O povo indígena Jiripankó frente a
pandemia do Covidi-19
Ervison Araújo – Wyrakitã Terê
Presidente
do Conselho Local de Saúde Indígena Jiripankó e Estudante de Pedagogia da
Ufal-Campus sertão
Este trabalho foi coordenado pelo Professor Dr. Amaro Hélio Leite da Silva
Coordenador do Neabi/Ifal
Coordenador do Neabi/Ifal
Depois das epidemias que acometeram e levaram a óbitos muitos
indígenas, ao longo do processo de formação do estado brasileiro, o coronavírus
ou Covidi-19, aparece como mais uma dessas doenças que, infelizmente, vem
atingindo esses povos. O vírus que surgiu em Wuhan, cidade chinesa e se alastrou
de forma rápida pelo mundo, no Brasil o Ministério da Saúde confirmou em 26 de
fevereiro o primeiro caso de coronavírus. Para embasar nossa discussão sobre o
vírus e as comunidades indígenas estendemos o nosso olhar para os dados
apresentados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Os dados informados pela SESAI, em 27 de junho, registram
702 indígenas suspeitos de corona vírus, 5.412 casos confirmados, 3.766 casos
descartados, com cura clínica de 2.626 indígenas e lamentavelmente 132 óbitos.
O Ministério da Saúde semanalmente divulga, por meio da
(SESAI), um informe epidemiológico que visa não apenas apresentar números
disponíveis sobre a COVIDI-19, atendidos pelo Sistema de Atenção à Saúde Indígena
(SASISUS), mas também propiciar uma interpretação da situação epidemiológica
por Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).
Assim, como a SESAI divulga dados sobre o avanço do vírus
nas aldeias, observamos a real situação da propagação do vírus que adentra as
comunidades indígenas do estado de Alagoas e Sergipe no boletim epidemiológico
disponibilizado pelo DSEI.
Segundo o boletim epidemiológico do DSEI-AL/SE, até o último
26 de junho, o povo indígena Jiripankó apresenta hoje três casos de Covid-19
confirmados e quatro indígenas suspeitos. Vale salientar que são dados que
podem ser atualizados periodicamente em ordem crescente ou decrescente de
acordo com a confirmação de casos.
O DSEI-AL/SE, juntamente com o Conselho Nacional de Saúde Indígena,
vem travando uma grande luta de combate ao novo no corona vírus dentro dos
territórios. A Política de Atenção a Saúde do Povos Indígenas (PNASPI), é uma
das políticas públicas conquistadas por esses povos que tem grande valia no
momento de pandemia que estamos vivendo. Mas cabe refletir que os povos
indígenas encontram dificuldades no fortalecimento dessas políticas que são de
real importância, e colocamos ainda a fragilidade do governo perante a negação
de direitos indígenas. É notória a forma de desgoverno na atual conjuntura.
Observamos que, no início da pandemia, o atual presidente da República via o
vírus como uma simples gripe, colocando impasse na forma de administração do
ministro da saúde, e que fez várias mudanças de comando nesse ministério. O
presidente estaria mais preocupado com a economia do país, do que buscar o
fortalecimento desse ministério para o combate ao vírus no território
brasileiro.
A atenção a saúde dos povos indígenas se encontra numa forma
de cuidados redobrados frente a essa pandemia, e a
SESAI desenvolve um papel importante
na execução do serviço de saúde prestado pela equipe multidisciplinar que atua
na base, ou seja, na aldeia.
O papel do controle social local é de grande importância no
acompanhamento das ações prestadas pelos profissionais de saúde. O conselho
local de saúde do povo Jiripankó, está na linha de frente e vem trabalhando de
forma intensa junto a comunidade indígena no combate, orientação e prevenção
para não propagação do vírus dentro da aldeia. Várias discussões e ações foram
feitas dentro do território indígena Jiripankó, com intuito de prevenir a
entrada e propagação do vírus. A articulação interna frente a essa pandemia é
formada por lideranças indígenas como cacique, pajé e conselheiros locais de
saúde indígena, que vem se reunindo e discutindo junto a equipe de saúde local
estratégias de combate e controle do vírus dentro do território.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que também tem como
responsabilidade monitorar e fiscalizar as terras indígenas faz um papel
importante na parceria com a organização local desse povo, sendo essa parceria
na formação de barreira de bloqueio em algumas entradas do território, com
objetivo de restringir o fluxo de pessoas dentro da aldeia Ouricuri; porém, o
povo Jiripankó é dividido por aldeamentos distintos, sendo a maioria fora do
território demarcado pela FUNAI. O povo Jiripankó possui uma extensão
territorial de 215 hectares em posse dos indígenas, e 1.100.000 hectares ainda
estão em processo de estudo e homologação pela FUNAI para ser demarcados.
