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sexta-feira, 8 de maio de 2020

Arquivo de Campus/O Dia, 10 a 16 de Maio de 2020






Este material não é para leitura e sim para arquivo

Joaquim de Almeida Mariano. Saudade da casa da minha avó. Memória da pandemia nas Alagoas


       

Saudade da casa da minha avó
Joaquim de Almeida Mariano

Dois meses que não vejo meu Rôrrô, Rorró e Tité. Não vejo meu avô Braz também. Rorrô inventou umas cinco músicas comigo, como fez para a minha mãe. Ele cantava para mamãe quando ela era pequena:

Xoxa bunda é um feijão que dá no chão,
essa menina veio do Japão
pra dançá guereiro nas Alagoas.

Tem outra musiquinha que ele fez para mamãe. Rorrô botava uma bacia no chão do box, sentava ela, ele se sentava no chão e  ficavam era tempo cantando outra música que ele inventou e que somente tinha um verso:

Sergipe é uma piscina de pobre!

Ele botou o nome do boneco da mamãe de Torrones e toda vez que passava pelo boneco dizia:

Torrones, Torrones amigo!

Pois é!

Comigo o Rôrrô canta muito para eu dançar; é  uma música e dança que ele inventou chamada Remerciê.  Diz ele que aprendeu com um tal de Rei de França.

Nunca ele chupou laranja que não me desse a metade.

Eu tenho saudade deles, da casa, do homem-aranha, do psi-psi que Rôrrô tem, de escrever no computador dele,  do meu teclado que chamo de abici, onde ele me ensina o alfabeto.

Se eu tenho saudade, avalie Rorró e o Tité.

Dois meses que não vejo: só por telefone.

Domingo, mamãe e eu não vamos ver a Rorró!

Sei que tudo dói no Rôrrô, na Rorró e no Tite. 

Eu digo: Benção Rôrrô!

Ele  responde: Deus te abenço
 cara de boi!



Dois meses, dois meses...

Luiz Sávio de Almeida. Uma notinha sobre o Reverendo Daniel Parish Kidder



Uma notinha sobre o Reverendo Daniel Parish Kidder 
Luiz Sávio de Almeida 

O Reverendo Daniel Parish Kidder 

Até que a morte nos separe 

O Reverendo Daniel Parish Kidder saiu do Rio de Janeiro em direção às províncias do Norte, na sua missão de divulgar a Bíblia. Era metodista e após o falecimento de sua esposa, voltou definitivamente aos Estados Unidos. Nasceu em 1815 e era um jovem em torno de 21 anos de idade vindo assumir posição junto ao campo missionário, ainda aberto, que era o Brasil; isto acontecia praticamente na mesma oportunidade em que se havia formado na Wesleiyan. Ele não vem, de modo especifico, como o missionário que intentará a nucleação e fundar Igrejas, mas realizar trabalho de divulgação da Bíblia. 

Ele passa por Alagoas, mas não pesa no trabalho da institucionalização de a igreja na Província e o seu propósito não poderia ter sido este; a intensa divulgação que fez com suas viagens, o definiu como dos grandes pioneiros a abrirem caminho para o protestantismo no Império e foi, pelo que é de nosso conhecimento, o primeiro a nos dar testemunho sobre acatólicos nas Alagoas, em um livro que depois vai ser associado ao nome do Reverendo Fletcher (presbiteriano) que, com ele, conviveu. Não temos informações sobre outro missionário neste período a passar por aqui, mas há menção em Alencar de que Henry Koster seria um deles[i]. Os caminhos de Kidder, seus passos estão em dois volumes que contém a sistematização de um diário, 

Ele começa – sem domínio da língua – a fazer distribuição de bíblias e dizia ser livro ainda desconhecido no Brasil ; foi incansável em suas andanças pelo Norte e pelo Sul, saindo abalado com a morte da esposa, quando então, escreveu belíssimo texto na oportunidade de sua partida em diretura à terra onde irá novamente casar-se e continuar sua vida ligada à Igreja Metodista; ao partir, escreve pesado de dor e de um sofrimento que pode ser resumido em uma de suas frases curtas e incisivas: “My wife is no more, and my children are orphans!”.[ii]

Kidder será um polígrafo, como se escrever fosse uma atividade a sustentar sua vida de reverendo e sua literatura, se não é de primeira qualidade, é ligada à ideia de verdade que sempre perseguiu em suas produções; em uma delas, parece procurar no olor da ficção, o que para ele era essencial: o verdadeiro. Trata-se de um de seus livros e intitulado Be True[iii], publicado em 1852, portanto, após a febre amarela ter sido impiedosa com sua família. 

