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terça-feira, 26 de maio de 2020

Fernando de Jesus Rodrigues. Mercados musicais-dançantes e periferias: trajetórias individuais e de circuitos de diversão em Salvador e Maceió

Mercados musicais-dançantes e periferias: trajetórias individuais e de circuitos de diversão em Salvador e Maceió

Uma palinha! O texto todo está aqui

Mercados musicais-dançantes e periferias: trajetórias individuais e de circuitos de diversão em Salvador e Maceió

Fernando de Jesus Rodrigues

Resumo


A partir das trajetórias de dois personagens – um de uma cena musical em Salvador e outro de Maceió – exploro o curso de diferenciação de suas posições e, assim, desenho aspectos da expansão de circuitos de diversão musical nas “periferias” dessas cidades. Destaco dois problemas: (i) as interpenetrações e tensões entre repertórios de gestos e símbolos e a diferenciação funcional de mercados religioso e diversional e (ii) a relação entre agentes culturais e os empreendimentos marcados por lógicas de poder típicas de mercados ilícitos e altamente criminalizados na construção dos espaços de lutas simbólicas nas “periferias”.
Palavras-chave: mercados culturais, periferias, trajetórias.


Introdução: duas cenas e dois problemas


Observei, anos atrás, um pequeno garoto tocando atabaque no terreiro
de Oxumarê, em Salvador. A vivacidade com que expressava os toques capturou  minha atenção por vários minutos. Mostrando um domínio “quase-natural” dos aguidavis3 ao extrair sons do couro do atabaque em uma cerimônia para o orixá Tempo, o vi passar os instrumentos, sem que a música cessasse, para um ogã--tocador que aparentava ser bem mais velho. Apesar de, naquele período, já ter visto umas duas dezenas de performances de alabês em diferentes terreiros de Salvador, aquele momento foi especialmente importante para reforçar a compreensão de aspecto de um fenômeno exterior ao candomblé que me interessava, qual seja, o crescimento da textura percussiva de matriz afro-baiana na música feita em Salvador a partir dos anos 70, expresso particularmente no sucesso das bandas de axé, nos anos 90, e das bandas de pagode, nos anos 2000.
O aspecto que ganhava nitidez aos meus olhos era a identificação de uma das “fontes” da vigorosa tradição acústico-percussiva soteropolitana assentada sobre uma rede de transmissão intergeracional de gestos e símbolos. No caso, interdependências entre pessoas mais velhas e mais novas em terreiros de candomblé que
estavam no fundamento de organizações sociais de adensados bairros populares de Salvador, mediante as quais foram e ainda são legados toques percussivos. Por diferentes vias, tais práticas haviam sido ressignificadas em expressões com sentido de entretenimento, seja no circuito de carnavais e shows, na indústria fonográfica, seja, ainda, em cerimônias musicais de cultos pentecostais, apropriadas como música “gospel”.
Aponto aqui, especialmente, a transferência de disposições percussivas afro-religiosas – que, até o final dos anos 70, ficaram represadas nas “roças” de candomblé e em diversões de rua em regiões que haviam se urbanizado precariamente – para espaços de divertimento confraternal e semiprofissional “territorializados” em bairros populares, expressos em um circuito de grupos de samba junino. Tal circuito assumiu forma nos anos 80
e foi símbolo de uma nova síntese social em Salvador, formada em torno de complementaridades e conflitos direcionados para a busca de diversão, mediada, de diferentes maneiras, pelo dinheiro. Vários músicos - que ganhariam destaque em bandas de cantores e de conjuntos associados ao rótulo axé, como a Banda Eva, Daniela Mercury, Chiclete com Banana, Araketu e a Timbalada, bem como grupos de pagode, conhecidos também
sob o rótulo swingueira, tais como o Gerasamba (É o tchan!) e o Psirico – sairiam do circuito de grupos de samba junino.
Este, por sua vez, foi o resultado de um desenvolvimento social de diversões associadas ao samba duro, expressão de uma rede de interdependências que gravitava em torno de divertimentos carnavalescos, como os afoxés, cordões, escolas de samba e charangas, principalmente homens e, em torno de famílias-de- -santo, especialmente mulheres. Ao buscar uma compreensão sobre esses eventos, notei como as interdependências humanas
