COVID
19: qual será a colheita?
José
Carlos da Silva Lima
Mestre em história
pela Universidade Federal de Alagoas, coordenador da Comissão Pastoral da Terra
de Alagoas e membro do Grupo Terra
Muito se tem discutido,
recentemente, acerca da quarentena. Algumas pessoas duvidam da necessidade de
ficar em casa e distantes do convívio social. A realidade é que, de alguma
forma, os planejamentos foram atingidos, impactando o cotidiano das famílias,
das pessoas, dos bairros, das cidades. A agenda pessoal, social, familiar e de
trabalho foi colocada, em parte, em stand-by. É como se tivéssemos coletivamente apertado a
tecla pause.
O principal motivo dessa mudança
radical é um “bichinho invisível e devastador”, que por onde passa deixa o
registro da morte e um rastro de dor e sofrimento. As estatísticas, muitas
vezes frias como a morte, ilustram esse triste quadro, como se pode observar
nas informações disponíveis na página do Ministério da Saúde. Aqui, tomamos
como referencial o dia 19 de abril, quando havia, no mundo, 2.331.099 pessoas
contaminadas e 160.952 mortos; em solo brasileiro, 38.654 pessoas contaminadas
e 2.462 óbitos, com uma taxa de letalidade de 6,4%. No universo alagoano, 159
pessoas estão oficialmente infectadas e 15 morreram.
Apesar do altíssimo número de infectados e de
mortos, da inexistência de um medicamento eficaz na contenção do vírus e da
distância para se chegar a uma vacina, persiste na sociedade brasileira o
dilema da quarentena. Temos, de um lado, o presidente da República, que nega a
ciência e desmerece a força devastadora da Covid-19; do outro, um bloco de
cientistas e países que orientam o uso da quarentena como um mecanismo capaz de
desacelerar a contaminação, evitando o colapso nos hospitais públicos e
privados. Ainda que o presidente tenha externando a sua posição do retorno à
“vida normal”, 80% da população brasileira, conforme pesquisa do Datafolha, é
favorável a punição para quem descumprir as regras da quarentena.
É
evidente que essa maioria entende a quarentena como necessária e temporária. A
quarentena não pode ser vista como uma muralha intransponível ou uma punição;
pelo contrário, deve ser compreendida como uma ponte em construção. Essa
travessia poderá ser demorada, cansativa, dolorida. Mas, sem dúvida, ao seu término,
seremos seres melhores. Essa melhora já é perceptível, já estamos
experimentando. É notório o aumento da prática da solidariedade, da partilha,
do cuidado. A VIDA tem ganho outros contornos, outras cores, outros horizontes.
A
minha experiência de distanciamento social teve início logo após uma bela vivência
com representações das comunidades camponesas da região da Mata e Litoral Norte
de Alagoas, acompanhadas pela Pastoral da Terra. Essa atividade comunitária ocorreu
nos dias 16 e 17 de março, no assentamento Flor do Bosque, em Messias. É
importante informar que esta comunidade é resultado da insistência das famílias
sem-terra que ocuparam aquele imóvel em novembro de 1998 e conquistaram 360
hectares após uma década de luta.
Naqueles
dias falávamos de sementes. Sementes da paixão, da resistência, crioulas.
Sementes camponesas, com memória e ancestralidade. Quando a imagem de uma
semente chega à nossa mente, logo a relacionamos com terra, com água, com
trabalho, germinação, cultivo, cuidado, colheita, com comida na mesa.
Havia
entre os agricultores e agricultoras um clima de esperança em uma boa produção.
Falavam, com a alegria, das sementes que tinham e das chuvas que caíam. O
contentamento se explicava pelas chuvas e pela proximidade do dia de São José,
dia 19 de março, dia de plantar, como reza a tradição camponesa. Nesse período o
milho é o alimento que melhor caracteriza o plantio nas terras de Alagoas.
Milho para comer assado, cozido, na forma de pamonha, de canjica, em tempos
juninos. É assim que o saber popular camponês compreende esse tempo: planta
em São José e come em São João.
Nesses
dias, tenho conversado com camponeses e camponesas, recebido fotos e vídeos do
campo. O entusiasmo continua. O roçado verde é sinônimo de esperança. Do
litoral ao sertão, tudo leva a crer numa boa colheita. Na tentativa de
estabelecer uma relação pessoal com esse universo camponês, tenho me perguntado:
Como preparei a minha terra? Quais sementes selecionei? Como reservei a minha
água? O que estou plantando? Qual e como será a minha colheita? São
questionamentos e inquietações da minha quarentena.
Projeto Memória da
Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
e José Carlos Silva de Lima
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