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domingo, 4 de outubro de 2020

José Vieira da Cruz, ELEIÇÕES, REDES SOCIAIS E ÉTICA

 

ELEIÇÕES, REDES SOCIAIS E ÉTICA

 José Vieira da Cruz*


Há poucos dias, iniciou-se a corrida eleitoral para os cargos de prefeito(a) e de vereadores(as). A exemplo de outros pleitos, as redes sociais terão papel importante para os(as) candidato(as) e os(as) eleitores(as).  Nesta perspectiva, a política, em uma sociedade democrática, utiliza as eleições, como um dos seus principais componentes. E, em regra, o processo eleitoral, seja através das redes sociais ou fora delas, configura-se como o momento em que as diferentes concepções políticas de sociedade desenvolvem debates de ideias, propostas e projetos.

Neste ano, em particular, por conta do distanciamento social em razão da pandemia, o processo eleitoral tem nas redes sociais seu principal veículo de divulgação.  Assim, através destes ambientes virtuais, deveria ocorrer maior interação entre o candidato e os eleitores, a partir do respeito às diferentes opções políticas, do acesso livre de informações de campanha, da garantia de liberdade de expressão e do consentimento a pluralidade de ideias. Assegurando a cada cidadão conhecer, analisar, concordar ou discordar das propostas e, consequentemente, votar, de forma esclarecida, em um(a) candidatado(a). No entanto, ataques pessoais, fake news, invasões de hackers e outras formas de agressões, trapaças e jogo sujo estão correndo, com certa frequência também nos espaços virtuais, e impedindo o debate qualificado. Atitudes que devem ser rechaçadas, denunciadas para as devidas sanções legais e, sobretudo, repudiadas pelos eleitores nas urnas.

Independentemente da coligação eleitoral, do partido, da candidatura, da posição ideológica, gênero, classe ou raça, todo cidadão tem o direito e o dever de repudiar candidaturas, grupos ou pessoas que venham a cometer agressões, ataques, insultos e afrontes as regras e aos participantes de disputas eleitorais, com o simples objetivo de tirar o poder de escolha do cidadão.

De modo geral, as redes sociais têm ampliado as possibilidades de comunicação do indivíduo com o mundo e, principalmente, com a política. Através delas, sem filtros e mediações, perfis, campanhas e debates eleitorais circulam de modo rápido, instantâneo e massificado. Essas possibilidades, por sua vez, devem respeitar limites éticos: o respeito aos adversários e a sociedade, a veracidade dos fatos divulgados, a observância a legislação e a proposição de ideias, propostas e projetos realistas, viáveis e executáveis.

É salutar, participar, acompanhar e avaliar as disputas eleitorais tanto nas redes sociais quanto fora delas. Isto constitui-se em grande aprendizado, exercício político e desafio a consolidação da democracia em bases factíveis e sem demagogias, promessas irrealizáveis, populistas e contrárias ao interesse público.

Dessa forma, a democracia, como é de conhecimento público, não é um sistema político infalível, perfeito e desprovido de contradições. No entanto, no curso de sua vivência e aprendizagem, entre erros e acertos, propicia a articulação de interesses, disputas e perspectivas diferentes. Ela, justamente por essa razão, assegura a liberdade de expressão e garantias imprescindíveis aos direitos individuais, coletivos e humanos, como saúde e educação pública, preservação e sustentabilidade do meio ambiente, desenvolvimento econômico-social, e, sobretudo, a defesa da vida, por ser o bem maior do ser humano.

As críticas em relação aos limites das redes sociais, dos processos eleitorais e da democracia não significam prescindir deles. A este respeito, como bem expressou, a filosofa judia, ativista contrária ao Nazifascismo, Hannah Arendt, “não precisamos jogar fora a criança junto com a água do banho”. Portanto, não se deve, de forma absoluta, rejeitar a democracia, os processos eleitorais e as redes sociais, ainda que eles, na dinâmica de suas experiências e aprendizados, tenham contradições, conflitos e, por vezes, resultados indesejados, mas mesmo assim e apesar disso, asseguram o direito de livre expressão, liberdades individuais e o respeito à diversidade.

