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sábado, 18 de julho de 2020

Jorge Barbosa. E deus criou o rock alagoano


Reprodução de texto de 00/10/2014


 
 
 
 Dois dedos de prosa sobre Jorge Barboza

Jorge é amigo pessoal e ex-aluno. É portanto um prazer ter a oportunidade de editá-lo. A isto junta-se o seu grande talento e inquietação artística/intelectual, companheiro de muitas atividades aqui em Alagoas, desde os tempos do Teatro Universitário, etapa da vida cultural de Maceió que vem sendo pensada pela Gal Monteiro e que, brevemente, publicará seus resultados preliminares nas páginas de Campus.

Jorge recorda e comenta o movimento do rock em Maceió, cidade que ainda passava por um processo civilizatório, desbancando as suas marcas sagradas e rurais, para entender-se urbana e prosaicamente mundana.  No sentido das relações espaciais da cidade, o rock era uma de suas pontes para o mundo, caminho pequeno e marginalizado mas se afirmando e  dando notícias de si mesmo.

Campus/O Dia diz muito obrigado e convida para uma viagem dentro deste depoimento muito do bem escrito.
Luiz Sávio de Almeida
Maceió, maio de 2014
 

Jorge Barboza é formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas. Trabalhou nos jornais Tribuna de Alagoas, Gazeta de Alagoas, Jornal de Alagoas e, morando em São Paulo entre 1988 e 2005, nos diários Folha da Tarde, Notícias Populares e Agora São Paulo. Também colaborou com revistas e jornais especializados em música e comportamento, como DJ World, Mundo Mix Magazine e International Magazine – este no Rio de Janeiro. Editou em Maceió a revista de cultura Urupema. Entre as capitais de Alagoas e São Paulo, usando o pseudônimo Sebage, integrou as bandas de rock Sangue de Cristo, Jesuítas, Trindade e The Ziggy Sounds (esta de covers de David Bowie). Atualmente fora da cena musical, planeja reatar laços roqueiros na pauliceia em 2015. Enquanto isso, edita o site Alagoas Boreal, de cultura, turismo, meio ambiente e história & patrimônio deste antigo território caeté.

 

 

E deus criou o rock alagoano

 

Um panorama da epopeia de guitarras, berros e atitudes que desafiam o tempo e o espaço


Jorge Barboza
 
O rock alagoano. Antes disso, vamos considerar que já houve banda de iê-iê-iê e o repertório de baile do antológico LSD no final dos anos 1960, liderado por Djavan e pelo legendário guitarrista Fleury. Houve o Odisseia nos anos 1970, banda do baixista Fernando Nunes (ex-Cássia Eller, atualmente tocando com Zeca Baleiro, mas deixando a veia de roqueiro fluir, ainda, em formações como o trio carioca Flenks), e havia o Porções Mágicas, com um jaggeriano Reinaldo Vieira fazendo covers, claro, dos Rolling Stones, The Who e cia. 
 
Um nome de muita responsa do rock alagoano é Zé Barros, irmão mais novo de Fleury, com quem ele diz que aprendeu tudo. Barros é o guitarrista herói dessa cena roqueira e aqui e ali ele faz a irmã cantora, Leureny Barbosa, perpetrar interpretações clássicas de rock como “Anjos do Sul” – dos Mutantes pós Rita Lee e Arnaldo Baptista –, isso já nos anos 1980, em antológica performance no teatro Deodoro, e bem recentemente na rede social de música YouTube, com uma incrível gravação de “Because”, dos Beatles. 

Boom de rock


Antes do Necronomicon, power trio formado há cinco anos prestes a lançar o segundo disco, a banda Mopho dividia as águas do tal rock alagoano em 1996, quando as facilidades tecnológicas deram mais possibilidades às bandas locais de gravar as composições, compartilhar na internet e pegar estrada rumo a destinos mais plausíveis. A Mopho virou um culto dentro deste nosso pequeno universo de sonoridades mais ou menos hard, mais ou menos psicodélicas, mais ou menos dark. 
 
