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domingo, 27 de setembro de 2020

Luiz Sávio de Almeida. Memória e história: o cinema mudo na Capela de Alagoas

 

 

 

 

 

 

 

Memory of everyday life, Movie theater, Recuerdos cotidianos, Ricordi di tutti i giorni

sábado, 19 de julho de 2014

Memória e história: o cinema mudo na Capela de Alagoas

Capela das Alagoas: o maestro e o cinema mudo


         Hollywood é algo presente em nossa vida, como símbolo do cinema que nos bombardeia desde a época do cinema mudo. Depois passou pelo falado e depois pelo colorido. São três ênfases tecnológicas em nossa vida. Do cinema mudo, restaram-me algumas coisas contadas por meu pai, que me transmitiu o culto por Carlitos. Acho que tenho quase tudo que Carlitos filmou;  vez em quando curto alguma coisa. Lembro das histórias do Cine Ceci na Capela, com o maestro Chico Caetano tocando piano, valsa nas partes tristes, chorinhos nas alegres.



Chico Caetano era músico de primeira, militar ferido em Canudos e tocava no Cine Ceci. Conheci muito a Naná, que morava na linha do trem em uma casinha simpática, aqui em Maceió. Dizem que ela puxava ao pai: alta e magra. Nana trabalhou muito em teatro e era ligada a Os Dyonísios, grupo do Bráulio Leite Júnior. Chico Caetano tinha composições e eu somente conheço uma, que ouvi ser cantada por suas de suas filhas, quando conversávamos em Maceió. Otávio Cabral estava comigo. A letra era a seguinte:

Mamãe tem, papai tem

Todos têm

A barriga empinada.


Muito se contava de Chico Caetano. Meu avô Fausto era o bilheteiro do cinema. Ir ao cinema era uma preparação. Não se ía maloqueiro e nem com a roupa das festas, mas com a roupa para ir para os cantos, arrumado. Me disse papai que teve cinema engraçado: as pessoas levavam suas próprias cadeiras, mas não foi o caso de Capela. Era um salão, cadeiras e a tele; um piano do Chico Caetano. Uma coisa triste, lá vinha o dolente de uma valsa. Uma valsa dolente é coisa que sumiu.  Saudades do Matão é dolente. Acho bonito, viajo quando a escuto e é uma forma de me lembrar de casa, de uma história que tive, como se o passado nunca se acabasse e fosse imediatamente uma situação de agora. Faz pouco, descobri que sou um ser que revive permanentemente. E que as pequenas coisas são senhoras de mim.

tom mix

buck jones

Contam, que Chico Caetano tomou um meio porre e foi ao piano, mais pra lá do que pra cá. Um idílio aparece na tela e a música deveria passar para um vivace, quem sabe um “feroce”, e a cana trazia o Chico Caetano para longe das luzes de Hollywood e espremia contra as pedras do Rio Paraíba.  Veio uma embolada:


Chuleia o besouro, Iaiá

Bem chuleadinho, Iôiô

O besouro avoa, Iaiá

E é bonitinho,  Iôiô.


A plateia caiu na gargalhada, mas o Chico Caetano, veterano de guerra, jamais se perturbaria mantendo a embolada a martelar nas teclas do piano,  o besouro avoando sobre o amor da tela. Acho fantástica esta desconstrução capelense, este ajuste de contas entre os peixes do Paraíba e as estrelas que depois farão a propaganda de sabonete. As meninas do Paraíba tomavam banho de cuia ou tibungavam no Poço do Pai Pedro. O beijo e o besouro chuleado ficaram enlaçados retomando para a Capela, o tempo que Hollywood parecia roubar-lhe.

Mas não foi somente esta façanha, que foi atribuída ao Maestro, antes do cinema falado chegar na Capela, exigindo a atualização do cinema em seu equipamento. Gente da Capela pegava o trem e vinha ouvir o cinema em Maceió. E isso dava o tom da ligação entre o trem e a possibilidade das novidades. Ms o Maestro tinha outra que se contava. Era Semana Santa e em um dos dias foi passada a vida de Cristo. O Maestro esqueceu dos tempos de trevas, entornou umas cinco e lá vai a cena comovente da cruz  sendo levantada e, com ela, o corpo de Cristo. Era o encontro do sagrado da tela com o profano do piano. O Maestro não se conteve e saiu:


Tatu subiu no pau

E na mata ninguém viu!


