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sábado, 13 de junho de 2020

Vitor Pirralho. INSULTO. [Memória da pandemia nas Alagoas]


Foto: André Luiz Mello

INSULTO

Vitor Pirralho

BIOGRAFIA

Foi com seu olhar antropofágico inspirado no Modernismo que Vitor Pirralho (Vitor Lucas Dias Barbosa) ganhou a graça, não só de artistas como Ney Matogrosso, Zeca Baleiro, Pedro Luís, Tonho Crocco e Ellen Oléria (que participam de seu novo álbum), mas também de conselheiros, curadores, jurados e produtores dos projetos culturais mais respeitados do país.
Vitor Lucas Dias Barbosa é professor de literatura brasileira, em sua atividade diária entrou em contato com a Antropofagia oswaldiana e encontrou no discurso do Manifesto a inspiração para suas músicas. A partir daí entra em cena Vitor Pirralho, poeta que assume o princípio da devoração crítica da cultura “inimiga”, para assim aprimorar a sua própria cultura.
Pirralho faz Rap, não no sentido restrito da palavra, ele faz Rap sem delimitações. Sua música se utiliza de batidas eletrônicas que remetem ao pop, no entanto, não se acomoda a isso, incorpora elementos regionais, africanos, jamaicanos etc. Seus temas são variados, mas com coerência, vão do social ao regional, do linguístico ao paisagístico, do cultural ao desbunde. Uma verdadeira miscelânea rítmica e temática com sotaque nordestino.

POEMA

INSULTO

Parece um déjà-vu, talvez um remake
O Ministério da Verdade só dispara fake
Lance de dados maquiados: data make up
De olhos bem fechados, cegos, wake up

Violentos virulentos pragas e surtos
Vi a varíola e de lá pra cá vários sustos
Sem EPI, epidemias têm custos
Postos os gastos, são mais baratos os lutos

Povo ao deus dará, qual deus dará lucro?
Quem quer habitar o santo sepulcro?
Periferias do mundo, que sofrem o expurgo
De pandemias, de mitos demiurgos

Nas mãos dos maus, o caos é tão pulcro
É moeda de troca, é capital de giro
Uma gripezinha, o tal coronavírus
Procurar ser sensato parece um insulto.



Erika Jeripankó. A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS E O POVO JERIPANKÓ


A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS E O POVO JERIPANKÓ

Erika Jeripankó

Estudante de Geografia, UFAL, Campus Sertão

Os povos indígenas estão vivenciando uma série de repetições históricas, dentre elas, destaca-se as epidemias que chegaram a exterminar aldeias inteiras. Atualmente, a população indígena está enfrentando o covid-19, que é uma doença respiratória viral provocada pelo novo coronavírus. Até então, uma epidemia nunca tinha se alastrado tão rápido entre os povos indígenas quanto o coronavírus. Segundo o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da APIB (Articulação dos povos Indígenas do Brasil), a letalidade dessa doença em relação aos povos indígenas é 8,8%, bem maior que a letalidade do restante dos brasileiros, que é 5,2%.   
Esta doença está adentrando e se espalhando rapidamente nos territórios indígenas, pois, segundo a Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) entre os povos indígenas, até o dia 15 de abril apresentava 23 casos suspeitos, 23 confirmados e 3 óbitos. De forma alarmante, no dia 10º de junho os dados oficiais apresentavam 2.392 casos confirmados de contaminação, sendo 85 óbitos. No entanto, esses casos estão sendo subnotificados, pois de acordo com o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena da APIB, até o dia 09 de junho, foi informado que tem 94 povos infectados pelo COVID-19 em todo Brasil, mais de 2.886 indivíduos indígenas com casos confirmados e 256 óbitos.
De acordo com a APIB, famílias inteiras estão sendo contaminadas em regiões sem UTI e os que estão chegando aos hospitais não estão sendo registrados como indígenas, pois estão desconsiderando os indígenas que residem no meio urbano. Isso explica o fato das notificações da Sesai serem menores, pois há indígenas que morreram de Covid-19 e não constam na lista da Sesai. Essa é uma situação crítica de racismo institucional, um crime que está inviabilizando e desassistindo os povos indígenas, tornando-os mais vulneráveis.
Mesmo nesse contexto de pandemia, o atual governo não tem nenhuma ação efetiva para conter a disseminação do vírus entre os povos indígenas, pelo contrário, este vem atacando diretamente os direitos constitucionais dos povos originários. Isto está evidente desde o início do governo Bolsonaro, quando ocorreu as tentativas de acabar com aFUNAI ao retirar tal órgão do Ministério da Justiça, tentando passar as atribuições de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, que é dominado pelo agronegócio. Além do fato de demandar a municipalização da saúde e educação indígena, sobretudo, o governo está dificultando as demarcações ao mesmo tempo em que cria propostas de facilitar a mineração em terras indígenas. Essas ações do governo têm incentivado as invasões em terras da União, sendo que esses invasores estão levando um risco extra de contaminação para as aldeias. É uma situação assustadora, pois além de lutar contra esse inimigo invisível (coronavírus), os povos indígenas têm que enfrentar massivos ataques do governo, ficando à mercê desse governo totalmente anti-indígena.   

