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Viviane na Grota do Pau d'Arco |
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| | | | | | | | Viviane na Grota do Pau d'Arco |
Urbanismo: Maceió: Grota: Pau d'Arco I: 2011
Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto, Tribuna Independente, Maceíó, 13/11/2011
As fotos são de autoria de Viviane Rodrigues e há permissão para a publicação de imagem dos informantes
Um pequeno bilhete sobre Grotas
Segue outra história de grota e histórias de vida. É mais uma
parceria entre Contexto e o Museu Cultura Periférica. As histórias das
grotas se parecem; as histórias de vida dão o tom da singularidade e
demonstram o genérico do processo de empobrecimento gerado pela
organização da sociedade. A história das grotas, como história de
pobreza alagoana passa no mundo negro. Contexto abraça a todo povo amigo
e honrado da Pau d’Arco I.
Uma boa leitura.
Sávio de Almeida
A
história das Grotas do Jacintinho (II)
A
Grota do Pau d’Arco I
Luiz
Sávio de Almeida e Viviane
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Viviane na Grota do Pau d'Arco |
A Grota do Pau d’Arco I é uma das
mais conhecidas do Jacintinho e pode ser vista por quem passa pela Avenida
Afrânio Lages, junto à entrada do Buganville. Pouco se percebe da complexidade
de suas ruas e das características do terreno, demarcado pelo acidente
geográfico que os moradores chamam de o
“buraco”, vala que foi se abrindo e dividindo o território em duas porções, sem que tinham denominações diferentes: há uma
unidade por eles demarcada, integrando e fazendo o que atualmente é conhecido
como Pau d’Arco I. O buraco foi uma pequena vala, de mais ou menos 50 cm e hoje, está de tal forma alargado que cabe um
carro dentro; um se projetou na sua
fundura e ficou como monumento à incúria governamental. Na Grota existe área de
risco, especialmente, para as casas que vão tendo o terreno comido, justamente,
pelo alargamento do dito cujo buraco.
Ela é das mais antigas do Jacintinho; pessoas que foram entrevistadas, moram ali a
mais de 40 anos e já existia, formada a partir de um sítio de cujo dono não se
tem notícia. Consta que era área desocupada e as pessoas foram chegando e
construindo suas casas. Há uma coincidência profunda com a história da Grota da
Bananeira. Ambas derivam de um sítio, embora a forma de aquisição de terreno
tenha sido diferente, pois a Bananeira tinha dono em um de seus lados, o que
fica voltado para o Reginaldo.
A
Grota do Pau d’Arco I fica no final da
Rua Santa Luzia, onde se localiza o Quilombo, que teima em sobreviver e
conseguirá. Nós podemos dividir a Grota
em duas porções: a da Praça e a posterior em destino ao Reginaldo. Na altura da
Praça, parece estarem as melhores construções e é a parte mais antiga da
região. O Pau d’Arco I tem, portanto, desnível interno de condições de moradia,
embora que não se pode falar de diferença de renda. A direção do Reginaldo tem
casas em piores condições, mas isto não diferencia pela renda, parecendo que
houve mais tempo de investimento nas residências da outra porção.
Sua posição característica leva a
que não se articule com outra Grota, em termos de divisa, desde que seu acesso
é o Reginaldo e a noroeste se encontra a Avenida Afrânio Lages. A leste,
correspondendo à subida da Santa Luzia, fica a Coronel Paranhos, a grande linha
divisória do Jacintinho. O Pau d’Arco tem seu nome derivado de uma árvore que
existia na região e que ficava na subida que vai dar na Afrânio Lages, área
ainda hoje de baixa ocupação, pois a Grota começou a estruturar-se entre a vala
e a Praça e ali adensou suas construções.
No fundo, ao tratarmos da história
das grotas, especialmente verificada a partir das histórias de vida, nós encontramos
o que vamos chamar de um padrão de
ocupação e uma variação no que há de pessoal. Os processos biográficos são
diferentes, mas o social tende a se repetir, pois é uma história, na verdade,
que se faz entre uma pobreza a sobreviver e o poderio econômico urbano. Assim,
por exemplo, a história do Pau d’Arco I se interliga à da Bananeira na questão da
conquista de serviços pela comunidade.
