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terça-feira, 25 de agosto de 2020

Itawi Albuquerque, Retratos da pandemia

 

Retratos da pandemia

Itawi Albuquerque

 – Jornalista

 Costumes e hábitos que eram normais mudaram em poucos dias. Minha agenda de pautas e eventos que já estavam marcados foi cancelada ou adiada, afetando minha situação financeira. Por sorte, tenho um emprego com carteira assinada e pude trabalhar de forma remota. Fiz matérias por meio de videoconferência. O grande problema foi a falta de um horário regrado para trabalhar, o que muitas vezes aumentou a jornada das atividades. Realizei algumas pautas durante esse período sobre o coronavírus em Maceió para um site local, tomando todos os cuidados de segurança.

Lembro que nos primeiros dias do isolamento social eu e minha esposa acompanhávamos os noticiários pela TV e nos sites sobre a situação politica e econômica causada pelo coronavírus. Mas isso estava nos deixando com um misto de sentimentos ruins, frustrações e mais preocupados com a nossa contaminação. Fiquei com os horários das refeições e do sono desajustados. Utilizei muito os serviços de delivery para compras de comida, feira mensal, compras de remédios, etc.

Desejo a cura ou a vacina do coronavírus. Mas, enquanto esse momento não ocorre, é hora de planejar como será esse novo normal.

 

 

A principal avenida de Maceió, a Fernandes Lima, estava irreconhecível. Mesmo em dias de feriados, ou em qualquer outra data, não sei se seria possível fazer fotos com tão pouco movimento de carros

27 de março de 2020 - Fiz umas fotos na orla da Ponta Verde. O dia estava muito bonito, me bateu uma vontade imensa de tomar um banho de mar, mas não era permitido por causa do decreto do governo local. Porém, pude pisar na areia, ouvir o som das ondas e ver como é bela nossa praia vazia. Confesso que retirei a máscara para respirar fundo sem medo de uma contaminação

 



03 de julho de 2020 –  O primeiro dia de reabertura do comércio no Centro de Maceió foi marcado por uma grande presença de pessoas que circulavam sob uso de máscaras (uso obrigatório), barreiras sanitárias para controlar o fluxo e evitar aglomerações. Era possível ver as pessoas formando filas com demarcações de distanciamento em frente às lojas e aferição de temperatura




03 de julho de 2020 – Cliente tem temperatura medida no acesso a loja como medida de prevenção ao coronavírus no centro comercial da cidade de Maceió

 

Quem é

Itawiltanã Camelo de Macena Albuquerque, conhecido como Itawi Albuquerque, é jornalista formado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em 2014. Natural de Maceió, tem 31 anos, é casado e não tem filhos.  Atua como fotojornalista freelancer e atualmente trabalha na Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Alagoas. (Elen Oliveira)


Memória da Pandemia nas Alagoas 


Elen Oliveira 


Quando eu ingressei na Ufal, em 1991, o professor Luiz Savio de Almeida já era uma lenda. Nos corredores do antigo CHLA, hoje ICHCA (Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte), ele se postava a dar conversa a quem se aproximasse com a mesma atenção que dedicava a palestras, mesas de discussão e entrevistas. Entre 2008 e 2009, trabalhamos junto no antigo O Jornal, onde ele propôs a abertura de um espaço dialógico da universidade com a sociedade, por meio da publicação de artigos acadêmicos. Entusiastas do debate e da pluralidade, o então diretor, Gabriel Mousinho, e o então editor-geral, Roberto Tavares,  cederam espaço ao Espaço, nome dado ao suplemento quinzenal publicado entre setembro de 2008 e 2012, quando o veículo foi extinto. À época editora-executiva e de Suplementos, eu editei a publicação até 2009 com Alexsandra Vieira, que era editora do caderno de Cultura, o Dois. Reformulado, tornou-se posteriormente Contexto, no jornal Tribuna Independente, até materializar-se em Campus, o suplemento semanal que é veiculado no jornal O Dia e reproduzido n’o Campus do Savio, o blog de múltiplas falas com o qual colaboro esporadicamente.

 O longo parágrafo de introdução foi escrito para contar como chegamos a Jornalistas e a Pandemia, proposto pelo professor Savio como parte do projeto Memória da Pandemia nas Alagoas, que ele está a construir desde abril e que reúne relatos vindos de representantes dos povos indígenas, artistas, intelectuais e integrantes de áreas diversas sobre o atual momento. Ele propôs, e eu aceitei, que organizássemos uma seção para compor essa construção feita a muitas mãos. “Quero deixar um imenso painel para um pesquisador no futuro”, informa o pesquisador, que há tempos constrói fundamental acervo da memória sobre Alagoas.
 