Polemizou e trabalhou um tema que muito terá a ver com as disputas religiosas da época: os Jesuítas[iv], organização sempre evidente como se pode dizer em função do texto de Kidder, que faz um inventário das intervenções dos soldados do Papa em diversas áreas geográficas, como se não fosse possível viver sem tê-los em confronto, o que se passava, quiça, também com os maçons. 

O significado e a importância de Kidder 

Pouco se poderia dizer sobre Kidder, que não fosse sobre sua doação ao trabalho de divulgação bíblica e, portanto, como um dos introdutores de uma novidade na vida do Império. Seus passos dedicados à Igreja Metodista – tarefas especialmente no retorno – foram narrados por seu genro. Sua despedida do Brasil foi melancólica e em frase que muitos diriam clichê –reproduzimos no parágrafo anterior – mostrou a solidão perante a Baía da Guanabara. Aliás, seu genro trata de sua volta, em um capítulo intitulado The Sad Return Home, o que livremente poderia ser traduzido como a Tristonha volta ao lar. 

Parece-nos uma situação inusitada: um homem se destinou a andar e a escrever sua história e, consequentemente, a dos outros, enquanto o desconhecido minava a vida, com sua mulher no vexame da febre amarela; depois, seu corpo indo em busca de alojar-se e sendo levado para o Cemitério dos Ingleses, onde poderia ser hospedado por razão do pacto da transferência da Corte e posto, significativamente, em um Tratado Comercial. 

Foi uma despedida – pelo o que nos interessa –, com dois volumes relativos às viagens que fez, onde os olhos curiosos sobre o mundo que ia vendo e descobrindo, iluminavam o cenário com o foco do que nasceria em seu tempo com o sugestivo nome de destino manifesto. The manifest destiny foi um dos componentes ideológicos a fazer abrir-se um campo americano para as missões que se universalizariam como padrão civilizatório, o que não se pode reduzir ao chamado imperialismo, mas que, sem dúvida e de modo especial, o incorpora na rede fundante de um papel de nação para os Estados Unidos. 

O Manisfest destiny 

A pluralidade protestante e evangélica 

O termo protestante é vago especialmente pela elasticidade de indicações; abriga diversidade denominacional e condições históricas; deste modo, existem diversas formas e modos de ser protestante e a palavra induz a que se dê sentido homogêneo a uma situação que se define como heretogênea. No entanto e para o que pretende esta nota, a palavra contém o poder mágico de identificar – mesmo com sua generalização e possivelmente por causa dela – um universo religioso plural que imediatamente aponta para onde se deseja levar um de seus focos essenciais: aquilo que nega a universialidade e a consistência do catolicismo como resposta à salvação. 

O termo protestante instiga a tentar reduzi-lo em sua amplitude, mas a historicidade do sentido direciona o enfoque; sabe-se sobre o que se está falando e tudo chega imediatamente à raiz de Lutero e depois desdobram-se as definições. Há uma discussão em uma dissertação – e portanto numa versão inicial de discussão –, onde se menciona as dificuldades com as palavras protestante e evangélico, sendo interessante o modo como indica o faseamento histórico nelas embutido; o texto é suficiente para nos deixar em alerta quanto à elasticidade, a pluralidade e a historicidade quando, então, e a nosso ver, persiste a ligação direta com a reforma[v]. Isto se encontra mais esquematicamente ligado à academia segundo o aporte de Lima Neto[vi].