Eis
um traço das Grotas que aparece em todos os depoimentos: a tentativa de cerco
ao poder para a conquista do mínimo de serviços: o que seria trivial aparece na
história construída sobre o lugar e pelo lugar, como feito praticamente
resultante de batalhas, de constância no pleito. É assim que surge a água, a
luz. É como se os depoimentos ao falarem do coletivo estivessem demonstrando e
acentuando os serviços públicos como sinal evidente da marginalização do
território no contexto urbano, gerando a movimentação em busca de solicitações
ao poder, Isto significa que a grota pelos depoimentos, entende que a
marginalização urbana do território requer, para ser vencida, atitudes
cooperativas e busca de representação política de seus interesses pela
instituição de entidades que, via de regra, fracassam.
Como em toda e qualquer Grota, os
moradores têm que traçar estratégias de sobrevivência e nelas, é possível, que
o considerado legal pelo sistema não seja por eles entendido desta forma. Na
verdade, o sistema manipula condições. Um exemplo está nos chamados gatos. A
comunidade vem pleiteando a regularização do fornecimento de energia elétrica:
não há uma resposta aos abaixo assinados, às solicitações, segundo é reclamado.
No fundo, por uma questão moral, não são os moradores que se locupletam da
coisa pública: ela é que é negada a eles que pedem a regularização e neste
sentido, acontecendo o estranhamento jurídico entre um cidadão que precisa e um
estado que nega. Além do mais, até mesmo eles são prejudicados, por não terem
os triviais comprovantes de residência.
A penetração urbana dos evangélicos
demonstra-se nas Grotas. Os crentes formam um grupo identificado nas relações de
vizinhança. A urbanização desigual contém a penetração das Igrejas em um
território que era predominantemente católico e marcado pela presença do Padre
Cícero e do Frei Damião, entes do cotidiano sagrado nordestino e dos pobres
urbanos de Maceió. Em parte, o crescimento acontece em face do vazio dos
serviços católicos, da impossibilidade de se multiplicar centros de agregação,
do mesmo modo como acontece com os protestantes das diversas denominações.
Parece acontecer maior flexibilidade de ação dos evangélicos do que por parte
da Igreja Católica. Talvez uma das razões de perda católica, esteja na
manutenção de solenizações que ficam longe do trivial simples do cotidiano
local.
Sem dúvida, as Grotas do Jacintinho
resultam da forma como a pobreza está
articulada à economia urbana de Maceió. Os dois entrevistados cujas falas
reproduzimos, são oriundos de outras cidades e um deles viveu o que vamos
chamar de périplo urbano, passando por diversos bairros até assentar-se no Pau
d’Arco, enquanto outro teve uma espécie de semi-diáspora familiar, com seus
filhos retirando-se da área e depois regressando ao mesmo nicho de pobreza de
onde se originaram.
A Grota vive o que vamos chamar de
medo do inverno; o que é chuva para eles se traduz em risco de vida; todo
inverno é a possibilidade de problemas sérios, especialmente para os que moram
nas vizinhanças da vala. O infortúnio coletivo divide a Grota em duas grandes
porções: a de maior e a de menor risco no inverno e isto cria uma espécie de
alerta coletivo para com as chuvas, e, possivelmente, interfere na
solidariedade que sempre se pronuncia na desgraça. Por outro lado, o tempo da chuva é de queixa quanto ao mau cheiro, em
face das águas que passam a rolarem na vala.
As falas são dramáticas. Seu Alcides chorou durante toda a entrevista,
revendo a vida que levou e o que passou. Existem, então, vidas-choro e a dele,
sem dúvida é uma delas. Ele vem saído de Pilar, menino de doze anos de idade,
caminhando em cima de um jegue até chegar em Satuba. Depois, foi a pé por
Fernão Velho, até chegar a Jaraguá onde foi conviver com os ratos dos armazéns.
