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sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Carla Alves. OS INDÍGENAS KARUAZÚ E A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS: ESTRATÉGIAS E AÇÕES DE ENFRENTAMENTO

 

OS INDÍGENAS KARUAZÚ E A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS: ESTRATÉGIAS E AÇÕES DE ENFRENTAMENTO

Carla Alves, indígena Karuazú                                                                                     

Professora da Rede Municipal de Ensino Básico de Pariconha-AL, Colaboradora na luta pela implementação da Educação Escolar Indígena na aldeia Karuazú"

 

Com a pandemia do novo coronavírus, as relações sociais entre as pessoas têm sido reconfiguradas. Hoje, “não dar as mãos” é sinal de união; “não visitar” é sinal de cuidado; “não querer estar perto” é sinal de amor. São ações inversas do que costumávamos fazer, mas, em tempos de pandemia, os significados dessas ações são essenciais para um bem maior: combater o vírus, salvar o máximo de pessoas. As políticas de ações dos governos em todo o mundo consistem no isolamento ou distanciamento social, o uso de máscaras, a higienização pessoal etc. “Quem puder fique em casa, enquanto não surge uma cura para este mal”. São medidas tomadas para combater a disseminação do COVID-19.

Diante deste cenário de pandemia, os hábitos cotidianos mais simples se tornam complexos, por exemplo: visitar um parente próximo, sentar com os amigos para conversar e se divertir, comemorar aniversário com festa, ir ao mercado, a padaria, a farmácia, a consultas em clínicas médicas etc. se tornou um desafio a nossa própria capacidade de enfrentar e superar medos e angústias, frente a um inimigo invisível e não pouco letal que é o novo coronavírus.  

Em Alagoas, a mobilização de enfrentamento à pandemia culminou na criação de um comitê de crise, responsável pelo controle das informações e emissão de Decretos, conforme o avanço do vírus. Os municípios também criaram comitês de crise, adotando ações de enfrentamento com Decretos que viabilizam juridicamente a instalação de barreiras sanitárias nas entradas dos municípios e fechamento de estradas vicinais, a fim de impedir o avanço do vírus em suas respectivas áreas administrativas.

No município de Pariconha não foi diferente: estradas vicinais que antes davam acesso ao município foram fechadas com o intuito de estabelecer somente duas opções de acesso à região, passando pelo controle das barreiras sanitárias estabelecidas na divisa do município com Estado de Pernambuco e o Povoado Marcação, divisa do município de Pariconha com o município de Água Branca, Alagoas. Com o aumento de casos no Estado de Pernambuco, o acesso ao município foi fechado permanecendo somente uma opção de acesso a região. As restrições nas barreiras com respeito ao acesso de pessoas oriundas de outros Estados ou mesmo municípios vizinhos foram intensificadas; mesmo pessoas naturais de Pariconha, mas que moravam em outros municípios, não podiam entrar na região, salvo para serviços essenciais. Várias medidas de segurança, de prevenção e enfrentamento foram e ainda são tomadas para combater o avanço do vírus no município. Mas, mesmo diante de tantas restrições e isolamento, este mal chegou à região.

            Com os primeiros casos no município, as relações sociais entre as pessoas tornaram-se ainda mais restritivas: distanciamento social, isolamento local, fechamento de instituições religiosas, escolas, lojas, bares; além do uso obrigatório de máscaras, suspensão das feiras livres, fechamento de mercados aos domingos, proibição de festas e de aglomeração de pessoas de qualquer natureza, seja nas ruas, nas casas, em reuniões, encontros religiosos, ou em manifestações culturais e rituais.  Com essas restrições, as três aldeias indígenas localizadas no município de Pariconha – Jiripankó, Katokinn e Karuazú – também foram proibidas de quaisquer atividades culturais e religiosas.

Na aldeia Karuazú, localizada entre os povoados Campinhos e Tanque, as festividades e reuniões foram proibidas, a exemplo das reuniões mensais da Associação Indígena Karuajé, onde sempre se discutia e buscava soluções para as questões da área da saúde, educação escolar indígena, processo de demarcação de terras, toré e rituais, o “terreiro ficou vazio”. Diante do cenário de Pandemia, os Karuazú buscam estratégias para manter a unidade e luta já antes travada pelo direito a saúde, terra, educação e pela valorização cultural e étnica. Com isso, uma das ferramentas utilizadas para viabilizar a continuidade das ações de enfrentamento político, ante aos problemas enfrentados pela comunidade, é o uso da internet, e principalmente das redes sociais, que têm se intensificado entre os indígenas.