[i] ALENCAR,  Gedeon. Protestantismo tupuniquim. São Paulo: Arte Editorial, 2007.
[ii] STROBRIDGE, G. E.  Biography of the Rev.  Daniel Parish Kidder. New York, 1894. https://archive.org/details/biographyofrevda00stro/page/n3.
[iii] KIDDER, Daniel Parish. Be True. A Story for Litlle and Grown-up  Children. By Mrs. Maxwell. New York: Carlton & Phillips, 1852. http://ufdc.ufl.edu/UF00002019/00001/100x
[iv] Kidder, Daniel Parish. The Jesuits : a historical sketch. New-York : Published by Lane & Scott, for the Sunday-school Union of the Methodist Episcopal Church, 1851. https://catalog.hathitrust.org/Record/008409022
[v] MENEZES, Jonathan. As metamorfoses do sagrado no protestantismo brasileiro:  o caso da Igreja Presbiteriana Independente Filadélfia. Londrina (1972-2008). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social, do Centro de Letras e Ciência Humanas, da Universidade Estadual de Londrina – UEL, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em História. Londrina:  Universidade Estadual de Londrina, 2009, p.
[vi] NETO,   Francisco de Paiva Lima. – crer, aprender e sentir  o tripé estratégico para transmissão de visão de mundo do casal
Kalley, na inserção do protestantismo no Brasil no século XIX.  Trabalho de Tese de Doutorado, apresentado ao Programa de Pós Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras –Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Educação Escolar. Araraquara, 2010. 



Luiz Sávio de Almeida. As grandes dívidas e as grandes amizades: Missionário Bill Ellison e Pastor Silas Alexandrino



As grandes dívidas e as grandes amizades: Missionário Bill Ellison e Pastor Silas Alexandrino