Dentro do meu corpo
Um buraco sem fim
Um absurdo
Um surdo
Um suspiro
Dentro do meu corpo
Um desejo mais reprimido
Um comprimido
Uma droga
Um prazer
(“Dentro do meu Corpo”, Pensão Familiar)
 
Falando em dark, no final dos anos 1980, vestíamo-nos todos de preto – o alter ego do repórter aqui incluído, o Sebage, à frente da banda Sangue de Cristo, cantando dele e do guitarrista Sílvio Marne coisas como “A Galinha sangra” e “O Montepio dos Artistas”. O pós-punk alagoano... Impossível não evocar a também cultuada Pensão Familiar, a banda da performática cantora e atriz Aline Marta Maia e da cantora e compositora (não menos performática) Rosália Brandão. 
 
E mais: a pioneira banda punk Diarreia Cerebral, com o distinto concentrado guitarrista e compositor Augusto Góes nas cabeças.
Muita gente deixou história na seara: alegrias, frustrações e – claro, se vamos falar aqui de rock, punk rock, hard rock e heavy metal – muita doideira. Como cantavam os Stones em 1974 sob uma onda de espuma de sabão (e nós continuamos a repetir), “é apenas rock’n’roll, mas eu gosto”.
 
A galinha sangra
Na noite
Na escuridão
Embriagada
Sangue na estrada
Galinhas na calçada
Rios de larvas
Inundam o seu coração
Desesperado
(“A Galinha sangra”, Sangue de Cristo)
 
Meteoros. Nuvem passageira. Em São Paulo, o Sangue de Cristo virou a banda glam Jesuítas, tocando entre 1999 e 2004 em noites roqueiras de projetos como o “Música de Fundo”, do músico e produtor Moisés Santana, no café Piu Piu, templo roqueiro no bairro do Bixiga; na domingueira do DJ Pomba no (night) club A Lôka na rua Frei Caneca, e nas produções undergrounds do extinto bar Orbital na rua Augusta, percorrendo um trajeto na pauliceia desde a região central até os Jardins na zona Sul. Faixas gravadas nesse período estão disponíveis no MySpace https://myspace.com/sebage2008. O guitarrista Silvio Marne colaborou com esse entourage do vocalista e compositor Sebage desde as primeiras apresentações dele aqui, em 1987, no bar Axé e Arte na rua da Praia e no teatro de arena anexo ao Deodoro, ambos na região central de Maceió. 
 
Mas por onde anda Sílvio Marne, por onde anda o Romildo Nunes do Odisseia, parceiro irmão do Fernando? “Romildo está em São Paulo. Ele tem um CD maravilhoso de baladas e pop”, divulga o produtor amigo Teco Teles. Os vídeos estão no YouTube, as canções são boas, românticas. Romildo, ou melhor, Dinho Nunes virou um Lloyd Cole do pop alagoano, com violões, teclados e influência da música baiana – ele morou em Salvador por uns tempos. Marne foi para o Rio, foi para São Paulo, voltou para Maceió, retornou ao Rio... Continua sendo o guitarrista feroz que sempre foi. Aliou-se ao guitarrista Herman Torres, ex-Gang 90, outro exilado da província que também voltou e atualmente grava jingles, digamos, para sobreviver – sabe como é, ninguém vive de música autoral e menos ainda de rock em Maceió. 
 
Torres – mais conhecido por estas plagas como Many – fez história no Rio de Janeiro ao lado do visceral Júlio Barroso (1953-1984). Depois que o vocalista e letrista da Gang 90 caiu (pulou?) da janela do apartamento em que morava em São Paulo, Herman Torres pontuou a MPB com baladas incondicionais como “Paixão”, “Caminho do Sol” (também gravada por Zizi Possi) e regravou em território caeté o sucesso de 1983, dele e de Barroso, “Nosso Louco Amor”.
 
Nosso louco amor
está em seu olhar
quando o adeus
vem nos acompanhar
Sem perdão não há
como aprender e errar
Meu amor, 
vem me abandonar
Já foi assim
mares do sul
entre jatos de luz,
beleza sem dor
a vida sexual
dos selvagens
Agora aqui
passou a dor
na rua a luz
da cidade ilumina
nosso louco amor
É bom saber
voltou a ser
na rua uma
estrela ilumina
nosso louco amor
Nosso louco amor é mais que um lance de dados,
não abolirá nosso caso
(“Nosso Louco Amor”, Gang 90)

