deus não tive tosse, falta de ar ou febre alta nos 10 primeiros dias. Eu achava que depois desses dias eu entraria para cura, engano meu, veio uma fase silenciosa de agressão pulmonar. Comecei a cansar, respiração curta, um pouco de tosse e ainda a prostração. Todos os medicamentos que precisava pedia para as farmácias e tomava em casa. Passei noites e noites sem dormir, me levantava para ir ao banheiro, respirando lentamente, trêmulo; quando voltava, ficava sentado na beira da cama respirando mais profundamente para poder me acalmar e tentar dormir, lembrando que estava há mais de 15 dias dormindo meio sentado, recostado na cabeceira da cama. Dormir na horizontal me sufoca. Algumas vezes, tomei meio comprimido de Lexotan para poder dormir. Quando percebi que meu quadro estava saindo do controle, fui à uma clínica, realizei exame de sangue, Rx de tórax e Tomografia que mostrou indícios de Covid-19, imagem em vidro fosco nas bases dos pulmões. Realizei o teste específico e aguardei o resultado.
Tenho problemas de trombocitopenia há alguns anos. Conversei com minha médica que me acompanha e falei que minhas plaquetas estavam em 52mil, quando o mínimo normal é 150mil. Ela de imediato me prescreveu a medicação indicada para Covid-19, já estava no segundo dia de tratamento. A sensação de prostração e falta de ar diminuíram, estava me alimentando melhor... se Deus quiser com as orações que tenho recebido, o carinho, as mensagens e os medicamentos hei de superar esta tormenta.
Cuidem-se e cuidem dos seus, não paguem para ver como é a doença. Como já afirmei anteriormente, apesar de me classificar numa escala 5 da doença, isso poderia ser banal, mas não é. Há oito dias, eu achava que estava num voo cego noturno. Tudo passava pela minha cabeça, a baixa oxigenação me deprimia. Eu ficava imaginando que mais três dias eu poderia estar entubado pois a evolução pulmonar era rápida, principalmente com minhas plaquetas baixas. Imaginava que se eu morresse não teria nem direito a velório, sairia direto do necrotério para o cemitério. Ainda trabalhando, não estava preparado para entregar os pontos. E minha esposa?... e filhos, ainda em formação.
Há mais de 15 dias não vejo TV, por não poder me concentrar (o ruído) e, principalmente, por ver o destino de milhares de pessoas. Aqui no Amazonas, mais de dez profissionais de saúde já perderam a vida. Ainda não estou curado, ainda não estou seguro se vou ter alguma complicação, mas me sinto melhor que há 5 dias atrás.
Finalmente, gostaria de dizer que se isolem, não liguem para o tédio da rotina, desenvolvam o ócio criativo, se reinventem com as crianças em casa... a vida é bela, é doce e merece ser vivida dentro do que Deus nos programou e não por efeitos de um vírus inconsequente.

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