                Sempre me interessei sobre a história do protestantismo em Alagoas e sempre, ao longo das pesquisas, fui tomando notas, sem dúvida motivado pela longa experiência que tive junto aos presbiterianos e, por outro lado,  pelos seus inícios em Alagoas.  Minha convivência com os presbiterianos veio de ter sido aluno interno do Colégio XV de Novembro durante três anos. Eu morava em Palmares, Pernambuco, estudava no Ginásio Municipal e meu pai resolveu, sob o argumento de dar-me melhor educação, retirar-me das imensas farras que já começavam  e realizadas com fantásticos amigos daquela cidade inesquecível.
          Sair da farra e da zona (já frequentada) chamada Coreia e ir para uma vida presbiteriana foi uma mudança extraordinária. E logicamente, de um grande choque, dando-me a dificuldade de convivência que me colocou na categoria de mau elemento, muitas vezes suspenso, muitos castigos e tudo dentro de uma ambivalência:  a religião era extremamente respeitada por mim e não a estratificação social do internato, dividida em três categorias: a) candidatos ao ministérios, b) os normais e c) os pecadores altamente pecaminosos. Como disse certa feita um colega da época, nem sequer duvidavam. Atrasaram o relógio que dava  ordens ao cotidiano do Colégio e o quem foi levava logo a Sávio. Eu não era boa peça, mas não era responsável por tudo.
Na verdade eu não valia grande coisa, mas não era tão mau: esqueceram de me converter para me punir.  Aliás, fui praticamente expulso do colégio por algo que nunca cometi. Eu sempre fui o que se chamava de presepeiro, mas nunca de imoralidade, sacanagem. Escreveram uma série de nomes feios nas paredes internas do colégio e disseram que tinha sido eu. Tremenda injustiça: eu estava limpo.  Mas jamais me voltei contra a religião, pelo contrário, pois eu sempre participava atentamente dos cultos e me sentia bem. Não era por ser o XV de Novembro e nem era por ser presbiteriano. A vida em internato tem uma forma opressiva.  E eu era rebelde. Contudo, volto  a afirmar, minha praia era a da molecagem e não a da safadeza.
E aqui vai um pedido de desculpas ao cozinheiro do Colégio: seu Félix, um homem extraordinariamente bom. Ele tinha uma cantina e invariavelmente todos os dias, eu chegava e dizia por dois ou três anos: Seu Coca, me dê um Félix! No princípio, ele olhava espantado mas depois já entregava rindo e eu ficava rindo com ele. Um professor vinha passar um castigo – do tipo escreva mil vezes a frase: Eu sou bom; eu devo prestar atenção às aulas –  e eu dizia: Professor, faço sim, mas só o senhor entrando na fila! Era muita presepada. Pois bem, saí mesmo injustamente, sem a menor queixa,  e tenho saudade do Colégio, mas muito mais da Igreja. Vez em quando, tenho vontade de ir a um culto; eu tenho carinho pela Igreja Presbiteriana; sem dúvida tenho.  Ainda sei de cor, grande parte do antigo hinário com seus corinhos e seus hinos.  Ainda guardo a Bíblia que me deram quando terminei o Ginásio.
Infelizmente, como eu disse, preferiram me punir a me converter. Mas, no meio deste foi-Sávio-quem-fez encontrei pessoas extraordinárias, como a inesquecível Ivonita Guerra, minha professora de Latim e Espanhol. Foi dela que soube que Gallia est divisa omminia in parte  tres  e também a história da Caperucita Roja: Toda Gallia é dividida em três partes e Chapeuzinho Vermelho. Deu atenção, conversava, aconselhava e não recriminava. Jamais a esqueci; morava perto da estação do trem. Era da 1º Igreja de Garanhuns e, infelizmente, faleceu.
Na minha turma havia uma menina, bonita e gente muita fina,   gente do lado de Itabuna,  irmã de Adauto, hoje médico em Salvador, de onde eram mais dois alunos: o Hermes e o Raimundo que faleceu em São Paulo. Hermes era candidato ao ministério e tão moleque  quanto eu, mas nas conveniências de sua bolsa. Eu morria de rir com ele, que chegou a ser companheiro do quarto 11. Comia na minha mesa, como a gente dizia, cujo censor era o Amadeu, de quem não tenho notícia. Ocorreram cenas nesta mesa, que somente um grande cineasta poderia montar.  Hermes sumiu no meio do mundo, nem nas Igrejas de Itabuna consegui informações sobre ele.
Pois bem:  a menina era Zenaide Magalhães, colega de classe, ficava no Internato Feminino, dirigido pela Miss Nancy, missionária, professora de inglês, passou um dever: fazer uma versão  para o inglês e então a turma morria de rir, pois fiz a versão do Buraco do tatu do Luiz Gonzaga e de uma marchinha de carnaval: As águas vão rolar. E ainda por cima, cantei. Zenaide hoje em Salvador, salvadorenha brasileira. Ainda bem, que tem um ponto depois de cantei. Meu melhor amigo no internato é hoje psiquiatra em Londrina, naquela região: Lúcio Araripe Júnior. Ele me disse e tem razão: saímos do internato com o caráter construído. Não era brincadeira. A meta do Lúcio era ler todos os livros da biblioteca do colégio.
No meio disto tudo, aparece Bill Ellison. Sempre esteve comigo e me tratava como uma pessoa a conquistar e não a reprimir. Foi muito importante. Voltou para os Estados Unidos, faleceu de um enfarto fulminante; ensinava matemática em sua universidade de lá. Sempre me ajudou; jamais me repreendeu e sempre aconselhava. Inventou de fazer um jornalzinho do Colégio e me convidou para escrever. Foi meu o primeiro editor que me publicou e o artiguinho era sobre a vida das formigas, pois eu era impressionado com a organização da sociedade de cupins e adjacências. Toda vez que termino um trabalho, sorrio para ele, que está enterrado, vítima de um enfarto fulminante. Voltou para os Estados Unidos, foi ensinar em uma universidade, era matemático e morreu. Parece-se que a esposa ainda é viva, é pastora.
Por fim, eu quero falar de um pastor que foi de extrema importância em minha vida.  Era candidato ao ministério, mas nunca o vi assumindo a postura de Censor. Depois que saiu do XV foi para o  seminário e começou sua carreira. Sempre nos encontrávamos e muitas e muitas vezes saí de Maceió para ouvir um seu conselho e coisa assim. Morreu. Quando pessoa em um amigo, ele sempre aparece com o seu abraço e seu sorriso limpo. Quando me via gritava: Caraaaaaaaaaaaa!
Pois bem,  sem dúvida estas notas não dependem deles, mas giram, também, em torno deles, pois gostaria imensamente de saber o que diriam sobre elas.  Saí do XV de Novembro, sem dúvida uma outra pessoa e como diz o Lúcio Araripe, de fato fomos formados nos embates de viver. Jamais posso deixar de reconhecer como foi importante e nisto penso pelo menos em quatro aspectos: a)  respeito ao pensamento diferente; b)  assumir posição em um coletivo cheio de contradições e c) detestar, como chamávamos, o delator, que sempre terminava levando uma merecida lixa e d) finalmente, o hábito da leitura da Bíblia, pois afinal de contas a Bíblia terminava sendo estudada em classe e o que participei de culto, não foi pouco. Um dia escreverei minhas memórias daquele tempo de internato; seria ele visto por baixo, pelo olhar do moleque e não pelo olhar da lei. Aliás comecei quando andava pelos Estados Unidos e o título foi The Third Culture. Acho que ainda tenho isto e seria um bom começo.