Flashbacks

No Facebook, lançamos a pergunta: “Quem tocava com o Djavan no LSD?” Zé Barros responde: “A formação do LSD era... Zé Lino, Tante, Sula, Beto Batera, Fleury e Djavan. Depois passaram vários músicos”. Beto Batera o ídolo nativo morto em 2010, aos 60 anos, vítima de cirrose hepática.
Lançada a questão na rede social, sobre a banda LSD e sobre o Romildo Nunes, imediatamente começaram as postagens falando de outra banda que não sai da lembrança, o Asas da Imaginação. A história do rock... Caeté? Pois é, havia uma banda, uma das tantas que contou com o virtuosismo de Zé Barros, que se chamava Os Caetés.
Nos anos 1960, toquei com Os Musikents, Os Tremendões, Os Milionários, Os Magros, e nos anos 70 com Os Wikings, Os Diamantes, United Youngs, Raízes, Os Caetés, Os Jovens, o LSD quando a banda já usava o nome Dimensão 7... Nos anos 80 toquei com a Big Banda Show e toquei no Asas da Imaginação, na Apocalypse Band, ah, nem lembro mais [risos]. O Asas teve um período de músicas autorais e a formação era Ricardo, Tony, Fábio, Géo Dalmeida, Nogueira e Pianola. Depois veio a formação ‘baile’ com Ricardo, Nogueira, Pianola, Pedrinho, Petrúcio e Zé Barros”, lembra o roqueiro veterano, que, como excelente instrumentista que é, anda se reinventando com um pé no free jazz a la Jeff Beck, mas com certo sabor regional, buscando quem sabe as referências do Agreste, da terrinha Paulo Jacinto. Tem clipes desse instrumental formidável no YouTube, procure “Zé Barros, teatro de Arena”. Outro dia ele postou na rede a suave “Dois Braços”, tema inspirado nas águas mansas da barragem Dois Braços, em Quebrangulo.
 
Pauliceia amiga

São Paulo tem tudo a ver com o rock alagoano. Muitas bandas desta seara caeté vão bater na porta da loja e selo Baratos Afins, no centro da capital paulista. O proprietário e produtor Luiz Calanca é admirador confesso do Mopho e das canções do vocalista e guitarrista João Paulo, empenhando-se no lançamento nacional da banda em 2000, com o primeiro álbum homônimo “Mopho”. E continua apostando nesse surpreendentemente vivo antropofágico rock caeté: em 2012, lançou mais um álbum de estreia, dessa vez do grupo Messias Elétrico, nova promessa maceioense que traz de volta o tecladista Leonardo Luiz – o mesmo que ajudou a criar aquele som original psicodélico do Mopho em 2000 e que, em 2004, foi co-responsável pelo bem sucedido segundo álbum, o “Sine Diabolo Nullus Deus”, que ele e João Paulo gravaram em estúdio caseiro, lançando-o nacionalmente, mais uma vez, pela Baratos Afins.
 
Tempos passados, nem todos permanecem na cena e quantos não se cansam ou simplesmente trocam as searas seja porque descobriram outras vocações ou porque objetivamente (financeiramente) não dava mais para segurar? O que importa não é o dinheiro, não é o amor? Importa quem ficou e quem chegou para ficar. Zé Barros se põe em dia com a própria trajetória e com todas essas novas e clássicas sonoridades possíveis e impossíveis, tocando rocks instrumentais e participando de diversos reagrupamentos com todo esse pessoal dos anos 1970. Confira nas agendas culturais dos sites, na página dele no Facebook e fique ligado, a qualquer momento um show desse monstro da guitarra, na capital ou em Paulo Jacinto e, se os deuses conjuminarem, com Sebage em São Paulo, brevemente.
 
O Mopho está no MySpace no link http://www.myspace.com/mophobrasil – entre as faixas disponibilizadas, clássicos como “Não mande Flores” e “Você me disse Adeus”, e mais os dois singles do álbum de 2011 “Vol. 3” (Pisces Records), “Caleidoscópio” e “Pessoas são de Vidro”, dão conta da qualidade e longevidade da banda. Na verdade os três álbuns podem ser ouvidos inteiros no YouTube e, se você procurar direitinho, também os encontrará disponíveis para o download. 
 
O quarto álbum está no gatilho. João Paulo diz que não pensa em tocar ao vivo, por enquanto, nem formar outra banda. Quer ficar em casa de novo com Leonardo Luiz. “Tocamos muito no ano passado, divulgando o ‘Vol. 3’. Vamos gravar do mesmo jeito que fizemos com o segundo álbum, eu e o Léo, alternando vários instrumentos. O resultado no ‘Sine Diabolo’ foi muito bom. O novo disco terá 11 faixas, três em parceria com Fagner Maranhão. Ele é um fã do Mopho há muito tempo, e a gente foi se conhecendo – acabamos compondo juntos essas três músicas.” 
 
