19 de fevereiro de 2012 em Tribuna Independente
domingo, 15 de junho de 2014
25 de setembro de 2020
Lautheney Perdigão. Depoimento para a história: César, goleiro do CRB
Texto publicado em Contexto de 19 de fevereiro de 2012 em
Tribuna Independente. Para este blog, estas utilizando material
digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson
Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.
Um pequeno bilhete sobre futebol
Luiz Sávio de Almeida
Mais uma vez, o futebol aparece em Contexto sob a batuta do maestro Lautheney Perdigão e agora balanceando o que é do CSA e o que é do CRB. Houve uma grande
transformação no futebol de Alagoas, com o deslocamento do papel de Maceió;
antes o interior não estava consolidado, apesar do que acontecia em Penedo, mas
atualmente, ninguém pode negar a importância de posições como a de Arapiraca a
partir de uma brilhante reestruturação do ASA. Isto significa, que há massa de
capital suficiente para sustentar a profissionalização, redistribuída
territorialmente. Alguns locais parecem ter fracassado nesta sustentação, como
é o caso de Palmeira dos índios e a minha querida Capela.
A
relação entre capital e futebol é estreita: poder de sustentação de
profissionais, pagamento de massa salarial e outras despesas de monta. Os
clubes não conseguem mais
viver sem o merchandising. A camisa está alugada E interessante ver a
transformação do símbolo e a própria resignificação de termos no mundo do
futebol. Perdeu em densidade expressões como amar a camisa, sua a camisa, dar a
alma pelo time e por aí vai. É que o universo do futebol cada vez mais se dilui
em mercado. Bom, Contexto tem se beneficiado e muito da participação de
Lautheney Perdigão que se prepara para um blog do Museu, que merece ser
acessado por todos nós. Hoje ele nos traz a história de César, goleiro que
marcou época. Ser goleiro é algo dificílimo e requer, a meu ver, um enorme
senso de ângulos. O goleiro é um geômetra, um calculador de ângulos. Foi uma
posição em que nunca pisei. Fui ruim em outra, eu era péssimo em tudo mas
especialmente onde eu teimava em jogar: center- half. Não sei como se chama
hoje. A bola era quem jogava e não eu.
Apesar de tudo,
continuo amando o futebol e vendo sentido em declarar minha ligação com o CRB e
com o Flamengo, coisa bem semelhante ao Toroca. Acho que foi por conta do
Toroca que me deram um título de Sócio Honorário do CRB. É isso, Toroca?
•Sávio Almeida
Depoimento para a história:
César, goleiro do CRB
Lautheney Perdigão
Defender uma bola que vem alta,
rebater de soco ou fazer uma ponte, são coisas que um bom goleiro deve saber
fazer para não errar. Socar uma bola no ar não é tão fácil quanto pode parecer.
Exige uma coordenação de movimentos muito grande, principalmente se o goleiro
usar apenas os punhos. E todo bom goleiro precisa ser tranquilo, elástico e
voador, quando necessário. Carlos César tinha tudo isso e mais alguma coisa.
Seguro, correto, profissional compenetrado de seus deveres, primando sempre
pela disciplina, César sempre foi querido pelos companheiros e respeitado por
dirigentes e torcedores. Nasceu no dia 22 de setembro de 1954. Estudou no
Colégio Guido. Sempre gostou de uma boa música e é fã de Roberto Carlos.
Começou nos juvenis do CSA em
1971. A oportunidade surgiu através de um convite do amigo Capeta. No clube do
Mutange se deu bem e logo era titular da equipe.
O técnico era Gerson que o
incentivava bastante. César ganhava vinte cruzeiros por semana. No momento da
reforma do compromisso dos dirigentes azulinos, prometeram um aumento e não
cumpriram. O tempo foi passando, surgiu um convite do CRB que lhe garantiu uma
boa gratificação e César se transferiu para Pajuçara.