Amaro Hélio Leite da Silva.ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DE ALAGOAS: ETNIA, TRABALHO E GÊNERO




ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DE ALAGOAS:    ETNIA, TRABALHO E GÊNERO

Amaro Hélio Leite da Silva


Por que uma Especialização em História de Alagoas no Ifal?

A primeira graduação em história é relativamente recente em Alagoas, data de 1952, antes mesmo da criação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), em 1961[1]. Entretanto, a pós-graduação é muito recente, tendo como marco os primeiros anos do século XXI, quando a Ufal criou duas pós-graduações Latu sensu (uma em História do Nordeste e a outra em História do Brasil – já extintas) e um mestrado em história em 2012 (um dos mais recentes do país) [2]. Já a Universidade Estadual de Alagoas (Uneal) criou, apenas em 2018, o primeiro curso de Especialização em História do Brasil, no agreste alagoano (no campus Palmeira dos Índios) e, em 2010, o curso de Licenciatura Indígena. Embora essas instituições tenham contribuído, ao longo desses anos, para formação de especialistas na área de história, ainda é grande a carência de instituições formadoras de profissionais pós-graduados em Alagoas, sobretudo no que diz respeito às especificidades sociais, culturais e históricas da nossa formação, em especial, a história de Alagoas. 

Já o Instituto Federal de Alagoas (Ifal), embora tenha surgido do Centro Federal de Educação Tecnológica – voltado apenas para o ensino médio e tecnológico (Cefet) –, quando é criado em 2008, passa a agregar também pesquisa e extensão, tanto no ensino médio-técnico-integrado como no ensino superior. A partir de então, o Ifal criou vários cursos de licenciatura, passando a formar professores nas áreas de humanas, exatas e ciências da natureza. Nesse contexto, a demanda por especialização desses profissionais aumenta muito no estado, sobretudo na área de humanas, tanto dentro como fora do instituto. Daí a importância do curso de Especialização em História de Alagoas, por considerarmos uma base fundamental para os egressos de licenciatura, sobretudo enquanto pós-graduação voltada à nossa formação espacial, étnica e nossas relações produtivas e de gênero; buscando contribuir para uma formação especializada desses profissionais, na prática pedagógica e na pesquisa. 

Um projeto coletivo 

A ideia de uma pós-graduação em História de Alagoas nasce de uma proposta do professor Luiz Sávio de Almeida ao Grupo de Estudo Memória, Tecnologia e Etno-história, do Instituto Federal de Alagoas (Gemteh-Ifal), formado, inicialmente, pelos professores Amaro Hélio Leite da Silva, Daniela Ribeiro de Bulhões Jobim e Maurício dos Santos Correia. Na verdade, o professor Sávio já havia estruturado a proposta em torno das linhas de pesquisa e do seu eixo teórico-metodológico. Coube a nós desenvolvê-la em forma de projeto de curso latu sensu, de acordo com as necessidades do grupo e do Ifal. Para tanto, formamos um comissão de professores especializados na área, dentro e fora do instituto. 

Com o apoio da Coordenação de Ciências Humanas (campus Maceió) formalizamos a Comissão de Construção do Curso de Especialização em História de Alagoas, no ano de 2018, composta por docentes desta coordenação, além de outros campus e de outras instituições de ensino superior. Estes docentes atuam em várias áreas de estudo e pesquisa, a exemplo de história, geografia, sociologia, filosofia, educação, entre outros. Todos especialistas – inclusive com mestrado e/ou doutorado concluídos ou em fase de conclusão – nas suas áreas de atuação e nas disciplinas componentes da grade curricular do curso. 

O projeto de Especialização em História de Alagoas é fruto de um trabalho coletivo, dialógico e participativo de todos os membros da Comissão, embora tenha sua base fundamental na proposta do professor Sávio de Almeida. Neste sentido, construímos uma proposta de pós-graduação latu sensu destinada a profissionais de educação básica (da rede pública estadual e federal), com carga horária de 360h distribuído em oito meses, na modalidade presencial. Ou seja, o curso visa capacitar professores e profissionais da educação a compreender a história de Alagoas, com ênfase em temas ligados a sociedade e a cultura do povo alagoano, a exemplo da afro-brasileira, indígena, periférica e de gênero. 