Há, portanto, uma vida-choro a ser respeitada e a leitura deste número de Contexto
requer o senso do outro, algo em profundidade, capaz não de lastimar a sorte,
mas de entender que existe algo errado numa permissibilidade de sofrimento adredemente
montada e arquitetada pela natureza das relações em torno do poder. Na fala de
seu Manoel, identifica-se a natureza política de que sua vida é a de todos e
para todos requer uma visão correta por parte do poder.
Resta ler e sentir que o espaço é
mais do que sua mecânica; ele contém os sentidos de vida e ela, a vida, aparece
como revelação do drama humano que a história jamais poderia esconder ou
esquecer, mas que a historiografia pode tentar. Ao contar suas histórias de vida e a história
do lugar, as pessoas demonstram como desejam aparecer historicamente. A
história de vida ganha, portanto, uma expressiva posição no corpus documental
científico.
A
história urbana de Maceió ao se renovar, tem que partir em busca desses conjuntos considerados marginais que
não foram e nem poderiam ser considerados em clássicos como Craveiro Costa, o
primeiro a nosso ver a transformar a cidade em matéria de análise, fora da
linha almanaquista de Moira, Moura, Espíndola. Aliás, a primeira geografia
médica trabalhada em Alagoas – e que foi dos meados do século XIX –,
possivelmente pela sua ênfase no miasma, traça uma imagem das áreas pobres, o
que não faz Craveiro e nem o Manoel Diégues Júnior que se anexa ao clássico.
Ela,
a pobreza, emerge e começa a ficar clara, em um romance recentemente reeditado
e escrito por Pedro Nolasco Maciel, anterior ao trabalho de Craveiro. Ele
enxerga a distribuição espacial da pobreza que jamais poderia andar pelas
grotas, pois parecem ser fenômenos da década de sessenta do século XX, quando
se dá a intensa urbanização populacional no sentido de deslocamento da
população do campo para Maceió e, nisto, a procura de sítios para a morada por parte dos
empobrecidos advindos. No fundo, a perversa regra da urbanização que
aconteceu, trabalha uma máxima: mora-se onde é possível morar. O que parece
trivial fundamenta o axioma social que leva à formação das grotas, a casa na
cavidade em obediência à topografia e aos critérios sociais que fazem a
rejeição do local por segmentos de renda
mais alta e de melhor situação, portanto, na economia urbana.
Difícil
será entender a grota sem vê-la na
perspectiva da economia política; elas não são um acaso, mas parte de uma
circunstância global de desacerto estrutural da sociedade maceioense. E são os
mesmos critérios que desacertam, aqueles que levam ao preconceito, na
imensa confusão que patrocinam entre pobreza e criminalidade. É como se ali, na
grota, estivessem os detestáveis bandidos, locais da criminalidade. Não é isso.
Uma grota é uma terra de muito suor e de muita decência; não pode ser
confundida com seus bandidos. Se confundir um espaço com seus bandidos, ai de ti Maceió assaz pecaminosa...
Faz tempo, andou em larga evidência, um tipo
de antropologia que tratava de uma questão: a cultura da pobreza. Dela,
metodologicamente, deu boa conta o Oscar Lewis, com poucos livros traduzidos no
Brasil. A sua leitura é fantástica, tanto pela beleza de estilo quanto pela
forma como sonda o mistério das famílias, os encontros e desencontros. Havia,
contudo um problema: o pobre era culpado por ser pobre. A cultura das Grotas pode ser uma cultura da
pobreza, mas muito mais do que isto, é um processo histórico de empobrecimento.
As Grotas são parte deste empobrecimento, do modo como as pessoas são tornadas
pobres.
Este
painel que pretendemos, ao mostrar a singularidade de cada vida demanda que
elas não sejam vistas como fragmentos, mas como interligação; o vazio entre
elas é aparente, todas se implicam não somente por estarem no meio da pobreza
mas por um fato fundamental e simples: são as vozes narrando o empobrecimento
que foi gerado em cada uma história de vida e isto nos permite definir a Grota
de uma forma mais íntima a seu contexto: todas as Grotas são histórias de vida
e elas significam a ideia de espaço. Elas se definem por conter vidas e
estranhamentos no mesmo lugar.