No clube
alvirrubro, assinou um contrato de gaveta que deram entrada na Federação em
março de 1973. Durante dois anos atuou pelo juvenil do clube. Formou ao lado de
Jeová, Ailton, Marcus, Jorge Siri, Roberval Davino, Capeta, Everaldo e outros,
um dos melhores times da categoria. Graças as suas boas atuações no gol do time
juvenil o treinador Jorge Vasconcelos começou a colocar César no banco de
reservas nos jogos do time principal. Sua estreia se deu contra o ABC de Natal no jogo de
entrega das faixas aos Campeões Alagoanos de 1972. Jorge Vasconcelos foi o técnico
que acreditou em seu futebol. Ofereceu a Cesar as grandes oportunidades que ele
soube aproveitar. Quando era escalado como titular, sentia- -se muito bem.
Fisicamente
estava excelente. Tecnicamente lhe faltava experiência. Isso ele foi
conquistando com os jogos. E a partir do jogo contra o Bahia no Campeonato
Brasileiro de 1973, Cesar se tornou titular absoluto do CRB. Honesto e aplicado
nos treinamentos, o jovem goleiro começava a ter o gostinho de ser ídolo de uma
grande equipe.
Houve um período
que Cesar poderia ser transferido para o Flamengo do Rio de Janeiro. Seria uma
grande chance para o jovem goleiro. Acontece que os dirigentes do CRB acharam
que era muito cedo para sua saída da Pajucara. Sua inexperiência poderia lhe
prejudicar no futebol carioca, porem prometeram que no futuro poderiam
facilitar sua transferência. No começo, Cesar ficou chateado. Jogando no
futebol carioca, ao lado de grandes craques, ele poderia aprender bastante.
Mas, como bom profissional, acatou as ordens de seus superiores.
Continuou
defendendo a meta do CRB com uma frieza que, as vezes, amedrontava seus
torcedores. Quando o perigo rondava sua area, ele se mantinha calmo, procurando
se colocar de acordo com o rumo da bola. Uma de suas qualidades era a de não
ficar nervoso. Por isso, inspirava confiança a todos os seus companheiros. A
chegada do novo goleiro Jonas serviu de incentivo para Cesar. Ele era o
titular. Tinha confiança em si mesmo e para Jonas tomar seu lugar tinha que
provar em campo que era melhor do que ele. A sombra de Jonas fazia com que ele
treinasse mais, cuidasse-se mais. E Cesar se tornou amigo de Jonas. A
rivalidade era apenas no campo.
Nem sempre os
chutes contra seu gol sao motivos para fazer pontes sensacionais ou voos
espetaculares. Cesar preferia as defesas mais simples e sem complicações. Para
impedir que a bola ultrapassasse sua meta era necessário muito treino, muito
preparado físico, muito talento. Para Cesar, o chamado gol frango era normal. E
como se um atacante perdesse um gol feito. Todos falham e o goleiro também.
O gol perdido e sempre
esquecido e o frango passa a ser uma triste lembrança para o goleiro que
falhou. Na historia do futebol, ate os grandes goleiros falharam. Ele era favorável
à concentração, porque nem todos os atletas eram responsáveis.
No CRB, foi tetracampeao nos anos de 1976. 1977. 1978. 1979.
No ano seguinte, o
clube da Pajucara poderia ser pentacampeao. Na penúltima rodada, em jogo
realizado na cidade de Arapiraca, o CRB enfrentou o ASA. Quando o marcador era
de 2x2, aconteceu um pênalti a favor do clube da Pajucara. Cesar foi para a cobrança
e perdeu.
Se o CRB vencesse,
jogaria pelo empate na rodada final contra o CSA. Com o empate, quem jogou com
a vantagem foi o clube azulino. Para Cesar, o pênalti perdido contra o ASA não
teve muita repercussão depois da partida. Afinal, o clube ainda tinha um ultimo
jogo. Depois do clássico com o CSA, o qual ganhou o campeonato com o empate, e
o CRB perdeu o tão sonhado título, foi que começaram os comentários. “Quem
devia ter cobrando o pênalti era o Joãozinho Paulista”, “Se Cesar tivesse feito
o gol o CRB teria sido penta”. Coisas assim ele ouviu muito.