É sempre importante lembrar que a política é o resultado do acúmulo de experiências do passado, das escolhas do presente e do horizonte de expectativas futuras que cada sociedade tece ao longo do tempo, espaço e contexto que a envolve. Neste sentido, os limites e desafios democráticos podem ser equacionados, resolvidos e superados através do respeito a ordem jurídica constitucional, do aprendizado acumulado e das escolhas que os indivíduos e a sociedade fazem a partir de suas experiências políticas.

No Brasil, nossa tenra tradição republicana, e dentro dela nossos valiosos momentos de experiências democráticas, não raras vezes, foram premidos e alternados entre a disputa de militares e bacharéis, com suas armas, leis e interesses – nem sempre coadunados com os interesses de parte da população mais explorada, excluída e invisibilizada. Os protagonistas do poder político, nem mesmo nos instantes em que empunhavam a bandeira do autoritarismo – seja no período do Estado Novo, 1937-1945, seja no período da ditadura civil-militar, 1964-1985, reivindicaram o título de ditadores. Eles, ao contrário, em nome da depuração dos valores morais, religiosos e patrióticos, deformaram as instituições republicanas, a democracia e os direitos humanos através da censura, do fechamento do parlamento, de prisões arbitrárias, de torturas, de assassinados e jogando para baixo do tapete escândalos políticos, éticos e de corrupção.

O mais grave é que as ditaduras, não importa quando e onde elas ocorram, sempre começam com o apoio de parte da sociedade civil que logo se ressente dos seus efeitos – supressão da liberdade de expressão, vigilância institucional, obstáculos a transparência de informações, além, da suspenção, fechamento ou restrição de espaços coletivos de tomada de decisão política.

Em suma, temos ciência e consciência que a democracia não é perfeita, que as opções eleitorais disponíveis nem sempre são as desejadas, esperadas e idealizadas e, ainda, que as redes sociais para além democratizar o acesso ao conhecimento, também se constitui em espaços de manipulações, falseamentos, abusos e crimes. Mas, sem abdicar dessas críticas, é preciso reconhecer a importância do aprendizado, do acúmulo de experiências e dos limites que a atual ordem constitucional nos possibilita. E, enquanto cidadãos, de modo crítico, ético e consciente tecermos nossas escolhas.

As escolhas que cada sociedade faz, a partir das preferências dos indivíduos que a constituem, não cabem nesta breve ponderação e não é essa nossa pretensão. Neste escrito, expressamos apenas, para aqueles que nos honram com sua leitura, algumas reflexões acerca dos limites da política, das eleições, do uso das redes sociais e do exercício da democracia em nosso tempo – pois consideramos que cada um é responsável pelas escolhas que faz e, socialmente, colhemos os resultados das escolhas de todos.

 

*Professor Adjunto da UFS, doutor em História pela UFBA, pós-doutorado em Educação pelo PPGE/UFPE, membro: do PPGH/UFAL, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e da Academia Alagoana de Educação (ACALE).

Marcelo de Campo. O NOVO CORONAVÍRUS E AS AÇÕES DA COMUNIDADE TINGUI-BOTÓ


 

 
EL NUEVO CORONAVIRUS Y LAS ACCIONES DE LA
IL NUOVO CORONAVIRUS E LE AZIONI DELLA COMUNITÀ TINGUI-BOTÓ
THE NEW CORONAVIRUS AND THE ACTIONS OF THE TINGUI-BOTÓ COMMUNITY  
 LE NOUVEAU CORONAVIRUS ET LES ACTIONS DE LA COMMUNAUTÉ TINGUI-BOTÓ

Marcelo de Campos

Documentarista

Fundador do núcleo de Cinema Tingui Filmes

Licenciando em Biologia pelo IFAL 

Membro do GPHIAL – UNEAL

 Introdução

            Os Tingui-Botó foram reconhecidos como povo indígena em 1980, após o professor Clovis Antunes enviar documentação de reconhecimento sobre este povo a Funai. O reconhecimento dos Tingui-Botó como povo indígena representou o resgate de um povo anteriormente disperso, em processo de etnogênese. Era a substituição de uma identidade acanhada, de caboclo pelo orgulho étnico de ser índio”. Acerca dessa temática, seguem-se desdobramentos políticos, como reivindicações de posse de terras, por direito imemorial, e luta pelo seu reconhecimento.