Para tanto, buscaremos refletir sobre a formação do espaço, da história e da diversidade sociocultural de Alagoas, contribuindo para uma abordagem em história de Alagoas onde se reconheça e se valorize o protagonismo das diversas etnias e grupos periféricos formadores da nossa sociedade e cultura, especialmente indígenas, negras/os, proletárias/os e de gênero. 

Desse modo, a partir de uma proposta pedagógica interdisciplinar no seio das Ciências Humanas, pensamos numa formação de professores para a abordagem qualificada das realidades históricas e contemporâneas do povo alagoano. Nosso propósito é oferecer referenciais conceituais-metodológicos para conhecimento da formação social e histórica de Alagoas, destacando as de temáticas da história e cultura afro-brasileira e indígena, bem como a dos grupos operários e periféricos da realidade alagoana. Desse modo, justificamos nossas linhas de pesquisa em três grandes eixos: 

a) História e cultura dos povos indígenas e afro-brasileiros de Alagoas. 

Entendemos que não há como estudar a história de Alagoas sem passarmos, necessariamente, pela história e cultura afro-brasileira e indígena. As histórias desses povos constituem a base formadora da nossa história e sociedade, mas, paradoxalmente, ainda é pouco conhecida ou tratada numa perspectiva do passado, carregado de estereótipos e preconceitos sociais e culturais; por isso, buscaremos contribuir para superação das concepções eurocêntricas, discriminatórias presentes no senso comum e no próprio espaço da vida acadêmica e escolar. 

Conforme afirmamos em nosso projeto, “Nosso propósito é construir uma linha de pesquisa para o conhecimento da dinâmica histórica e cultural dos índios e negros de Alagoas, seu processo de resistência, sua diversidade, seus ritos e saberes”[3]

b) Trabalho, periferia e sociedade 

O trabalho está na base estruturante da nossa formação econômica, social e cultural, enquanto ação humana que transforma a natureza e a si próprio, sem qualquer determinismo economicista ou qualquer ortodoxia marxista. Daí a necessidade de se estudar o nosso processo histórico de formação a partir do trabalho, analisando suas contradições econômicas e políticas, que levam a marginalização do trabalho assalariado. Ou seja, é uma linha de pesquisa que buscará compreender o processo de estabelecimento das hierarquizações sociais, a valoração da propriedade privada, os juízos de valor da sociedade alagoana ao longo da história e seus reflexos na organização da sociedade atual e na exclusão e resistências periféricas. 

c) Poder, gênero e sociedade 

A sociedade alagoana tem como fundamento de sua organização relações sociais de produção profundamente marcadas pela concentração de renda e de poder nas mãos das famílias tradicionais. Estas foram constituídas a partir da exploração do trabalho escravo, da concentração de terras e de capital, o que deu origem ao poder de mando senhorial exercido pela figura do patriarca – que geralmente era branco, senhor de escravo, de engenho, coronel, grande proprietário – que subjugava todos da “casa grande” e da “senzala”: lavradores, moradores, pobres, índios, negros e mulheres. Esta é a base da nossa formação colonial-capitalista e, consequentemente, das nossas relações sociais e de gênero. 

É por isso, que esta linha de pesquisa terá como objetivo estudar as relações de gênero constitutivas das sociedades humanas, focando o olhar para o formato que elas assumem na sociedade capitalista e seus impactos para a especificidade das relações produtivas e culturais de/em Alagoas. 

Marcos teóricos do curso 

Percebe-se, então, que a história de Alagoas não se fez apenas de grandes fatos e heróis. É uma história que pode e deve ser “vista de baixo”, na perspectiva dos marginalizados pela sociedade e pela escrita. Parafraseando E. P. Thompson, na história oficial de Alagoas essa história emerge como problema que o governo tem de lidar (2001, p. 185). Segundo Sharpe, a “história vista de baixo” significa “compreender o povo no passado à luz de sua própria experiência e suas próprias reações a essa experiência” (1992, p. 42). Nesse sentido, consideramos necessário refletir melhor sobre a historiografia e a história do povo alagoano, destacando sobretudo as relações e o cotidiano do trabalhador, do índio, do negro, da mulher e da periferia – marcado pela resistência política e cultural, além das relações de gênero desiguais. Para tanto, estamos propondo o curso de especialização em história de Alagoas. 