Suas grandes atuações
no Brasileiro de 1980, principalmente depois do jogo contra o Paysandu, quando
Cesar fechou o gol, chamou a atenção do treinador João Avelino, que indicou seu
nome para Osvaldo Brandão que estava reformulando o plantei do Corinthians. Veio
a Maceió um empresário que tomou informações sobre Cesar junto a torcedores,
cronistas e dirigentes. Nem precisou observar Cesar jogando. O goleiro alagoano
estava contratado pelo Corinthians. No inicio, financeiramente não foi muito
bom. No CRB, ganhava quarenta mil e tinha casa, comida, a família e os amigos.
Assinou com o Corinthians sem luvas e cem mil por mês, contudo pagava apartamento,
comida, não tinha a família ao seu lado e os amigos estavam longe. Tudo era
compensado pelas gratificações que recebia por vitorias. Muitas vezes as gratificações
mensais eram maiores do que o salário.
No Corinthians teve
bons e maus momentos. Treinava muito, pois tinha que mostrar servico. A
imprensa paulista e a torcida corinthiana achava que Cesar era um goleiro
baixinho. Mesmo sem ligar para algumas criticas, ele treinava mais que os
outros. Entre 1981 e 1983, Cesar vestiu a camisa do Corinthians com muito
profissionalismo. Seu grande momento no futebol aconteceu no dia 14 de marco de
1982, quando o Corinthians enfrentou o Internacional de Porto Alegre no Morumbi.
Os paulistas venceram por 1x0 e Cesar fechou o gol.
CRB 1982 |
A torcida gritava seu
nome e ele ganhou todos os prêmios de maior jogador da partida. Na
segunda-feira, os jornais só falavam em Cesar:
“A Cesar o que e de
Cesar” - “ As mãos de Ouro” - “O pequeno grande Cesar” - “O Dia em que Cesar
foi herói corinthiano” - “Corinthians supera Inter em tarde de Cesar” - “Nunca
vi coisa Igual”.
Essas foram algumas
manchetes de jornais de Sao Paulo depois do jogo contra o Internacional. Cesar
foi uma muralha. Era reconhecido na rua, dava autógrafos, chegou a fazer parte
da lista de 40 jogadores pre-inscritos para a convocação de Tele Santana para a
Copa de 1982. Era uma felicidade que parecia não ter fim. Dias depois, um chute
sem maiores pretensões do lateral do Grêmio de Porto Alegre foi exatamente em
cima de Cesar que falhou e o gol foi marcado. O goleiro jura que a bola não
entrou.
Foi um jogo noturno e o
juiz somente marcou o gol porque o bandeirinha apontou para o centro do campo.
Se no domingo tinha sido herói, naquela noite passou a ser o vilão da fiel
torcida. A derrota tirou o Corinthians do campeonato e, desclassificado, Cesar
foi dispensado. Depois do jogo contra no Grêmio, Cesar ficou conhecendo como e
o tratamento de dirigentes com os jogadores.
O diretor de futebol do
clube era Adilson Monteiro que depois dos jogos sempre lhe procurava para os
tradicionais tapinhas nas costas e a promessa de boas gratificações. Depois do
jogo com o Internacional, Adilson só faltou colocar Cesar nas costas e sair
correndo pelo gramado. Quando o jogo do Grêmio terminou, o diretor fez que não
viu o goleiro. Logo depois, Cesar era emprestado ao Juventus.
A posição de goleiro é difícil e ingrata.
Quando toma um gol defensável é o bandido, o estraga festa ou simplesmente o
frangueiro. Na alegria das vitórias nem sempre são lembrados pelas belas
defesas. As atenções são voltadas para os artilheiros. Dificilmente acontecem
casos como aquele de César contra o Internacional, já que no jogo seguinte o
melhor pode virar o pior. As mãos que aplaudem são as mesmas que jogam pedras.
César foi emprestado ao Juventus de São Paulo onde teve grandes atuações. O
clube da rua Java- ri estava pronto para comprar seu passe que pertencia ao
Corinthians.