Isto tudo devia ser mangação, brincadeira de quem não tinha o que fazer. Não importa, contudo, a verdade,  mas o modo como se construía com o humor uma personagem urbana e, com ela, vinha o anedótico e o jocoso desconstruindo valores. Sei que do meio do universo do cinema, ficaram na cabeça de meus pais o Boca Larga, Carlito, Tom Mix, Buck Jones.

Eu gosto do cinema mudo.

ROMARIZ, Antônio. Scenas Rio de São Francisco

San Francisco River, Cascata Paulo Afonso,  Cascada Paulo Afonso,  Paulo Afonso Waterfall,

sábado, 19 de julho de 2014

Rio São Francisco: um texto de 1879

ROMARIZ, Antônio.  Scenas do  Rio de São Francisco


O velho Rio São Francisco

Luiz Sávio de Almeida

        Não há como negar o fascínio que o Rio São Francisco carrega com suas águas.  e não são poucas as horas, as tintas, os escritos que foram dedicados a ele.  Eu estava  pesquisando um antigo jornal que circulava em Alagoas, século XIX, e me deparei com uma crônica extremamente sensível  e escrita sobre ele. Era de autoria de Antônio Romariz. Achei interessante o modo poético como trazia o rio e seus costumes e então resolvi partilhar. O Orbe foi um jornal que começou a circular em Alagoas, no ano de 1879. Saía segunda, quarta e sexta, sendo propriedade de José  Leocádio Ferreira Soares, tendo sua redação situada na Rua da Boa Vista, 55, sendo impresso na Typographia Mercantil, que deveria sr do mesmo proprietário, pois ela tinha sede no mesmo número da antiga Boa Vista..
      Quem ama o Rio São Francisco, irá sentir-se em casa ao palmilhar o texto.
                                                                              http://www.joaodesousalima.com

Scenas  Rio de São Francisco

Antônio Romariz


 ( Ao Sr. Guido Duarte )
 
O Orbe. Maceió. 23 mar. 1879.
 
Opara— chamavam os aborígenes ao rio Francisco.

É um rio magestoso o meu pátrio rio

Quem nâo o conhece, ao menos, pela voz da fama?

A natureza deu-lhe um lugar distincto entre os systemas hydrographicos do ímperio.

A portentosa cachoeira de Paulo Affonso é o ponto luminoso, para onde convergém as vistas de toda a Europa.
Magestoso rio !

Mollemente  espreguiçado sobre o seu leito de areias, estende os braços o gigante do norte, e num estremoso abraço, a' dormece, soluçando beijos de espumas nos braços das cinco provincias que banha. São as suas bellas amantes. Quando a lua cheia derrama sobre a terra as suas amphoças de luz, o rio adormece, corno o somnambulo pela força de vontade do magnetisador; uma boia de prata fluctua nas águas: é a lua que dorme a estremecer no espelho liquido.


O silencio vagueia nos nos ares, no rio e no lago, no prado e no monte; apenas quebrado pelo chorar da mareia nas ribas, pelo cahir das folhas seccas sobre as pedras dos morros, pelo chiar e rangir da voga ou da zinga da canoa, que sobe a corrente, pela cantiga do sertanejo, repassada de  ternura, ungida de melodia, vaga como o pensamento do cantor, que a concebeu; porque muitas vezes o homem
dos sertoes, o cantor d'essas trovas tão nacionaes é  um poeta, rude, é verdade, mas original. A natureza é a sua amante a naturalidade, a sua arte. E, no meio de tudo isso, o cahir das   folhas e a voz do sertanejo despertam os eccos dormentes das serras, nas quebradas.

          De espaço a espaço, as araras gargalham nos morros sobre os ramos dos angicos ou dos mandacarús; a siriema solla uma escala chromatica, tão afinada, do grave ao agudissimo e viceversa, que dir-se-hia uma clarinella tocada por musico exímio.

         
Aquellas serras sào como que exercitos enfileirados, que lhe fazem continência  e lhe velam o dormir.

          Mais abaixo, sobre um penedo, a rainha daquellas águas mira-se enamorada nos chrystaes do rio. E' a noiva d'aquelle sultão que deita a fronte nas Canastras e lava os pés no mar.

          Corramos agora uma cortina sobre esses brilhos da lua.

É uma noite sem estrelas.

O  mar, do sua trompa oceânica  tira sons roucos, como as tempestades o que veem com os ventos tos das procellas morrer-nos aos ouvidos, sete léguas acima da foz, ou antes, expirar no regaço da  rainha daquellas aguas.