No livro Memórias das Ciências Sociais em Alagoas, já chamávamos atenção para o silêncio criado pelos clássicos da historiografia alagoana, que negavam qualquer protagonismo indígena na construção da nossa história. O índio era considerado primitivo, selvagem, parte de um passado distante. Alguns até o concebia, muitas vezes, “como matriz de nossa cultura, mas encoberto pelas ruínas das aldeias (extintas oficialmente pelo decreto de 1872); ou igaçabado nas guerras de conquistas dos ‘homens bons’ (do poder local); ou desaparecido completamente no processo de ‘integração’ ao mundo do branco” (SILVA, 2018, p. 24-25). 

Esta mesma postura ocorreu com relação a história afro-brasileira em Alagoas, considerada apenas objeto de estudos e curiosidade dos folcloristas. A historiografia alagoana se limitava apenas aos estudos da escravidão e da resistência quilombola – como parte de um passado colonial e selvagem que deveria ser superado. As manifestações afro-brasileira eram tomadas como sobrevivência desse passado. 

Embora a historiografia oficial manipule, silencie ou, simplesmente, acabe com as nossas raízes populares e étnicas, a sua história está ligada ao tipo de sociedade que é formada em Alagoas. A escrita da história de Alagoas não pode ser dissociada do lugar e contexto de sua produção. No caso da historiografia alagoana, ela nasce do poder e é escrita pelos seus representantes, os homens bons (ALMEIDA, 2004, p. 11). Em 1872, a Revista do Instituto Archelogico e Geographico Alagoano – que depois se transformaria em Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas – inicia o seu primeiro número chamando atenção para “as coisas do passado, memória de suas grandezas e justiça da gente de sua terra”[4], que por serem atos de “grandezas” e “justiça” não poderia ser a “gente das matas”, e sim a “gente do poder”. Essa revista funda uma tradição historiográfica que se mantém hegemônica até a década de setenta do século XX. Ela constrói a imagem de uma sociedade ideal, que não precisa das “gentes” indígenas, negras e pobres para existir.A sociedade senhorial das Alagoas tinha a necessidade de contar os seus feitos e amarrá-los a um modo de saber pretensamente “científico” e “verdadeiro”, a história. Segundo Maciel, esta forma de escrita marca a escrita do passado, que necessariamente vai falar do grande jogo de poder das elites, e que jamais pode ser ameaçado pelas formas alternativas de poder e saber do povo (MACIEL, 2004, p. 25-26). 

Reafirmamos aqui a proposta do projeto do curso, pois acreditamos que possa “estimular os novos campos de pesquisa em história de Alagoas, fazendo com que os alunos conheçam as bases econômicas, sociais, culturais e étnicas da nossa formação histórica”[5]. Desse modo, estimulamos a curiosidade do estudo das ciências humanas – à pesquisa – contribuindo para aprimoramento e qualidade dos profissionais em educação e dos cursos do próprio Ifal, tanto no nível técnico integrado, quanto nas Licenciaturas. Enfim, é uma proposta que visa ir além daquelas já proposta nos projetos pedagógicos dos cursos de pós-graduação em história existentes no estado, apontando para um outro campo de conhecimento e atuação pedagógica, no âmbito da historiografia alagoana. 

Neste sentido, concordamos com Dirceu Lindoso quando afirma que a escrita cumpre um papel fundamental na construção da sociedade. Símbolo da violência, a escrita transforma os “cárceres da vida em cárceres do texto” (LINDOSO, 2005, p. 34). Isto significa dizer que os silêncios da historiografia oficial de Alagoas ou sua conotação ideológica senhorial contribuem para a imagem de uma sociedade excludente e violenta, construindo uma escrita que – desde a Guerra dos Cabanos (1831-1835) e o estabelecimento do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (1872) – passou a excluir as “sociedades alternativas” ou “rebeldes” da história oficial, estabelecendo a diferença social entre aqueles que tem o poder de mando (e escrita da história) e os outros que tem o poder da resistência (LINDOSO, 2005, p. 48-49). 