As
mudanças acontecidas na economia urbana de Maceió, parecem confirmar o papel
que vem sendo estereotipado para as Grotas, colocando-as como local
privilegiado da violência e da bandidagem. A montagem urbana foi especializando
o território, restando para os pobres ocuparem as decidas do terreno. Não deve
ser um termo recente, na caracterização das áreas de Maceió, pois, por exemplo,
está consagrada a expressão no texto clássico de memória de Carlos de Gusmão,
aparecido em 1970: Boca da Grota. Nova é a associação que se pretende fazer
entre elas e a criminalidade, mas um passo injusto construído pelo preconceito
que identifica pobreza com marginalidade: nem todos os pobres são marginais. Grota
é um pedaço da cidade igual a toda cidade, menos na sua característica de ser
pobre.
Ao
que tudo indica, elas existem na medida em que a cidade sobe para o que era
chamado de Jacutinga; antes deveriam existir apenas como acidentes físicos e,
somente, depois, é que vão tendo o sentido de um modo específico de viver
Maceió, derivado da urbanização que se acelera e ganha corpo a partir dos anos
60 do século passado. Talvez, então,
seja possível pensar que estamos diante de uma situação cinqüentenária e que,
posteriormente, vai assumindo a condição de hoje, talvez – novamente a
possibilidade – a partir de uns vinte anos de vida da intensa crise urbana de
Maceió, representando uma Alagoas incapaz de suportar o peso do crescimento de
sua população economicamente ativa e colocar Maceió como local de uma acelerada
disputa pelo que não existe efetivamente: posto de trabalho.
Um
pouco da história de vida do Seu
Nasci
em 06 de setembro de 1930, em Manguaba no Pilar. Minha mãe morreu quando eu era
pequeno; tive irmãos de criação. Fugi de
casa com doze anos, sai do Pilar porque não tinha mãe, vim só com um bocado de
matutos que iam passando e pedi “Vocês estão indo para onde?”, “Estamos indo
para Satuba!”, “Pode me dar uma carona no jegue”, “Sim!”. Deram-me, isso faz
muito tempo, minha história é longa.
Cheguei
em Satuba às cinco horas da tarde, de lá fui para Fernão Velho a pé. Caminhando
cheguei em Jaraguá, entrei num armazém para passar a noite e no outro dia
procurar meu rumo, mas acabei ficando por lá. Conheci uma senhora que me ajudou
muito, fiquei dormindo com ratos, morcegos. O filho dessa senhora disse assim
“Mãe, vamos ajudá-lo porque é trabalhador!”. Fiquei lá um tempo, depois chegou
um rapaz e me levou para Ipioca para trabalhar com cal. Andei muito pelo meio
do mundo ajudando os outros e me ajudando.
O
meu trabalho era encher um balaio de pedra e subir uma escada... Deus sempre
comigo! Meu pai e minha mãe sempre foram Deus. Eu não tinha para onde ir, o armazém
era minha casa, dormia no almoxarifado no meio de pá, enxada. Ai chegou a idade
de me apresentar no Exército, era uma fila de cem homens de um lado e cem do
outro; então chegou o tenente e o
capitão , os que iam ficar, ficava, os que não iam para casa, no meu caso o armazém.
Como estava adoentado fiquei internado no hospital do Exército. Quando fiquei
bom o major me chamou “O senhor mora aonde?”, moro na Pajuçara, “Em qual
canto?”, “Em um armazém”.
Trabalhava
de dia e dormia de noite no armazém, depois o dono não queria mais pagar. Eu
reclamei “Dr.º Antônio se não pagar a
gente direitinho vou embora”. Fiquei abusado com ele e pedi as contas. Sai de
lá e fui para a casa de meu irmão em Ipioca, mas tinha indo para São Paulo.