que tinham funções religiosas e diversionais pareciam importantes para compreender as direções da diferenciação do entretenimento musical-dançante em Salvador e seu papel político e econômico na direção das tramas de poder mais abrangentes da cidade.
Ao morar em Maceió, estava familiarizado com as lógicas de bailes em “periferias”, organizados como pequenos, médios ou até mesmo grandes empreendimentos de diversão dançante. Rapidamente, interessei-me pelo fenômeno das discotecas de reggae, especialmente os bailes conduzidos por DJs. Nesse circuito, vi fenômenos homólogos aos que tinha observado em Salvador e Belém (Rodrigues, 2011). Em Maceió, a cena era mais
modesta e pobre do que nas anteriores, mas lá pude me demorar na compreensão de alguns condicionamentos econômicos da acumulação capitalista que estavam na raiz do sucesso de vários desses empreendimentos. Ao tentar construir a trajetória de Gran-Valter4, um dos principais renovadores do negócio de discotecas de reggae em Maceió, atento a fala de diferentes interlocutores, confrontando diferentes percepções. A importância
de sua atuação em mercados informais e ilegais de vales- transportes, drogas, armas, serviços de cobrança e proteção é notável. Os relatos expressavam ambivalências pela admiração que sua figura despertava entre os DJs mais jovens e também por mágoas e medos do exercício de seu poder na luta contra  adversários, expressa por pessoas que, em algum momento, teriam sofrido usurpações de Gran-Valter. Segundo depoimentos obtidos, ele teve de sair de Maceió após ter sofrido um “atentado”, levando muitos tiros. O esforço para assassiná-lo estaria
relacionado a uma rivalidade desencadeada a partir do que anteriormente teria sido uma parceria e uma amizade com um importante personagem da polícia militar de Alagoas. Sob a sombra dessa amizade ou parceria, Gran-Valter teria expandido sua atuação no mercado de drogas, como a maconha, e atuado em grupos de extermínio, auxiliando as pretensões de moradores e setores policiais de pôr fim aos “maloqueiros” em bairros sob sua influência. Aí  staria uma das raízes do dinheiro e das redes de proteção que auxiliariam a expansão, não sem conflitos, e elevadas tensões ambivalentes do que se tornaria a principal Radiola de Reggae de Maceió ao longo de quase duas décadas.
Quando posicionei tal trajetória com a de outras três dezenas de interlocutores que entrevistei em Maceió, também ligados ao circuito de bailes de reggae, grupos de rap ou mesmo a conjuntos de bois-bumbá, vi-me pressionado a lidar com o problema de que as trajetórias ocupacionais de crianças e adolescentes
oriundos de “periferias” - que viriam a ser reconhecidos como agentes artístico-diversionais - estavam altamente constrangidas pela busca de dinheiro, prestígio e sobrevivência em mercados ilícitos e altamente criminalizados (Misse, 2005; Telles, 2012) como o de drogas, armas e mercadorias roubadas. As fronteiras entre o reconhecimento como trabalhador da diversão e como “maloqueiro” eram, em determinados espaços, pouco nítidas, ao mesmo tempo em que há fortes sinais de que a ampliação de tais circuitos de apresentações nas periferias tem pressionado a rediscussão das fronteiras morais entre as ocupações econômicas conspícuas e não conspícuas em espaços públicos na cidade.
Nesses parágrafos iniciais, busquei ressaltar dois problemas sociológicos – que percebi no diálogo com o material
de campo – relacionados à expansão de mercados culturais em “periferias” de diferentes cidades brasileiras a partir de dois fenômenos distintos, mas aproximados pela identificação de relacionarem-se com circuitos de diversão musical-dançante.

Trato, especificamente, (i) das interpenetrações e tensões entre repertórios de gestos e símbolos e a diferenciação funcional de linguagens expressas em dinâmicas concorrenciais entre o quepoderíamos nomear como mercados religioso e diversional nas “periferias”; (ii) da necessidade de incluir a relação entre as posições  de produtores, distribuidores e consumidores culturais e os empreendimentos marcados por lógicas de poder típicas de mercados ilícitos e altamente criminalizados na construção dos espaços sociais e de lutas simbólicas nas “periferias”, atentando-se para as mútuas interferências entre tradições de agressividade e formação de mercados de dinheiro e de crenças.