A ruptura com essa tradição historiográfica veio com os historiadores da Cabanada. Em A Guerra dos Cabanos, Manuel Correia de Andrade foi o primeiro a chamar atenção para a necessidade de estudo sobre a gente cabana de Alagoas e Pernambuco. Destacando protagonismo político dos cabanos, ele afirma que este movimento foi visto, durante muitos anos, “como revolta de bandido, de escravos fugidos do cativeiro e olvidada pelos estudiosos” (ANDRADE, 2008, p. 20). Este destaque é dado também por Décio Freitas em Os Guerrilheiros do Imperador, Dirceu Lindoso em Utopia Armada, Luiz Sávio de Almeida em Memorial Biográfico de Vicente de Paula, Marcus Carvalho em Hegemony and rebelion in Pernambuco (Brasil), 1832-1835, entre outros. 

É na esteira desse movimento de ruptura que o Curso de Especialização em História de Alagoas pretende caminhar, contribuindo para a escrita de uma história plural, étnica e na perspectiva do trabalho. Em outras palavras, o curso rompe com a tradição historiográfica senhorial dos grandes temas e dos grandes personagens, e vai em busca da história do povo alagoano – das nossas matrizes étnicas, daqueles que vivem do trabalho –, que constrói as suas práticas sociais e representações culturais no cotidiano. 

Para viabilizar essa perspectiva acadêmica, o curso foi pensado em cinco momentos: 1. Teórico, construído por teoria da história e temáticas ligadas à história de Alagoas; 2. Metodológico, destacando-se os métodos e técnicas de pesquisa em história; 3. Elaboração do projeto de pesquisa; 4. Orientação dos projetos de pesquisa; e 5. Seminário de qualificação[6]

Considerações finais 

O curso de Especialização em História de Alagoas (no Ifal) não pretende dar conta dos problemas e carências teórico-metodológicas da historiografia alagoana (jamais poderia), mas buscará instigar e refletir sobre outros paradigmas de estudos e pesquisas dessa mesma historiografia, para além da história oficial-tradicional. É um olhar para a formação histórica dos espaços étnicos, periféricos e das relações produtivas e de gênero, que não são apenas físicos ou econômicos, são também simbólicos e políticos. 

Referências 
ALMEIDA, L. S. Dois Textos Exemplares. Maceió: FUNESA, 2004. 
ANDRADE, Manuel Correia de Andrade. Um livro importante para o Nordeste. In: ALMEIDA, Luiz Sávio de. Memorial biográfico de Vicente de Paula, o capitão de todas as matas: guerrilha e sociedade alternativa na mata alagoana. Maceió: Edufal, 2008. 
CAROATÁ, J. P. J. Crônica do Penedo; in ALMEIDA, L. S. de. (org.). Dois Textos Alagoanos Exemplares. Arapiraca: FUNESA, 2004. 
INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS. Projeto de Especialização em História de Alagoas. Maceió, 2018. 
LINDOSO, D. A Utopia Armada: Rebeliões de pobres nas matas do Tombo Real. Maceió: Edufal, 2005. 
MACIEL, O. B. A. Moreno Brandão e sua História de Alagoas: Alguns dados, uma outra leitura. In: BRANDÃO, Moreno. História de Alagoas. Arapiraca: EDUAL, 2004. 
SILVA, Amaro Hélio Leite da. Memória das Ciências Sociais em Alagoas: índios, cotidiano e etno-história. Coleção Índios do Nordeste: temas e problemas. Maceió: Cba, 2018. 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS. Instituto de Ciências Humanas Comunicação e Artes. História Licenciatura. Disponível em https://www.ufal.edu.br/unidadeacademica/ichca/graduacao/historia. Acessado em 25/11/2019. 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS. Projeto Pedagógico do Curso de História – Licenciatura, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2015. 


[1] Quando fazia parte da Faculdade de Filosofia de Alagoas, criada por Getúlio Vargas em 1950. Fonte: www.ufal.edu.br. Acesso em 25-11-2019. 

[2] UFAL. Projeto Pedagógico do Curso de História – Licenciatura, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2015, p. 9. Há registro de outros cursos de história em instituições privadas de ensino, a exemplo do Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC), pelo menos até os anos 1990, mas sem muita regularidade – pois dependia de determinada quantidade de matrículas para o seu funcionamento –, o que levou a sua extinção. 
[3] IFAL. Projeto de Especialização em História de Alagoas. Maceió, 2018. 
[4] CAROATÁ, José Prospero Jehovah da Silva. Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano. Maceió, 02.12.1872, nº 1, p. 01. 
[5] IFAL. Projeto de Especialização em História de Alagoas. Maceió, 2018. 


[6] IFAL. Projeto de Especialização em História de Alagoas. Maceió, 2018.

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