TEMPOS DE COVID-19
Diógenes Tenório Júnior
Advogado, membro da Academia Alagoana de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas.
No momento em que escrevo este artigo, um
conhecido meu já faleceu em virtude da infecção pelo Coronavírus: Seu Antenor,
pai da minha amiga Nadeje Fidélis de Moraes. Dois outros prezados amigos meus,
ambos octogenários, estão em UTI´s de Maceió, sedados e intubados há mais de três
semanas, lutando bravamente pela vida: Marcello Lavenére Machado, advogado dos
mais brilhantes e ex-presidente nacional da OAB, e o cônego Rubião Lins
Peixoto, sacerdote virtuoso e grande devoto da Virgem Maria. Também os meus
jovens amigos Rafael Brito, Secretário de Estado do Turismo, e Eduardo
Oliveira, vereador em Murici, foram diagnosticados com a doença, e estão recolhidos
em suas residências, cumprindo os protocolos médicos. Não são números frios,
meros dados estatísticos; são pessoas próximas de nós, seres humanos que foram
apartados dos seus afazeres, das suas famílias e dos seus afetos, vitimados por
essa pandemia avassaladora que a cada dia mais nos surpreende, nos amedronta e
nos irmana num só sentimento de estupefação e de fragilidade.
Reclusos em casa, numa quarentena forçada
porque necessária, estamos todos reaprendendo a conviver em família, nós que já estávamos habituados a mal nos vermos
durante a semana, cada qual mergulhado no turbilhão das suas inúmeras
atividades profissionais e sociais. Ouvir músicas há muito silenciadas, reler
livros que desafiavam a poeira e as traças, olhar com mais atenção antigas
fotografias perdidas em velhos álbuns, observar detalhes curiosos de quadros e
esculturas que adornam os nossos lares. Domar a muito custo essa saudade danada
do abraço e do beijo dos nossos parentes e amigos, das conversas animadas em
torno de uma mesa farta, das orações comunitárias nos templos da fé de cada um,
do sair por aí, sem pressa nem destino certo, sorvendo o ar das ruas e estradas
sem medo de contaminação alguma. Vontade imensa de brincar com as crianças no
chão, de rolar na grama com o cachorro estabanado, entre lambidas e mordiscões carinhosos.
Eu, que gosto de gente, sinto falta das conversas com os que me fazem bem, do
aprendizado que usufruo no convívio com as tantas pessoas que sempre têm muito
a me ensinar. Ainda sem vacina descoberta, e com os tratamentos patinando na
fase experimental, valemo-nos das máscaras, do álcool em gel e da água com
sabão, na tentativa esperançosa de que o Covid-19 não nos colha de inopino e
nem nos arraste para a tragédia de um respirador artificial.
Em meio a tudo isso, quando eu chegava a
achar que nada vindo do ser humano poderia mais me surpreender, eis que tenho
as minhas redes sociais abarrotadas, todos os dias, por centenas de mensagens estapafúrdias,
que profetizam o caos e abalam o nosso já fragilizado estado emocional. De uma
hora para outra, uma porção de gente acha que entende tudo de medicina, de
saúde pública, de economia e de política internacional, e se põe a opinar sobre
assuntos que não domina, a divulgar textos apócrifos, a mencionar fontes sem o
menor cuidado de antes verificar a sua veracidade ou não. O sujeito me manda um
vídeo com a chamada: “hospital tal está vazio”, mas não há nenhuma prova de que
aquela filmagem realmente seja do hospital mencionado, nem muito menos de que
tenha sido filmado naquela data; outro me manda uma foto com a legenda: “fulano
entra com ação no Supremo contra beltrano”, contendo apenas um recorte dos
pedidos finais de uma ação qualquer, sem data, sem assinatura e sem o órgão
judicial ao qual teria sido dirigida; um terceiro me afirma que, “de certeza”,
o Covid-19 faz parte da estratégia de uma guerra química mundial pela tomada do
poder – mas de onde provém essa “certeza”, se o remetente da mensagem não
mostra nenhum estudo científico, nenhum documento oficial, nenhum dado concreto
que leve a tal conclusão? Ontem mesmo, recebi em meu celular o recado de um
conhecido, alertando-me para não utilizar, de jeito nenhum, as máscaras que
serão distribuídas pelo Governo do Estado, pois elas seriam adquiridas na
China, propositadamente infectadas, para disseminar o vírus e desestabilizar a
economia do país. Meu Deus do céu! Em tudo enxergam um golpe, uma conspiração,
uma artimanha, como se o mundo estivesse orquestrado para acabar com o Brasil.
E o que eu acho pior: acham-se com preparo técnico-científico para discordar
dos médicos, para questionar entidades sérias e respeitadas como a Organização
Mundial da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz e para sugerir o descumprimento das
recomendações das autoridades sanitárias, embora sejam advogados, agrônomos,
policiais, magistrados, bancários, aposentados, vagabundos e outras coisas mais
– enfim, gente que não é da área da saúde e que não possui conhecimento de
causa sobre tais assuntos, e que faria mais bem à humanidade se guardasse
somente para si as suas elucubrações geniais.
Meu velho avô Zezinho Fogueteiro costumava
repetir: “Só falo do que eu entendo, seu Dioginho”. Para quem pensa que os
ouvidos alheios são privadas, é sempre atual a admoestação de Santo Agostinho,
Doutor da Igreja: “O pior pecado é o que se comete contra o silêncio”.