Fernando Rodrigues. “CORRO COM O PCC”, “CORRO COM O CV”, “SOU DO CRIME” Facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas

“CORRO COM O PCC”, “CORRO COM O CV”, “SOU DO CRIME” Facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas

Professor Dr. Fernando Rodrigues


Nosso blog divulga trabalhos do Professor Fernando Rodrigues sobre a periferia de Maceió. 
Lei uma palinha e vá depois para o link abaixo indicado.

Revista Brasileira de Ciências Sociais

Print version ISSN 0102-6909On-line version ISSN 1806-9053

Rev. bras. Ci. Soc. vol.35 no.102 São Paulo  2020  Epub Apr 17, 2020


link: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092020000100515

Introdução


Neste artigo, trato de mudanças expressas em sensos de grupo e de regulação de conflitos entre jovens criados em periferias urbanas alagoanas, ligados a mercados de drogas e mercadorias ilegais. A partir de pesquisa de campo e interlocuções em quebradas e no sistema socioeducativo, discuto a alteração de códigos de justiça no mundo do crime durante os últimos 20 anos em Alagoas, centrando-me em Maceió.

Abordo o surgimento e o cultivo de um senso de aliança às facções PCC e CV1 e como tais fenômenos têm se mostrado interdependentes de transformações em mercados ilegais e políticas de segurança pública. Ademais, trato como a crescente polarização entre sentimentos de defesa e afeição aos símbolos PCC e CV em Alagoas pressionou a demarcação de uma terceira zona de posição não faccional, referida e autorreferida como “do crime”2.
Inicialmente, proponho um desenho parcial a partir do qual se pode compreender as mudanças no sistema socioeducativo alagoano e o papel das facções em seu funcionamento. Em seguida, trato das mudanças nos padrões de agressividade desses adolescentes, relacionando expressões êmicas, padrões de canalização das agressividades e prestígio no mundo do crime. Tomo como marcador de anterioridade e posterioridade o período das pressões vindas de lideranças do sistema prisional para que os adolescentes no socioeducativo fossem separados por indicação de simpatia às facções, expressas nas ideias de “correr com o PCC ou com o CV”3. Isso começou por volta de 2014, mas foi sedimentado como referência de governo do sistema socioeducativo em finais de 2016.

Aponto como, em um período anterior, padrões de agressividade embutidos em termos nativos como “ser sujeito-homem” e “cabra-homem” estavam entrelaçados a uma figuração mais descentralizada da distribuição do poder criminal. Assinalo que, posteriormente, o encarceramento de jovens crescentemente ligados às facções alterou os equilíbrios de poder entre os adolescentes no socioeducativo, reduzindo relativamente os gradientes de descentralização da regulação dos conflitos daqueles envolvidos no crime.

Entretanto, encontrei um processo distinto daqueles estudados em estados como São Paulo e Rio de Janeiro (Barbosa, 1998Feltran, 2012Hirata e Grillo, 2017Willis, 2015), mas estreitamente dependente deles. A adoção e reelaboração de práticas de regulação de conflitos entre ladrões e traficantes vindas de cadeias e favelas do Rio de janeiro e São Paulo, como tribunais informais mediados por pessoas não diretamente envolvidas nos conflitos – e também expressas em termos tornados nativos como “buscar saber a caminhada”, “resolver da melhor forma”, “esperar vir o resumo” –, pressionaram a uma transformação nas balanças de poder entre grupos e, consequentemente, na figuração dos mercados ilegais em periferias urbanas de Maceió (Rodrigues, 2019).

Se, por um lado, parece ter aumentado a percepção de que diferentes tipos de conflitos e assassinatos entre traficantes e ladrões sofreram maiores pressões de regulação por lideranças e redes faccionalizadas, de outro a polarização entre as alianças PCC e CV e as disputas por zonas cujas lideranças se anunciavam como não envolvidas desencadearam um novo redirecionamento das agressividades letais. Nesse contexto, aumentou-se a impressão de guerra “na cidade”, e não apenas em bairros, ruas ou quebradas, homóloga aos movimentos que se desenrolavam em escala nacional (Candotti, Cunha e Siqueira, 2017Melo e Rodrigues, 2017) e transnacional.