A questão da terra
implica nesse processo, quando na possível instalação de barreiras sanitárias, ficam
de fora os indígenas dos aldeamentos de Figueredo, Tabuleiro, Araticum, Serra
do Engenho e Poço d’Areia. A Equipe de
saúde, juntamente ao conselho local, vem trabalhando ações de conscientização
com recurso de mídias, como criação de vinheta informativa, panfletos e faixas
de conscientização. Esse material foi criado com as características do povo, as
ilustrações gráficas são pontos positivos para abstração do repasse da
informação para os indígenas não letrados; a ação e produção do material parte
da equipe de saúde local, dos profissionais indígenas e conselho local de saúde
indígena, que são dados a comunidade.
Alguns fatores como a falta de transportes apropriado para
os casos graves de infecção por Covidi-19, e a quantidade de testes rápidos
fornecidos pelo DSEI-AL/SE, para serem feitos nos indígenas no território são
em quantidades mínimas para testagem em massa dos indígenas suspeitos do vírus,
isso se torna um complicador para sabermos se pacientes que apresentam sintomas
estão ou não com Covidi-19. Um outro
problema que enfrenta a equipe do polo base de saúde Jiripankó e o conselho de
saúde local é justamente a preocupação do grande fluxo de indígenas que saem
para cidades vizinhas, para receber alguns auxílios do governo como o próprio
auxilio emergencial e tantos outros, ou até em busca de serviço de trabalho em
outro Estado, a exemplo de muitos jovens fora do território que estão para
retornar à aldeia. Portanto, devido as variadas formas de contágio do vírus, os
indígenas estariam expostos a contaminação e poderiam trazer para o território
com o risco de se propagar rapidamente.
É importante salientar também sobre a migração dos índios
para outros estados do Brasil que foram em busca de trabalho, e a preocupação
dos familiares indígenas que estão sujeitos ao contágio fora do seu território.
A terra é parte essencial para o povo Jiripankó – que vive ainda do trabalho
roceiro, na plantação de milho, feijão e mandioca – nas poucas terras que tem e
que oferece subsistência para os índios. Por isso, frisamos a importância e a
permanência dos indígenas na sua localidade, e repudiamos o estado omisso nas
políticas públicas para o fortalecimento e desenvolvimento econômico da
produção indígena. A terra é um direito constitucional para os índios, embora
demore anos para ter esse direito garantido e seus territórios demarcados.
Sabemos que cada povo tem sua particularidade, seu modo de
vida próprio e, como era de se esperar, esse o Covidi-19 vem provocando
significativas mudanças na vivência dos Jiripankó.
O vírus não só é uma doença que atinge o corpo físico em si,
mas afeta também o psicológico dos indígenas, pois ficar em casa parece ser
difícil para os índios, estando esses povos acostumados com seu modo de vida
local. Visitar a casa de parentes para
trocas de vivências dentro do território faz parte das, práticas tradicionais,
como fumar campiô em grupo, as rodas de toré no terreiro, a dança dos Praiá, a
festa do menino do rancho, as encantarias do ejucá são pontos que, para meu ver,
enquanto indígena, entristece psicologicamente o fato de sermos privados dessas
práticas, devido a chegada do vírus no país e que, lamentavelmente, adentrou a
essa comunidade.
Hoje, os descendentes de Pankararu, o povo indígena Jiripankó,
que habita as proximidades da serra do Simão e Pajeú no município de Pariconha,
tem seu modo de vida marcado pela pandemia do coronavírus. Desde que ouvimos as
primeiras falas sobre o vírus que assombrava a comunidade, pelo quantitativo de
mortes provocadas por este, isso nos remetia as lembranças do passado, das doenças
epidemiológicas que atingiram e levaram a morte muitos grupos indígenas.
Novamente, estaria de volta uma doença que para a cosmovisão
indígena se mostra oculta, agora já não se trataria de uma gripe comum ou
outros males que o pajé da tribo poderia sarar. A rotina do povo Jiripankó
teria que se adequar aos cuidados orientados pela equipe de saúde indígena
local, imposições nos costumes foram feitas, rituais foram parados, o Praiá não
dança mais, os índios não pisam o toré, o campiô não se compartilha com o
parente, e tantas outras mudanças habituais teria que ser feitas como forma de
prevenção ao vírus. O direito de correr livre como animais na selva, respirar o
ar puro da mata se mostra num olhar de tristeza de um índio Jiripankó, sendo
privado das práticas do seu natural.
Mas, também, é esse um momento onde
a ancestralidade é vivida, e a espiritualidade se fortalece no saber do uso
tradicional das ervas que é usado pelos Jiripankó, para fortalecerem a sua
imunidade contra o vírus. Durante anos a prática tradicional auxilia o nosso
povo nas enfermidades do corpo e da alma. São as força encantadas que nos põe
firmes, mesmo diante de tantas tribulações que nos acometem, e é com essa força
que venceremos, e dizendo que independente de viver ou encantar-se o espírito
guerreiro vive.