César não teve
paciência de jogar em um time considerado pequeno como o Juventus e isso
atrapalhou seu trabalho em São Paulo. Poderia continuar jogando e depois
conseguir um clube de maior torcida. Magoado com as críticas de certa parte da
imprensa e da torcida do Corinthians, preferiu retornar a Alagoas e assinar
contrato com o ASA de Arapiraca. Foi uma boa passagem pelo clube alvinegro,
afinal estava perto da família e dos amigos. Não foi melhor, porque o ASA tinha
problemas que eram passados para o plantei. Depois, foi jogar no Flamengo do
Piauí. Foram dois anos e meio de muito sucesso. Foi campeão e sempre como o
melhor goleiro do campeonato. Criou grandes amizades e tinha o crédito de todos
daquela cidade. Retornou para Maceió e lembra com muita saudade o período quem
vestiu a camisa do Flamengo.
Para César, o melhor
treinador foi Jorge Vasconcelos. Com ele aprendeu muito. Jorge era um técnico
exigente, mas justo. Seus jogadores eram seus amigos. Por isso, o time foi
muitas vezes campeão com ele. Quando César chegou no Corinthians, encontrou
Osvaldo Brandão. Um bom técnico, entretanto na hora do aperto sempre procurava
colocar a culpa nos jogadores mais humildes. Tecnicamente, o melhor foi
Candinho. Ainda no Corinthians, encontrou um goleiro que não era flor que se
cheirasse. Chamava-se Rafael. Tinha jogado no Coritiba e achou que seria o
titular.
Na reserva, não falava
com César e procurava, de todas as maneiras, criar problemas para o goleiro
alagoano. Por ser um atleta disciplinado e que não discutia com arbitragem,
César nunca foi expulso de campo em mais de dez nos de profissão. Ele pretende
receber o prêmio Belfort Duarte que foi instituído para os atletas mais
disciplinados do nosso futebol. Outro episódio que tira César do sério, é
quando se comenta sobre a Máfia da Loteria. No início dos anos oitenta, o
radialista Flávio Moreira o denunciou como integrante da Máfia da Loteria.
Apesar de logo depois
seu nome ter sido retirado da lista, o boato se espalhou e muita gente olhava
atravessado para ele. Foram momentos difíceis de sua vida. Quando se fala sobre
o assunto, César duvida que alguém possa acusá-lo novamente. Para aqueles que o
conhecem, sabem do comportamento de César dentro e fora dos gramados. Todavia,
a injustiça serviu para realçar sua grande virtude: a personalidade. Lutando
calado em meio à tempestade, sem lamentar ou lançar acusações precipitadas, ele
continuou dando duro nos treinamentos.
Apesar de tudo, valeu a
pena passar mais de dez anos jogando futebol. Fez muitas viagens, conheceu
países lindos e desfilou seu grande futebol em estádios normalmente lotados. Um
rapaz que saiu de Maceió para jogar no Corinthians, um clube que tem uma das
maiores e fanática torcida do mundo e começar a viajar de Jumbo para conhecer
países com costumes e tratamentos diferentes.
O México foi aquele que mais o impressionou.
Um povo que ama o
futebol e sempre lota seus estádios. César conta que foi na cidade do México
que fez sua maior defesa como goleiro.
Um chute forte, um pulo
para o lado, a bola desviada para o outro e ele teve que voltar e fazer sua
grande defesa. Como todo mundo, César também teve suas grandes emoções.
Conquistar o tetracampeonato pelo CRB jogando nos quatro anos consecutivos foi
bom demais. No ano do tetra, o clube tinha como base jogadores da nossa terra.
Eram sete os nossos jogadores. Apenas Deco, Mundinho e Flávio vieram de outros
Estados. O CRB passou um sufoco nas três últimas rodadas, mas valeu a pena. E o
título chegou no clássico contra o CSA, quando o CRB venceu por 2x0. Conquista
de título derrotando o tradicional rival tem um gosto mais especial.