O aldeamento do povo Tingui-Botó se deu no município de Feira Grande e Campo Grande, em Alagoas, na comunidade de Olho D’água do Meio, onde são preservadas 60 tarefas de mata para a realização do ritual do Ouricuri. O ritual do Ouricuri é o emblema do povo Tingui-Botó. É de onde sai a doutrina, a paz e a perseverança para com o outro. É de lá que se aprende a viver em paz, em comunidade.

            Segundo o cacique Eliziano de Campos, atual chefe da comunidade Tingui-Botó, o Ouricuri, vive entre os Tingui-Botó há mais de 140 anos. De acordo com a idade e a oração do seu pai Plácido de Campos, um dos fundadores da comunidade, o Ouricuri não é uma tradição apenas do povo Tingui-Botó, é um nome dado à religião de várias aldeias do Nordeste. É caracterizado como um local sagrado onde os indígenas cultuam seus costumes ancestrais fechados. É comum entre os indígenas que seja frequentado o território sagrado de outras aldeias, para a realização do ritual do Ouricuri. Entretanto, é condição necessária ser do mesmo povo de origem para participar do ritual.

No caso dos Tingui-Botó, apenas os povos Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio, Xucuru Kariri de Palmeiras dos Índios e os Aconã de São Brás frequentam a mesma taboa sagrada, por serem ambos do mesmo povo, mas de localizações geográficas diferentes.

A denominação atual da comunidade Botó, foi dada pelo curandeiro João Botó, o mesmo que se instalou com sua família em Olho D’água do Meio, por volta de 1940, após a construção do Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso, em Porto Real do Colégio.

No entanto, a instauração da família de João Botó nos arredores do local sagrado do ritual Ouricuri, em Olho D’água do Meio, foi confirmada em 2002. Através do reconhecimento pelo Instituto Socioambiental do nome dado pelos índios Botó e o pajé da comunidade Kariri-Xocó, em 1980.

Os Tingui-Botó são considerados um povo guerreiro, porque estão sempre em batalha, em luta constante por sua afirmação, sua sobrevivência, manutenção e descendência.

A comunidade Tingui-Botó possui lideranças tradicionais, o cacique ou chefe do povo. Sendo escolhidas tanto pelo processo de escolha e/ou legitimidade, quanto pelas funções que exercem. As lideranças tradicionais têm o papel de representar coordenar, articular e defender os interesses das famílias e do povo como responsabilidade herdada dos pais, a partir das dinâmicas sociais vigentes. Em concordância, as lideranças políticas geralmente exercem funções específicas nos aldeamentos, como dirigentes de organizações indígenas formais, intermediários e interlocutores de comunidades indígenas.

Neste cenário, as ações do governo para com as aldeias indígenas são embasadas no modelo de governo dos brancos. Um fato que por vezes gera impasses frente a necessidade da conquista de direitos e de voz frente ao cenário de desigualdades sociais e exclusão vivenciada pelo povo indígena.

Neste interim, as lideranças políticas são constantemente consideradas mediadoras entre as antigas lideranças e a sociedade regional e nacional.

Diante dessa organização política, surgem situações difíceis e desafiadoras como a pandemia mundial causada pelo Coronavírus, exigindo união e cooperação entre todas as organizações políticas, para que as comunidades consideradas desfavorecidas sejam amparadas e fortalecidas.

É necessário, então, que as políticas sociais e as ações de governo impulsionem mudanças e reestruturação na dinâmica mundial atual, incluindo a dinâmica de comunidades indígenas, consideradas em condição de desiguais perante o contexto social, frente ao desafio Coronavírus.