 Neste período, em que as restrições impostas pelo distanciamento social são essenciais para o combate ao avanço do vírus, a comunidade indígena Karuazu criou grupos de whatsapp para manter a comunicação e interação entre os indígenas: um grupo com participação de toda e/ou parte da comunidade, com a finalidade de informar, discutir e buscar soluções referentes a assuntos ligados a aldeia; outro grupo da Associação Indígena Karuajé para tratar assuntos referentes à associação, já que as reuniões mensais também foram suspensas; além dos grupos que já existiam e passaram a ser ainda mais utilizados nesse período de pandemia.

 Referente a área da saúde, os Karuazú conquistaram, depois de muita luta, a Unidade Básica de Saúde Indígena Karuazú com prédio próprio na comunidade, que já está em funcionamento desde o mês de junho, com algumas precauções, como agendamento de consultas e controle do fluxo de pessoas para evitar aglomerações. Antes, a Unidade Básica de Saúde dos indígenas karuazú funcionava na cidade, numa casa alugada que foi adaptada para o atendimento médico. As dificuldades eram grandes, tanto para a equipe médica como para os Karuazú, pela distância do atendimento e falta de estrutura física. Devido à pandemia, os Karuazú ainda não puderam festejar a inauguração de sua unidade de saúde, conforme o costume local, mas o sentimento de orgulho por mais uma conquista é notório na comunidade.

A equipe médica multidisciplinar, assim como os agentes de saúde na comunidade têm trabalhado incansavelmente para evitar que o vírus avance na aldeia.  Neste sentido, as primeiras ações de combate a pandemia na comunidade consistiram na divulgação de informações sobre o vírus, com o objetivo de orientar os Karuazú sobre a importância do isolamento e distanciamento social, do uso de máscaras e dos sintomas da doença. Em parceria com a prefeitura, foram distribuídos kits de máscaras de tecido para todas as famílias indígenas Karuazú, entre outras ações de combate e controle do COVID-19. Infelizmente, houve dois casos da doença na comunidade, um indígena que foi curado e uma indígena que lamentavelmente veio a óbito. Até o presente momento não foram mais notificados casos da COVID-19 entre os Karuazú.  

O fato é que não tem como isolar a comunidade, porque as terras ainda não foram demarcadas. Os Karuazú espalhados entre os povoados Tanque e Campinhos dividem o mesmo espaço com os não índios, dificultando assim o isolamento da comunidade neste tempo de pandemia. Os karuazú lutam por mais de duas décadas pelo direito à terra, pela demarcação de seu território – um direito constitucional –, porém negado pela má vontade política dos governantes deste país. Mesmo com a conquista da Unidade Básica de Saúde, com prédio na comunidade, muito ainda falta referente à demarcação de terras e a implantação da educação escolar indígena na comunidade.

No atual momento, as barreiras sanitárias foram retiradas, e as estradas vicinais de acesso ao município de Pariconha estão sendo abertas; o comércio já foi liberado; as instituições religiosas já podem funcionar com 30% da capacidade do espaço físico; as pessoas já podem circular livremente nas ruas; no entanto, os cuidados de proteção como o uso de máscaras, higienização das mãos e a proibição de aglomeração de pessoas continuam. Os casos ativos na cidade diminuíram: no boletim epidemiológico do dia 18 de agosto constam 155 casos confirmados ao todo, 140 curados, 14 ativos e 1 óbito. Aos poucos a cidade de Pariconha vai retomando a “normalidade”. As escolas ainda permanecem fechadas, a proibição das feiras livres continua. Em nossa comunidade, ainda não há uma data prevista para a realização de reuniões e das atividades culturais e religiosas.

Em suma, mesmo em tempos de pandemia, os Karuazú, assim como os Katokinn e os Jiripankó permanecem resistentes, lutando pelos seus direitos e buscando novas estratégias de enfrentamento ante aos problemas, dificuldade e incertezas. Diante de um cenário não muito animador, os indígenas Karuazú, são capazes de se organizar, de se adaptar (caso seja necessário), e de buscar estratégias para sobreviver diante das adversidades – contrárias a sua sobrevivência, enquanto etnia indígena –, de lutar e ser protagonista de seu próprio processo histórico.

 

 

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