Encontrei um amigo que me chamou para sua casa, não queria ir : “Você têm filhos...”,
não deu certo lá. Daí fui para a casa de uma prima na Garça Torta, Generosa o
nome dela, já morreu.
Estou
desde os doze anos a sofrer, aqui e acolá. Aí arrumei essa menina, estamos
casados há 45 anos, tivemos doze filhos. Quando casei estava com 36 anos e ela
16 anos. Demorei em casar porque estava escolhendo, a obrigação do homem é
namorar muito, namorei muito, e procurar a certa e a honesta. Hoje está difícil
arranjar um casamento fixo.
Quando vim morar aqui já tinha três filhos, os
outros nasceram aqui. Aí em cima tinha uma senhora que dava assistência
(parteira, VCR) muito bem, morava na rua do Arame, irmã Lurdes. Eu trabalhava
na Socôco e morava na casa da minha cunhada lá em cima e que tinha esse terreno,
perguntou se eu não queria morar, perguntei quanto queria e ela cobrou 500
cruzeiros. Paguei.
Isso
tudo aqui era mato, um sítio. Só tinha três casinhas aqui em frente. Aqui
comprei nove paus, arrodeie de lona e zinco. Fiz o barraco de lona, zinco e
tábuas. Depois o pessoal começou a chegar para morar. O povo que veio morar
aqui estava todo espalhado. Trabalhei muito, fazia serrão, trabalhava das cinco
às duas da manhã. Entrava aqui com medo porque a gente tinha que se guardar.
Não
tinha água aqui, íamos para uma cacimba aqui perto com água limpa. Minha mulher
lavava roupa, pegava água para beber. A gente chamava os vizinhos, se reunia
aqui na porta para conseguir o que precisava. Era eu, o Cícero barbeiro
(morreu), a mãe de Teresa (morreu), muita gente já morreu. Hoje temos água e
luz, mas agora tem esse buraco. Não havia esse buraco, eu atravessava. Essa
água que passa que fez o buraco vem dessas ruas de cima. Aqui usava candeeiro
para ter energia, falamos com a esposa do Suruagy e do Major Luís.
O
fato mais alegre que aconteceu aqui é porque a maioria do povo é crente. É um
povo que respeita Deus, que merece nossos maiores elogios. Deus não é menino, é
um Deus, é poderoso! Nós não fazemos nada por ele, mas ele faz tudo por nós.
Minha maior alegria é ele aqui (apontou para o coração, VCR).
Já
teve fatos tristes aqui. Já tive a chance de vender essa casa, mas Deus não
quis. Construí esse barraco, criei doze filhos, morreu dois: um afogado e o
outro mataram. O que mataram foi porque procurou, se não tivesse procurado
estaria vivo como eu.
Aqui
tinha jaqueira, cajueiro, coqueiro. Tinha um pé de Pau d’Arco. Eu viajei e queria
ter trazido um pé de Pau d’Arco, mas não consegui. Grota do Pau d’Arco porque
tinha um Pau d’Arco.
A
prefeitura fez uma escada ali no beco. Os dois presidentes da associação de
moradores que teve aqui não fizeram nada, só souberam embolsar o dinheiro.
Nunca teve escola, nem posto de saúde. Será que esse governador vai fazer? Eu
duvido. O governador trabalha muito pela cidade, mas pela periferia não. Ele
faz pelo recanto, para deixar o “mais ruim” no mesmo lugar: sem nada.
História
de vida do Seu Manoel Henrique
Meu
nome é Manoel Henrique, tenho 51 anos, nasci em São Luís do Quitunde, sai com
dois anos e fui para Matriz de Camaragibe. Com treze anos vim com minha família
toda para Maceió, meu pai construiu uma casinha aqui na Grota do Pau d’Arco.
Meu pai trabalhava de vigilante, depois minha mãe faleceu e deu derrame nele.
Hoje em dia meu pai vive cuidado pelos outros.