 

A notícia do novo coronavírus chega ao povo Tingui-Botó

            A comunidade Tingui-Botó recebeu a notícia da disseminação do Coronavírus através da mídia e das redes sociais. Fato que causou pavor entre os indígenas, assim como a todo o mundo.

            Desde então, foram tomadas algumas medidas orientadas pelo Ministério da Saúde, quando a má notícia de um vírus com alta transmissibilidade chegou ao povoado. As lideranças convocaram a equipe de saúde local, com a finalidade de compreender os principais impactos e riscos que a doença representava a população. Logo em seguida, o líder convocou todos os Tingui-Botó para uma reunião em caráter de urgência.

 

Ações dos Tingui-Botó contra a pandemia do novo coronavírus

            As medidas tomadas foram restrição e limitação da saída dos moradores da comunidade para outros lugares. A liderança tradicional deixou resolvido que os portões que dão acesso à comunidade fossem fechados e mantidos com cadeados e as chaves fossem mantidas com o pajé e o cacique, ou em posse dos motoristas que conduzem os veículos de urgência e emergência, em casos de ocorrência.

            Todos os indígenas que moram fora da comunidade teriam acesso limitado a área, podendo visitar a aldeia apenas com o uso de máscara. Os indígenas que moram na comunidade, só puderam seguir as cidades circunvizinhas em casos de urgência, como em casos de saúde ou compra de alimentos.

Por sua vez, as lideranças fortaleceram o acesso a produção de alimento na comunidade para que não fosse uma necessidade a compra fora da aldeia. As mulheres grávidas que parissem em hospitais fora da cidade deveriam permanecer 14 (quatorze) dias isoladas, em casa da comunidade cedida por familiares, recebendo visitas apenas da equipe de saúde.

Porém, a medida de peso maior entre os Tingui-Botó foi a mudança de datas dos rituais religiosos que foram repensadas, sendo impedidas como medida preventiva, já que o ritual em solo sagrado é realizado coletivamente, o que provoca ajuntamento. Outrossim, todos os índios da comunidade Tingui-Botó ao reconhecerem que o ritual envolve corpo, mente e espírito – o coração do povo, onde saem todos os ensinamentos sagrados que envolvem a sabedoria –, aceitaram a condição, por saber que o sagrado está presente também nas árvores, no canto dos pássaros e nas estrelas.

Ou seja, a sabedoria do povo Tingui-Botó é uma dádiva sagrada, dada aquele que a merece. Os seres Tingui-Botó são seres humanos abençoados por sua ancestralidade, e dotados de sabedoria, são eles que inspiram os novos guerreiros. Suas lutas, seus sofrimentos e conquistas são imortalizados pela prática oral da comunidade.

Sendo então detentores de saberes espirituais, tais guerreiros sempre cuidam de seu povo, ao ensinar os jovens da aldeia por qual caminho seguir. Ainda assim, os próprios líderes religiosos, os sábios diziam que viriam épocas difíceis onde seria necessário que o povo Tingui-Botó deveria seguir com confiança, atitude e coragem.

 

Considerações finais

A precaução é uma das maiores armas contra qualquer batalha, e para esta batalha não é diferente. Devemos agir com cautela e consciência, reconhecendo que ao tomar certas medidas estamos cuidado de nós e do outro. Mesmo que, estejamos sentindo falta das reuniões embaixo da árvore principal da aldeia, seguir com fé e confiança é preciso para acreditar que dias melhores virão.

Ainda assim, lutemos com nossas armas, diante do risco causado por um vírus que atinge pessoas com baixa imunidade. Por isso, devemos fortalecer nosso sistema imunológico com o uso tradicional de ervas, plantas e raízes. Os banhos de raízes, chás e garrafas são princípios relevantes para a saúde dos Tingui-Botó, não excluindo a iniciativa dos profissionais de saúde que têm nos assistido nesses dias. É preciso também considerar os cartazes e panfletos que nos instruem sobre as principais medidas para combate do vírus.

Coordenação do Professor Amaro Hélio dos Santos

 

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