O blog pode discordar no todo ou em parte do material que publica





 

 



Eline Juvita de Lima. OS POVOS INDÍGENAS E A PANDEMIA

 


OS POVOS INDÍGENAS E A PANDEMIA

Eline Juvita de Lima

Índia Wassu-Cocal

 Historicamente falando, os povos originários desse território denominado por seus colonizadores de “Brasil” tiveram seu processo histórico marcado por constantes episódios cercados de atos de violências e crueldade, dos quais resultaram em consequências devastadoras para esses povos.

Uma história sangrenta, escrita, literalmente, com o sangue de inúmeros “indígenas”, que perderam tudo que consideravam de mais sagrado: Sua liberdade, seu território, seu direito de ter sua própria identidade. O processo de repressão perdurou, desde a invasão do território até os dias atuais, onde a sobrevivência desses povos segue uma trajetória marcada por lutas constantes e batalhas diárias travadas principalmente contra o preconceito e a ganancia instaurada que se apresenta sem limite, em meio a um país extremamente capitalista, onde o lucro e o acúmulo de riqueza são o foco de uma parcela da sociedade detentora do “poder”, que domina o Estado, dita regras e leis que cada vez mais têm desfavorecido os povos originários.

Desde o período da invasão, muitas mortes foram causadas, muitos povos foram dizimados através de massacres e dos inúmeros atos de violência. Outros modos de viver foram impostos. E com os invasores, além do terror que trouxeram com seus atos bárbaros, também causaram o adoecimento de muitos indígenas, através de doenças físicas como gripes, DST, entre outras; também causaram o adoecimento da alma, como a depressão. Muitos perderam a vontade de viver, e, consequentemente, ocorreram ondas de suicídio como forma de fugir da catástrofe que se instalou na vida desses povos.

Seguindo esse processo doloroso, os povos originários foram aprendendo a sobreviver, muitas coisas tiveram que ser mudadas: costumes, línguas, moradia, religião. Novos costumes foram introduzidos.

 Surgiram movimentos, simpatizantes da causa indígena. Algumas politicas foram criadas. Discutiu-se e se aprovou um modelo de atenção a saúde dos povos indígenas cujo conteúdo fala de execução de uma atenção primária com respeito às especificidades de cada povo. Embora, desde sua criação, ainda não seja exercida em sua plenitude, conforme seu conteúdo, a criação da Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas (PENASPI) amenizou a situação de sofrimento no quesito “saúde”.

Então, de repente em um momento no qual se pensa que as questões estão dominadas, que os programas criados e executados são eficazes na redução de danos, na prevenção e promoção da saúde, a ponto de diminuir a mortalidade entre os indígenas... surge uma nova doença, que se espalha por todo mundo e que rapidamente chega à aldeia, e que oferece perigo letal.

O mundo para; o Estado elabora protocolos que implica mais uma vez na mudança de hábito, e começa uma nova guerra, desta vez contra um inimigo silencioso e perigoso, que inesperadamente chegou com a capacidade de provocar mais uma vez o extermínio de vários povos.

É perceptível o conflito de pensamentos, os dilemas vivenciado pelos membros da comunidade, que apesar de vários meses com o mesmo assunto em pauta de discussão, têm presenciado o novo coronavírus  se alastrando rapidamente nos territórios. Apesar de alguns líderes políticos não facilitar nem incentivar a população quanto à necessidade de seguir as medidas de prevenção, contamos com equipes de saúde guerreiras nos territórios, que trava lutas diárias contra a COVID19, executando diversas ações no enfrentamento contra esse inimigo silencioso que já provocou a partida de muitos parentes que transitam no território nacional.

É possível observar que a medida de isolamento tem sido um desafio, pois é uma prática que embora necessária para o momento de pandemia, contradiz tudo que foi defendido até os dias atuais, que é a privação do direito de ir e vir.

Hoje, as aldeias se dividem em situações diversas: de um lado, tem uma parcela do povo que temem a doença, que procura seguir o que está sendo orientado a fazer. Do outro lado, existem aqueles que banalizam a situação, ignoram os riscos e se colocam em uma situação que causa perigo para toda comunidade.