Quando
cheguei para morar aqui a gente usava candeeiro com gás, aí foi tempo que
começaram, faziam uma casa, depois outra, subiam no poste para fazer uma
ligação, até hoje ficou por isso mesmo. Cada pessoa que fizer um barraco na
beira do buraco só precisa ir num depósito, comprar 20 ou 30 metros de fio,
paga cinco ou dez reais a um camarada que sobe e liga. Isso porque o governo
nunca se importou com o lugar onde a gente vive.
A
maioria das pessoas que moram aqui veio do interior. Antigamente o buraco
estava mais estreito, então era mais fácil construir. As mulheres trabalhavam
como doméstica, hoje ainda é assim. Trabalham ganhando menos de um salário e os
homens de servente de pedreiro. Quando vim morar aqui não tinha profissão, comecei
a trabalhar de servente, ai pensei que tinha que aprender a profissão de pedreiro.
Se
eu medir essa casa minha só dar seis metros, mas tinha doze. A parede da minha
casa estava na beirada do buraco, vejo a hora de dar uma chuvada e cair a
metade da casa. No inverno nem dorme eu e nem minha esposa.
Esse
esgoto começou ali na rádio 96 FM. Quando vim morar aqui nem uma rua dessa de
cima era asfaltada, tudo de barro. Quando vieram asfaltar as ruas esse buraco
já existia. Cícero Almeida, o prefeito, trabalha em frente ao perigo. Ele nunca
foi um homem para vim aqui olhar o que esta acontecendo. Fizemos uma reunião
para fazer um abaixo assinado, teve cerca de 40 pessoas, para levar a rádio 96 FM
e entregar na hora do programa dele.
Ficou, vai, não vai, de 40 sobrou uns 15 ou 20, então não adianta porque se
todas estão morando no perigo, tem que ir todas.
O
serviço do interior é corte de cana, limpar capim, a minha profissão não bate
com a do interior: pedreiro. Aqui em Maceió para onde me virar trabalho de
pedreiro, faço minha semana, assumo minha casa. Morei dez anos em casa de
aluguel, nunca atrasei na minha vida. Depois parei e pensei, vou comprar um
barraco para morar. Comprei meu barraco na Via Expressa, depois fui morar no
Benedito Bentes, passei sete anos lá. Voltei para o Jacintinho e fui morar numa
vila que minha mãe tinha e esse buraco já estava largo, ninguém podia pular de
um lado para o outro.
Nesse
tempo teve vários prefeitos que, vinham e olhavam, o presidente da associação
também e diziam que no próximo ano ia mudar. Vou dizer uma coisa a senhora: tá
com uma faixa de mais de 30 anos que moro aqui, ai chega um candidato, entra na
minha casa, olha e diz “Seu cadastramento está feito, no ano que vem o senhor
vai sair daqui”. A situação cada dia fica pior e a gente não sai daqui. Minha
casa tem uns seis cadastramentos, tenho casa “garantida” no Benedito Bentes, no
Conjunto Carminha, no Conjunto Sorriso I e II, Eustáquio Gomes e nessa brincadeira
estou aqui até hoje.
Quando
voltei para morar aqui meus filhos eram pequenininhos, hoje tem 16 e 15 anos,
estou vendo a hora deles se casarem e eu
ficar aqui. Eu não tenho condições de sair daqui e comprar uma casinha melhor
em outro lugar, porque ganho apenas o salário. O salário que ganho só dar apara
assumir a casa, tenho meus filhos com 15 e 16 anos, tenho que fazer tudo por
eles, porque o perigo de um filho é nessa idade. Tem que ter o pai e a mãe em
cima deles, senão vai na onda dos outros, ai termina dando prejuízo ao pai e a
mãe. O que ganho é suado, não posso fazer minha casa. Se cair a parede do fundo
vai ter que diminuir a casa, para frente não posso fazer mais porque é caminho.
Isso aqui não é sobre eu, e sim todos.
Os moradores criaram uma associação, só teve dois presidentes. Se
tiver seis ou sete anos é muito. O associado pagava três reais por mês, pagava
para ver a melhoria da grota. Os moradores do Pau d’Arco é quem sabe o que está
passando. A associação daqui vive parada.
