Pandemia de Absurdos
João Neto Felix Mendes
Bancário aposentado, autor de contos e crônicas, publicados coletivamente nos
livros “À Sombra do Umbuzeiro”, “À Sombra do Juazeiro” e a “À Sombra da
Quixabeira” cujo cenário principal é Santana do Ipanema e sua gente. Membro da
Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes. Editor do blog
apensocomgrifo.com
Vivemos tempos estranhos. Surrealismo que surpreende até
o mais cético dos homens. Coisas inimagináveis. Até as cartomantes, visionários
e videntes foram pegos desprevenidos.
Nem Nostradamus (1503-1566) buscou em suas visões tamanha tragédia no porvir.
Quem predisse
palpite da atual realidade foi o cantor baiano Raul Seixas (1945-1989), o
maluco beleza como se autodenominou. Sua canção “O dia em que a terra parou”
(1977) faz um relato de um sonho, profetizando o mundo em caos parecido com
esse que estamos vivendo.
O certo mesmo é que o perigo está à espreita. Paira sobre nós o manto invisível de
medo. Vivemos em permanente desconfiança. O cenário provocado pelo novo
coronavírus (covid-19) é nocaute às regras e convenções. Impiedoso,
o mal avança e se alastra rapidamente em todas as regiões do país; grandes e
pequenas cidades. A ciência ainda estuda sua origem e tratamento. Países
envidam esforços para a descoberta de uma vacina. Milhares de pessoas já morreram
no País.
Reconhecemos que é um teste brutal aos
governos e sistemas econômicos, visto que não há um protocolo único a ser
seguido. E é exatamente por isso que o inimigo invisível se sobressai. Para
vencer o desafio hercúleo é preciso concertar, pensar, articular, mediar, ouvir
e implementar. Atitudes de líderes eficazes. Infelizmente, em falta atualmente!
Os
governos expuseram em abundância foi sarrabulhada, desunião e falta de
planejamento para gerenciar as crises de saúde pública, econômica, política e
social. Estamos sozinhos a esmo. Cada um por si e salve-se quem puder.
E tudo
foi parando. Gestores, na ausência de
plano federativo de gestão da crise, cada um foi tomando medidas que no seu
entendimento mais serviam. Enquanto isso, superlotação e falta de estrutura nos
hospitais e aumento de mortes em todas as regiões.
Nunca a
ciência foi tão desprezada e subjugada. Governos acham-se no direito de
questionar e ignorar pesquisas científicas e impor seus achismos à população e
isso tem efeitos desastrosos. O isolamento social se apresentou como única
forma eficiente para redução do contágio. Em consequência, economias estão
sendo destroçadas. O desemprego e a fome avançam tal qual a força de tsunami
social e de saúde pública exigindo dos governos ações que amenizem tanto
sofrimento e agonia.
Já
estamos há mais 60 dias em quarentena e não vislumbramos amenidades. Indústrias
fechadas, comércios, escolas e muitas pessoas nas ruas, indiferentes aos
alertas das autoridades. Muitos esnobam. Pessoas reclusas foram obrigadas a
intensificar convívio familiar e se espantam com a realidade do encontro
consigo mesmo. Em risco, a sanidade mental anda capenga no limiar da loucura.
Muitos seguem indiferentes como se nada estivesse acontecendo. Outros, simplesmente
fingem desprezar tudo o que estamos vivenciando como se fosse um filme de
ficção científica.
As
redes sociais se transformaram no palco geral de asneiras proclamadas aos
quatro ventos. Muitos brasileiros agora são autoridades
virtuais a serviço de coisa nenhuma, aliás, da balbúrdia. A falta de
consciência ou boa vontade para analisar a veracidade das informações vem
produzindo milhares de agentes disseminadores de notícias falsas em volumes desmedidos,
embaralhando ainda mais o pandemônio.
Diariamente
testemunhamos estímulo ao ódio e a polarização política, enquanto milhares de
pessoas morrem sem direito sequer a velório e sepultamento digno. Vergonha
nacional. Como será daqui para frente não sabemos. Somos um barco à deriva. Contudo,
a pandemia e o isolamento social estão produzindo inúmeras mudanças no
comportamento humano que não vê alternativa, senão ressignificar valores. A
resiliência tomou a dianteira de palavra de ordem. Novos paradigmas despontam.
E, como diz um velho amigo, assim caminha a humanidade.