Uma toalha negra cobre a superfície do rio.

Para as bandas do sertão, montanhas de nuvens cobrem os ceos, negras, como os demônios da tradiccão.

De quando em vez, uma estrellinha espia por entre uma fresta de nuvem, e dá um beijo de luz no rio que se agita.
O relâmpago abre-se, o ronquejar do trovão rola e rola e uma lingueta de fogo,  tortuosa lambe as negridões.

É o raio que brinca.

O S. Francisco reflete essas imagens com uma fidelidade artislica.

Imagine o leitor uma immensa chapa de prata polida, no
meio das trevas, e allumiada por um incêndio de pólvora, e terá o relâmpago no S. Francisco.

O vento cresce de forca; o rio cava-se; a chuva cahe a
principio do peneira; engrossa-se, e chia sobre os telhados, as calçadas das ruas e sobre o rio e o trovão ribomba: é a harmonia espantosa da trovoada,

Ao fusilar dos relâmpagos, desenham-se as  formas fantásticas, enormes, negras, como a noite mesma: são os morros o as serras d'alem.

No dia seguinte, as  negruras e aos furores da noite sucedem os brilos de um ceo azul, franjado de brancas nuvens e dourado por um sol mais claro. 

As enxurradas passam descendo  as ruas da cidade heroica de uma extremidade á outra, como cachoeiras taes, que impedem o transito publico. 

As trovoadàS são a origem das enchentes. 

O Pajeú e o Moxotó, dois tributários do S. Francisco, recebendo as copiosas águas dos céus, engrossam-se, e as despejam aos pés .do grande senhor,  que principia a entumecer-se.

Depois: as chuvas sempre  a crescer o rio sempre a engrossar,  arrojam-se às suas águas sobre a grande penedia da cachoeira; esta por sua vez salta como um rebanho de alvíssimos liões sobre o grande abismo do baixo S. Francisco e causando, segundo [...] um estrondo que [...] muitas léguas, faz levantar uma nuvem de vapores, tão espessa, que assemelha-se a rolos de fumaça de um grande incêndio. 


Então, o rio rompe as ribanceiras, pula o álveo, e inunda os campos. 

Então, Penedo está com as ruas baixas todas alagadas.

As canoas servem de gondolas venezianas.

Os terrenos adjacentes são um lago-mar!

Agora o prazer das regatas. 

    Escaleres, canoas, jangadas, com as velas pandas, e ornadas de bandeírolas de diversas cores, levam músicos, homens, mulheres...

E partem. Os vivas, os foguetes, a grita de alegria vêm morrer aos ouvidos dos espectadores das margens.

São ãs regatas.

Mais tarde, o prazer para muítos converte-se em desgostos em molestias.

O rio vasou. As sezões, chamadas, tomam o seu lugar... Homem; palidos, mulheres descoradas; a moléstia não escolhe; faz-lhes pagar os banhos nas ruas em noites de luar. . .

Bello espectaculo na verdade o do S. Francisco transbordado I

     Quando se poderá contar com o auxilio do paiz para o impedimento das águas dentro da cidade?

E' interesse publico; será preciso que amadureçam séculos?

O sol entrou em capricórnio. O céu é de fogo, o ar é de fogo, o rio está como que incendiado. A Tabanga, em frente á vila do Traipu, assemelha-se a uma enorme baleia á flor d'agua e aí o calor é abafador.

O rio tem  faíscas electricas á vista.

O sol reclina-se sobre as ^montanhas da margem direita em frente á cidade  heróica, dizendo o ultimo adeus ás águas, aos montes e a cidade.  O rio tem sobre si uma toalha de pedras. O céu iria-se; as nuvens franjadas d’ouro e escarlate vão passando em  caravanas para  o sertão; bandos de aves selvagens descem o rio e somem-se para o mar.


O sol escondeu-se.  A claridade do sol sucede  a claridade da lua. Os ventos suspiram trazendo das vagas [...]