Para comprar um barraco dentro do Pau d’Arco tem que pagar R$ 8.000,00 e
viver na beira do buraco. Daqui a pouco ele chega na porta dela e não vai valer
mais nada.
Tinha
um camarada aqui da Associação de Moradores que todo ano quando batia o inverno
chegava a minha porta com 30 ou 40 metros de plástico para revestir a barreira.
Quando estava chovendo “emparava”, mas com dois dias de sol o plástico já se
rasgava porque era fraco. Quando dá uma chuvazinha de duas ou três horas de
relógio pesada a água sobe para mais de dois metros. É uma água fedida, preta,
ninguém agüenta ficar dentro de casa.
O
fato mais triste está com uma faixa de seis anos, estava aqui dormindo, começo
do inverno, a barreira desabou, gritei: “Acorda gente que a casa está caindo!”.
Metade da barreira caiu e os fundos de minha casa. A casa de minha irmã caiu e
ficou na rua. Ela é crente, chegou às igrejas pediu ajuda, os pastores deram o
material e eu tive que construir de novo no mesmo cantinho. Não teve um vereador,
um deputado, um prefeito que dissesse se aqui caiu, não faz mais nesse lugar.
Não
houve mudança aqui, continua do mesmo jeito. Para mim nunca houve nenhum fato
alegre aqui. Cada ano que passa sonho em sair daqui para criar meus filhos, já
tenho 50 anos. Quero deixar meus filhos num cantinho que não tenha problema,
perigo. Eu não quero morrer e sabe que minha mulher e meus filhos ficaram na
beira do perigo. O governador gasta milhões e mais milhões para construir um
viaduto, deveria investir nas grotas.
História
de vida do Seu Manoel
Henrique
Meu
nome é Manoel Henrique, tenho 51 anos, nasci em São Luís do Quitunde, sai com
dois anos e fui para Matriz de Camaragibe. Com treze anos vim com minha família
toda para Maceió, meu pai construiu uma casinha aqui na Grota do Pau d’Arco.
Meu pai trabalhava de vigilante, depois minha mãe faleceu e deu derrame nele.
Hoje em dia meu pai vive cuidado pelos outros.
Quando
cheguei para morar aqui a gente usava candeeiro com gás, aí foi tempo que
começaram, faziam uma casa, depois outra, subiam no poste para fazer uma
ligação, até hoje ficou por isso mesmo. Cada pessoa que fizer um barraco na
beira do buraco só precisa ir num depósito, comprar 20 ou 30 metros de fio,
paga cinco ou dez reais a um camarada que sobe e liga. Isso porque o governo
nunca se importou com o lugar onde a gente vive.
A
maioria das pessoas que moram aqui veio do interior. Antigamente o buraco
estava mais estreito, então era mais fácil construir. As mulheres trabalhavam
como doméstica, hoje ainda é assim. Trabalham ganhando menos de um salário e os
homens de servente de pedreiro. Quando vim morar aqui não tinha profissão, comecei
a trabalhar de servente, ai pensei que tinha que aprender a profissão de pedreiro.
Se
eu medir essa casa minha só dar seis metros, mas tinha doze. A parede da minha
casa estava na beirada do buraco, vejo a hora de dar uma chuvada e cair a
metade da casa. No inverno nem dorme eu e nem minha esposa.
Esse
esgoto começou ali na rádio 96 FM. Quando vim morar aqui nem uma rua dessa de
cima era asfaltada, tudo de barro. Quando vieram asfaltar as ruas esse buraco
já existia. Cícero Almeida, o prefeito, trabalha em frente ao perigo. Ele nunca
foi um homem para vim aqui olhar o que esta acontecendo. Fizemos uma reunião
para fazer um abaixo assinado, teve cerca de 40 pessoas, para levar a rádio 96 FM
e entregar na hora do programa dele.
Ficou, vai, não vai, de 40 sobrou uns 15 ou 20, então não adianta porque se
todas estão morando no perigo, tem que ir todas.