Manso e Dias (2018) destacam que entre 2013 e 2014 há uma alteração na intensidade de esforços do PCC para se expandir em diferentes presídios do Brasil, alterando os equilíbrios de força com o CV, coincidente com o aumento de tensões que observei em campo, em Alagoas4. Na mesma senda, desenvolvem-se estratégias para assegurar trânsitos privilegiados de drogas, contrabandos e armas nas fronteiras sul e oeste (Feltran, 2018), aumentando decisivamente as interdependências entre as lutas por poder nos presídios do Nordeste com as dinâmicas criminais nas fronteiras (Hirata, 2015Paiva, 2019b).

Trato dessa transformação por meio de um registro de campo no sistema socioeducativo de Alagoas. A partir de eventos em torno de um assassinato dentro de uma das unidades, aponto como a recente divisão de alojamentos de acordo com a indicação de simpatia a uma das facções e o reforço do poder de adolescentes com fortes alianças ou vínculos faccionais engendraram eventos não intencionados para os administradores do “sistema”. A relutância de muitos jovens em aceitar as lideranças e práticas de regulação faccionais (em muitos sentidos, os que “corriam com PCC e com o CV” adotavam práticas semelhantes, ainda que guardassem significativas diferenças) expôs as tensões no macrocosmo da cidade no microcosmo do sistema de internação. Além da característica de guerra entre os aliados do PCC e do CV, veio à tona o profundo incômodo de muitos adolescentes em colocar os vínculos familiares abaixo do compromisso faccional, aumentando ainda mais a tensão nas personalidades de alguns dos adolescentes e, por conseguinte, nas quebradas. Isso se expressou numa terceira categoria que circulava como identificação de grupos não alinhados ao PCC e ao CV, não unidos sob uma terceira facção, mas abrigados sob a denominação genérica “do crime”.

José Vieira da Cruz* . ENTRE VERDADES, LIBERDADES E ACUSAÇÕES: MAIS UMA GOTA D'ÁGUA



ENTRE VERDADES, LIBERDADES E ACUSAÇÕES: MAIS UMA GOTA D'ÁGUA


José Vieira da Cruz*


Os desafios do presente, ao menos em parte, podem ser melhor compreendidos quando os situamos em relação ao passado e a dinâmica política, social e econômica que os envolvem. Dentro desta perspectiva, os acontecimentos da última sexta-feira, 22 de maio de 2020, sacudiram, para não dizer inundaram, o turbilhão de incertezas do cenário político brasileiro. Desta feita, o desdobrar das tensões está centrado na repercussão de partes do vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril do corrente. A autorização para exibição do vídeo, por Celso de Mello, ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF), é parte dos desdobramentos do processo relativo as denúncias do ex-ministro Sérgio Moura de que o Presidente da República teria praticado crime de responsabilidade ao tentar interferir no comando da Polícia Federal.

Não obstante o impacto das falas divulgadas, menos pelos palavrões e mais pelos conteúdos explicitados, não se sabe ainda a extensão das consequências que o conteúdo dessa reunião terá para o citado processo e para a política nacional. A respeito, persiste nas redes sociais e em protestos de rua – ainda que de modo cada vez mais reduzido, com argumentos frágeis e posturas extremistas –, uma certa base de apoio ao governo, mantida animada e em ritmo de palanque eleitoral.  Esta postura política, não desarmada pós eleições de 2018, mantém em mira as eleições presidenciais de 2022 e tensiona as relações institucionais com o STF, o Congresso Nacional, a imprensa, a oposição e com aqueles que o governo denomina como adversários: críticos, antigos aliados, grupos de esquerda e a oposição em geral. Amparado por essa compreensão e estratégia o atual grupo político que administra o país trata todos que não o apoiam como inimigos internos, o conhecido “nós” contra “eles”.