Aguarda-se ansiosamente que a tempestade passe, que se encontre uma cura. Mas no meio disso tudo, existe uma certeza: a vida não será mais a mesma. Só quem passou pelo drama de ver seus parentes adoecendo, correndo risco de morte, quem vivenciou o pavor de ser encaminhado ao hospital, de ficar em quartos sombrios sem ter o direito de vivenciar a agonia na companhia de um rosto familiar, sabe o peso psicológico dessa situação. Não há dor maior do que a perda precoce de um ente querido.

O isolamento social é uma necessidade do momento, mas que tem sido um gargalo, no que se refere a seu cumprimento. Há muitas resistências entre as pessoas notificadas como casos suspeitos e até mesmo entre os casos confirmados. Se percebe também um descaso de muitos representantes de seguimentos da sociedade diante da gravidade que a situação exige. Tais comportamentos favorecem o crescimento dos casos confirmados e do adoecimento de grande parcela da população.

A movimentação no território indígena mudou, um clima tenso foi instaurado. Tudo que se faz tem um misto de incerteza e preocupação. Vários questionamentos têm sido feitos. Pensa-se na execução das atividades cotidianas, nas formas de subsistências. Como sobreviver em meio a uma pandemia? Como praticar os rituais de forma segura? Como viver carregando uma incerteza que não tem hora para acabar? O que realmente é seguro?

Todos esses questionamentos fazem parte do leque de pensamentos complexos que rodeia a cabeça de muitos indígenas, e de outros seguimentos da sociedade. Os povos indígenas fazem parte de um grupo historicamente marginalizado, que tem inúmeras lutas pendentes no que diz respeito a questões territoriais, educacionais e até mesmo de saúde. Povos estes que têm o hábito de lutar pela participação efetiva nas discussões que dizem respeito à construção e efetivação de políticas públicas. Hoje, vivem uma situação que exige uma urgência de ações protetivas; porém os espaços de discussões se encontram praticamente fechados, impossibilitando o avanço em muitas questões. Por mais que existam recursos tecnológicos, a essência dos indígenas está interligada a seus rituais, as grandes reuniões onde reflete a importância de sentir o calor humano, além das praticas de suas danças e rituais de curas que os fortalecem e os fazem sentir parte do que é mais sagrado, onde existe uma ligação direta com a cosmologia, refletidas em crenças que envolvem o sobrenatural. Esses rituais ocorrem em meio a tensão do momento e, muitas vezes, são ainda mais criticados por conta das possíveis consequências que as aglomerações podem causar.

A pandemia impulsionou a utilização de outros veículos de comunicação que interligam algumas pessoas – a exemplo das lives –, mas fica longe das práticas tradicionais e do modelo de discussão utilizados pelos povos.

A aldeia silenciou; a presença de expressões de temor ainda é evidente na face de muitos. Tem sido longos meses de tentativas de adequações a qual a situação exige. São tempos de espera, de incertezas. Muitas questões estão paralisadas, muitas caminhadas estão deixando de ser realizadas por conta da necessidade de conter a propagação da doença, dos temores que ela provoca.

É fato que lidar com o desconhecido é algo que na maioria das vezes apavora, porém, está escrito na trajetória desses povos o constante convívio com situações inusitadas, que sempre exigiram atenção, disciplina e adoção de comportamento que muitas vezes foram decisivas no processo de sobrevivência. Hoje, a situação é complexa, cheia de contravenções. Existem atuações contraditórias entre os próprios governantes, que desarticula e induz processos sociais que vão no sentido contrário as medidas de proteção que o povo deve praticar. Talvez tal ação faça parte de um processo perverso, que tenha o objetivo de extermínio da massa pobre, pois são esses que tem mais dificuldade de acesso aos serviços públicos, em uma situação denominada de “normal”, imagine em um momento de pandemia no qual estamos vivendo. Mais de cem mil pessoas morrendo, dentro desses números, muitos indígenas inseridos. Muitos não tiveram direito sequer a lutar em um leito de UTI, que teve sua luta encerrada sem acesso as todas as possibilidades de tratamento.

Não tem sido dias fáceis, nem para a população, nem tampouco para os profissionais de saúde, que vivem entre a “cruz e a espada”. São muitas mudanças que o momento exige. A cada dia, tem sido colocados novos testes de sobrevivência, e o que serve de motivação é a esperança de que dias melhores virão; que cada um vai transitar livremente por seu território sem ameaças, sem sustos, sem o fantasma dessa doença que tem perseguido e tem feito muitos guerreiros e guerreiras tombarem – inesperadamente – acelerando o curso natural da vida, que é o bem mais precioso que cada ser humano carrega.

 


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