Luiz Sávio de Almeida.O Neuton da Capela e a Maria Furadinha são tesouros do feijão alagoano

 

sábado, 19 de julho de 2014

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Este artigo foi publicado em O Jornal em 14 de setembro de 2007

O  Neuton da Capela e a Maria Furadinha são tesouros do feijão alagoano

Luiz Sávio de Almeida

Não é fácil preparar bom feijão, sustentar a qualidade da comida diária de uma casa. A sua presença e a do arroz montam o trivial de nossa mesa, existindo, inclusive,  para a sua repetida e repetida presença,  uma expressão para a rotina que se faz chatinha: é o mesmo feijão com arroz. A gente já cresce sentindo o cheiro dele e quando é tempo de comida de panela, cuidadosamente ele vai sendo introduzido, por ser pesado e vai ser de absoluta necessidade para a sustança.  Se alguma nutricionista fizer uma pesquisa procurando saber os alimentos que o povo reconhece como forte, sem duvida vai ouvir falar muito de nosso feijão. Para curar a fraqueza, o feijão aparece no receituário: tá fraco das pernas, é preciso comer feijão.
E por ai seguem o de corda, arranco, preto, branco, mulatinho e haja feijão. A beleza de tudo esta na simplicidade;  cada casa tem seu feijão e penso que chegue a ser uma espécie de  impressão digital domiciliar. Como em cada casa existe um tipo de amor, em cada cozinha existe um tipo de feijão. Sei lá  como se pode ter tanto gosto diferente, tanta textura diferente de caldo... O mulatinho pesa em todos os lares, aquele caldo, o marrom, a sopa em potencial. Para mim, o feijão de maior presença publica é o dos pedreiros. Não sei se é a hora em que ele começa a cheirar, mas é como se de imediato o olfato recomendasse o sabor. O cheiro e o gosto assumindo a construção, como se estivessem emoldurados pelo Chico Buarque de Holanda.
Eu não sei se é o cimento, a poeira, o barro, a lata, a lenha... Não sei... Apenas sei que é uma bela hora de almoço. Quando faço amizade com pessoal de alguma construção perto de casa, vez em quando colaboro na comedoria, recebo meu quinhão e tome farinha e pimenta. Mas aqui pertinho da Maceió, existe um restaurante extraordinariamente pedreiro: mesmo feijão, mesmo poder de charque:  a Maria Furadinha, onde se encontra, também, o belo serviço de mesa prestado pela não menos competente Taioba. Seria difícil que o feijão da Maria Furadinha tivesse o poder que tem, sem a Taioba para brilhar em futuro esporte olímpico:  prato à mesa. Ela joga bem. Dois garçons ficam na minha memória: a Taioba e o Pescoço.  Pescoço quando eu pedia uma cachaça, ele colocava outra para ele e saiamos cambaleantes: o freguês e o garçom que se danava a fazer conta errada. Não é o Pescoço do Graci: é outro e talvez por parecer com o do Gracy, a gente chamava assim. A ultima vez que o vi, ele trabalhava na Peixada Pajussara, na esquina do quarteirão em que ficava o Bar das Ostras, lá na Lagoa. Faz é tempo...
Excelência do feijão  é o caldinho do Bar Sem Nome do  Neuton na Capela. Alias, o primo serve o de feijão, galinha e misto, valendo a pena sair de Maceió e deliciar o caldinho em uma rua calma, parece que em frente ao Cartório do primo Cícero Cocó, oitão do Forum e de frente para a Estação do Trem, parada, sem, movimento, com aqueles trilhos vivendo a toa por maldade do destino. Quando o trem chegou na Capela, o povo tinha pena do bicho cansado,  resfolegando de tanto andar e andar. Pois a estação esta ali, confronte o  Neuton.  
É impressionante a limpeza onde o caldo é preparado. Limpo, limpo, limpo... Nem parece que por ali andou galinha ou feijão. Não se vê uma pena, uma semente de tomate, uma queixa do galo marido da galinha. Maria Lopes tinha razão: vale a pena sair de Maceió, ir tomar o caldinho do primo. lsto é bom, ainda de acordo com a Maria Lopes, para quem deseje tomar um deforete, descansar do burburinho.   preciso um cuidado; vai chegando por perto do meio-dia, o primo fecha; não gosta de muita gente e eu entendo: não ha abuso mais chato do que de bêbado e de freguês gritando: eu quero isto e que quero aquilo! Maria Furadinha e o primo Neuton são exímios curadores da cozinha do feijão. Maria Lopes fala da sopa de feijão da Lurdes lá no Cajueiro Grande em Penedo, mas a Maria esquece que a Lurdes já morreu. Coitada, saudades. Foi quem me deu muito pirão de peixe e caldo de piranha quando eu era menino na Rua da Penha em Penedo.




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