Faço aqui um parêntese para lembrar de um acontecimento histórico retratado por Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, publicado em 1902. No qual o autor descreve a Guerra de Canudos, embate entre militares contra civis, ocorrido no Sertão da Bahia, entre 1896-1897. O mencionado conflito, após quatro expedições militares, terminou com o massacre de milhares de pessoas que buscavam terra, cidadania e dignidade, mas que na época foram descritos como fanáticos, agitadores e sediciosos. A respeito, uma crônica da carnificina ocorrida no Arraial de Canudos, publicada em um jornal da época, cuja autoria se atribui a Machado de Assis, referiu-se a esse massacre com a significativa frase: “coitados eram brasileiros”. Mas não é preciso recuar tanto no tempo, a morte do menino João Pedro, 14 anos, negro, pobre, morador da periferia do município de São Gonçalo, no Rio Janeiro, assassinado, enquanto brincava com os primos em casa, por uma operação militar, no último 18 de maio, revela mais um contraste do legado de desigualdades herdada pela sociedade brasileira. Na guerra do “nós” contra “eles”, ideologias, símbolos e discursos, em lugar de compreender, podem justificar o ódio, a injustiça e o genocídio, tanto no campo quanto nas cidades. Uma vida é uma vida, e enquanto tal não pode ser banalizada.  Deste modo, sejam jovens ou idosos, ricos ou pobres, moradores de condomínios, favelas ou de ruas, seja por conta de doenças negligenciadas, saturamento do sistema de saúde ou pandemias descontroladas, todo(a)s têm direito à vida.

Neste sentido, é importante compreender que a sociedade brasileira tem enfrentado diferentes conflitos, disputas e antagonismos. Entretanto, reduzir essas tensões a dualidade “nos” contra “eles”, seja em tempos de ditaduras seja em tempos de “incompreensões democráticas”, alimenta o ódio, a violência, o revanchismo e toda forma de embates, como expresso na infeliz frase, dentre outras: “já colocamos uma granada no bolso do inimigo”, proferida na fatídica reunião ministerial em relação aos servidores públicos. Enfim, tratar o outro, o diferente e aquele que diverge como inimigo, é uma solução simplista, antidemocrática, antiliberal, antissocial, bélica e desumana. E, como tem sido frequentemente evocado, por motivos outros, é significativo, em tempos de pós-verdades, o versículo de João 8:32, “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. O problema central é que verdade cada um decide aceitar.

Voltando a reflexão quanto aos impactos suscitados pelo mencionado vídeo, observam-se posições de apoio e de rejeição a seu conteúdo e, sobretudo, dúvidas quanto ao alcance de suas consequências jurídicas, econômicas e políticas. Alguns noticiários e postagens nas redes sociais parecem cautelosos quanto aos efeitos e notam que o referido vídeo revela mais elementos para tensionar o já turbulento cenário sanitário, político e econômico do país. Deste modo, de uma forma ou de outra, o conteúdo da infausta reunião de 22 de abril deve suscitar outras discussões, debates e polêmicas.

Em meio a essa tensão política, o agravamento da pandemia e da crise econômica colocam para a sociedade discussões sobre a dignidade humana, a democracia e soberania nacional. Frente a este panorama os movimentos que a representam a sociedade – políticos, partidos, igrejas, sindicatos, corporações, associações, imprensa, movimentos sociais, coletivos culturais, redes sociais e cidadãos de um modo geral –, precisam ampliar o seu olhar em relação ao Brasil. Uma sociedade organizada, soberana e que se autoavalia precisa de lideranças e de projetos políticos. Mas tantos as lideranças quanto os projetos políticos devem ter como horizontes a dignidade humana, as liberdades democráticas e o desenvolvimento sustentável, ético e socialmente responsável. Evidentemente a realidade nem sempre está próxima do ideal, do desejado e do esperado. E, como sabemos, ela, a realidade, com sua dinâmica, complexidade e ritmo, nem sempre se encaixa nas previsões, projeções e prescrições de dogmas, discursos e teorias. Contudo, afasta-se destes princípios – como a defesa da dignidade humana, da cientificidade, da liberdade e da democracia, já mencionados –, é flertar com a intolerância, com a injustiça social, com o genocídio e com a banalização da vida.

Assim, ao escrever esta reflexão sobre mais uma gota d’água no atual cenário político brasileiro, espero ter reforçado a percepção da necessidade de coesão, solidariedade e altruísmos da sociedade na construção de um projeto em defesa da economia nacional, da ciência, do meio ambiente, da ética, da democracia, da tolerância e da vida. 

* Professor da UFAL, Doutor em História pela UFBA, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e da Academia Alagoana de Educação (ACALE).

Projeto Memória da Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida e José Carlos Silva de Lima
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Nosso objetivo é deixar um painel diversificado sobre a pandemia nas Alagoas

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