O coronavírus na aldeia Jeripankó

            O povo indígena Jeripankó, localiza-se em Pariconha, no Sertão de Alagoas, possui uma extensão de 1.215 hectares, dos quais 215 ha estão em posse da comunidade, enquanto a outra parcela encontra-se em processo de demarcação, na qual estão distribuídas 340 famílias, distribuídas em seis núcleos: Araticum, Caraibeiras, Figueiredo, Ouricuri, Poço da Areia, Serra do Engenho,  os quais possuem a mesma estrutura organizacional, tendo o mesmo cacique, pajé e conselhos (tribal, educação e saúde).
Diante da pandemia do coronavírus, as lideranças (cacique, pajé e o presidente do Conselho de saúde indígena) buscaram parcerias para ajudar no enfrentamento contra a covid-19, inicialmente encontraram algumas dificuldades do governo ( tendo em vista que o atual governo não está apresentando ações positivas para conter a pandemia); porém, após muitas cobranças feitas aos órgãos que protegem e asseguram legalmente os direitos indígenas, tais como a Funai, Sesai, Dsei, MPF e também a Prefeitura Municipal de Pariconha, surtiu-se um efeito, pois o governo através da Sesai no âmbito do DSEI vem fornecendo uma base para auxiliar na luta, tais como  as condições possíveis para que a equipe de saúde realize seu trabalho dentro do território; além da Funai, que vem trabalhando junto ao MPF protegendo e fiscalizando as entradas do território, além disso tem-se ajuda ONGs como o CIMI e APOINME, CONAB.
Porém, falta transportes apropriados para os casos mais graves por infecção da Covid-19. Ainda ocorre um deslocamento obrigatório de indígenas até́ a cidade devido a necessidade de acesso a direitos como o auxílio emergencial, salários, aposentadoria e outros benefícios, o que é um fato preocupante para o MPF pois pode acelerar a propagação do vírus. O MPF pede a Funai e a Sesai que sejam elaboradas algumas estratégias para que os povos indígenas possam acessar esses direitos sem precisar se deslocar até as cidades. Os órgãos também devem fornecer alimentação e materiais de higiene às aldeias, pelo mesmo motivo. Em relação a essas medidas, até então foi efetuada a distribuição de cestas básicas, a proibição da entrada de não índios na aldeia e, com a ajuda da prefeitura de Pariconha, foi erguida barreira sanitária na entrada do território; ademais, foram fechadas a maioria das entradas, deixando uma entrada única para casos de emergência, isso facilita a gestão do fluxo de pessoas. Todas essas medidas foram tomadas com urgência a partir do momento em que, infelizmente, surgiram dois casos confirmados para a Covid-19 no povo Jeripankó.
De acordo com Wyraktã, presidente do Conselho de Saúde, uma das dificuldades enfrentadas foi é a conscientização do povo, pois “a organização interna é parte essencial, na medida que se o conselho não discute junto com as lideranças, o cacique e o pajé, a comunidade fica vulnerável”. E segundo Wyraktã, a maior dificuldade foi tentar mudar a rotina do povo, pois o povo Jeripankó tem um modo de viver e costumes diferentes do não-indígena, a exemplo:  tem as reuniões para fumar cachimbo, as rodas de conversa, a socialização quando um parente chega de fora, os rituais, costumes, tradições que são parte essenciais da vida dos Jeripankó. Pois é um povo que carrega no sangue a vontade de dançar um Toré, de se reunir com o seu povo na beira de um terreiro e ver os praiás dançar, de entoar seus cânticos para os encantados. Os Jeripankó necessitam disso para manter as suas forças e crenças.
 É justamente esse modo de vida coletiva dos indígenas que está dificultando as ações das lideranças. A vida coletiva é uma coisa boa, mas em relação ao covid-19 se torna um grande obstáculo. Um outro agravante é a questão territorial, pois cerca de um terço das 340 famílias estão desaldeadas, encontra-se à margem, seja morando na cidade ou em outros povoados. Isso significa que o Conselho, a Funai e a Secretária de Saúde têm que lidar com essas questões dos indígenas que estão fora do território delimitado, e isso dificulta as ações dos profissionais de saúde. Há também uma enorme preocupação com a população idosa, pois existe poucos anciões que resguardam as histórias dos ancestrais, eles são, simplesmente, tesouros vivos, fonte de manutenção da cultura dos Jeripankó.
No entanto, o povo Jeripankó resiste e segue firme na luta, e assim como os seus antepassados que resistiram as expropriações de seus territórios, que migraram para novas terras e construíram um novo território, lutaram pelos seus direitos perante a constituição; superaram os ditames da ditadura, a perseguição e balas dos coronéis e outras elites dominantes; resistiram ao silenciamento de sua cultura, tão bem como a outras epidemias; segue usando seus costumes tradicionais, seus remédios caseiros para melhorar o sistema imunológico. Os povos indígenas unidos irão vencer mais essa batalha.


A coordenação da coleta de material escrito por índios é realizada pelo Professor Dr. Amaro Hélio Leite da Silva e comporá um suplemento de Campus/O Dia. O blog pode discordar no todo ou em parte das publicações que realiza.

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