O
serviço do interior é corte de cana, limpar capim, a minha profissão não bate
com a do interior: pedreiro. Aqui em Maceió para onde me virar trabalho de
pedreiro, faço minha semana, assumo minha casa. Morei dez anos em casa de
aluguel, nunca atrasei na minha vida. Depois parei e pensei, vou comprar um
barraco para morar. Comprei meu barraco na Via Expressa, depois fui morar no
Benedito Bentes, passei sete anos lá. Voltei para o Jacintinho e fui morar numa
vila que minha mãe tinha e esse buraco já estava largo, ninguém podia pular de
um lado para o outro.
Nesse
tempo teve vários prefeitos que, vinham e olhavam, o presidente da associação
também e diziam que no próximo ano ia mudar. Vou dizer uma coisa a senhora: tá
com uma faixa de mais de 30 anos que moro aqui, ai chega um candidato, entra na
minha casa, olha e diz “Seu cadastramento está feito, no ano que vem o senhor
vai sair daqui”. A situação cada dia fica pior e a gente não sai daqui. Minha
casa tem uns seis cadastramentos, tenho casa “garantida” no Benedito Bentes, no
Conjunto Carminha, no Conjunto Sorriso I e II, Eustáquio Gomes e nessa brincadeira
estou aqui até hoje.
Quando
voltei para morar aqui meus filhos eram pequenininhos, hoje tem 16 e 15 anos,
estou vendo a hora deles se casarem e eu
ficar aqui. Eu não tenho condições de sair daqui e comprar uma casinha melhor
em outro lugar, porque ganho apenas o salário. O salário que ganho só dar apara
assumir a casa, tenho meus filhos com 15 e 16 anos, tenho que fazer tudo por
eles, porque o perigo de um filho é nessa idade. Tem que ter o pai e a mãe em
cima deles, senão vai na onda dos outros, ai termina dando prejuízo ao pai e a
mãe. O que ganho é suado, não posso fazer minha casa. Se cair a parede do fundo
vai ter que diminuir a casa, para frente não posso fazer mais porque é caminho.
Isso aqui não é sobre eu, e sim todos.
Os moradores criaram uma associação, só teve dois presidentes. Se
tiver seis ou sete anos é muito. O associado pagava três reais por mês, pagava
para ver a melhoria da grota. Os moradores do Pau d’Arco é quem sabe o que está
passando. A associação daqui vive parada.
Para comprar um barraco dentro do Pau d’Arco tem que pagar R$ 8.000,00 e
viver na beira do buraco. Daqui a pouco ele chega na porta dela e não vai valer
mais nada.
Tinha
um camarada aqui da Associação de Moradores que todo ano quando batia o inverno
chegava a minha porta com 30 ou 40 metros de plástico para revestir a barreira.
Quando estava chovendo “emparava”, mas com dois dias de sol o plástico já se
rasgava porque era fraco. Quando dá uma chuvazinha de duas ou três horas de
relógio pesada a água sobe para mais de dois metros. É uma água fedida, preta,
ninguém agüenta ficar dentro de casa.
O
fato mais triste está com uma faixa de seis anos, estava aqui dormindo, começo
do inverno, a barreira desabou, gritei: “Acorda gente que a casa está caindo!”.
Metade da barreira caiu e os fundos de minha casa. A casa de minha irmã caiu e
ficou na rua. Ela é crente, chegou às igrejas pediu ajuda, os pastores deram o
material e eu tive que construir de novo no mesmo cantinho. Não teve um vereador,
um deputado, um prefeito que dissesse se aqui caiu, não faz mais nesse lugar.
Não
houve mudança aqui, continua do mesmo jeito. Para mim nunca houve nenhum fato
alegre aqui. Cada ano que passa sonho em sair daqui para criar meus filhos, já
tenho 50 anos. Quero deixar meus filhos num cantinho que não tenha problema,
perigo. Eu não quero morrer e sabe que minha mulher e meus filhos ficaram na
beira do perigo. O governador gasta milhões e mais milhões para construir um
viaduto, deveria investir nas grotas.