O problema, segundo João Paulo, de gravar em casa, é que não há a pressão econômica do estúdio. “Como você não está pagando horas de gravação, vai esticando mais as coisas. Mas é muito bom, você acorda, tem uma ideia e vai lá gravar.” O guitarrista promete em breve disponibilizar um single na internet.
 
Não mande flores
Eu já cansei
Tenho andado assim
Longe, perto, aqui, ali
Na sua cabeça de foca, milhares de cores
Um pouco de sexo, drogas e rock'n’roll
Eles disseram, você não notou
Que eu sei fingir também
Não quis, não fiz, eu não, não eu
Na sua cabeça de foca, milhares de cores
Eles disseram, você não notou
Que eu sei fingir também
Não quis, não fiz, eu não, não eu
Na sua cabeça de foca, milhares de cores
Um pouco de sexo, drogas e rock'n’roll
(“Não mande Flores”, Mopho)
Caminhando para duas décadas à frente do Mopho, João Paulo diz que está feliz com a banda. “Somos reconhecidos em todo o país, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Temos essa coisa do feedback, recebemos correspondência do Amapá e do Rio Grande Sul, isso para falar em termos de extremos.”
Claro, continua sendo impossível viver do Mopho aqui em Maceió – reconhece o líder da banda. “Mas isso não tem importância, gravo músicas por outras razões”, sinaliza esse herói do rock das Alagoas.
E assim caminha o rock


Há uma maturidade roqueira por estas plagas que vem da trajetória de todas essas bandas, desde lá Os Musikents de Zé Barros nos anos 1960 e desde o Porções Mágicas no começo dos anos 1980. Desde o Living in the Shit no iniciozinho dos 90 e desde que o veterano apaixonado Cícero Flor – semeando um rock rural vibrante e sincero – lançou o primeiro álbum, “Trilha”, tardiamente em 2005, depois de anos e anos tomando porrada nesta terrinha nem sempre acolhedora. 
 
Em 2014, há o Autopse, surpreendente banda de death metal, a garota tocando bateria, outra garota soltando um impressionante berro gutural em rocks impossíveis cantados em inglês e português. Confere no YouTube, no SoundCloud, no Facebook – experimente o CD “Descontrole Mental” e mude um pouco esse pensamento passivo e florido e... Solar. Nem tudo no paraíso das águas é Lopana e brisa à beira mar.
 
Um dia Cabral foi dar o seu rolé. Ele tava muito puto, muito puto com a mulher. Pegou uma caravela encheu de macho e partiu. E descobriu uma nova terra que é chamada de Brasil.
Pero Vaz de pau duro com uma índia lá na praia. Deu um toque pro Mané, venha simbora pra gandaia. E não se esqueça, por favor, da vitrola e rapadura. E traga a cerveja que as mulheres tão todas nuas. (...)
Foi-se o tempo, o juízo e o ouro ninguém viu. Isso é cagado e cuspido, é história do Brasil.
Um dia uma bicha feia, era princesa Isabel, libertou os negros. Olha aqui esse papel. E um ano se passou o Brasil virou República, era 15 de novembro, quatro e 20 da madruga. (...)
Belo dia o Juscelino foi beber num armazém, encontrou Lúcio Costa e Oscar Matusalém. Pelas três da manhã, cheio de mel no seu juízo, foi cumprir uma promessa feita há tempo num comício.
Levantar uma cidade lá no cafundó do judas. Pra abrigar os picaretas e os comboios de prostitutas.
Foi-se o tempo, o juízo e o ouro ninguém viu. Isso é cagado e cuspido, é história do Brasil.
Em 64 com os milicos no poder. Tome porrada em todo mundo. Aqui nóis bota pra fudê. Com apoio americano o governo sucumbiu. E mandaram João Goulart para a puta que pariu.
20 anos de porrada. 20 anos de opressão. Torturaram os do contra no Natal e no São João. Até que Figueiredo se abusou de uma vez. E entregaram a mangaba pro bigode do Sarney.
Depois veio um playboy. Em seguida Itamar. FHC por oito anos com o PT a reclamar. E aguardente em pedra dura tanto bate até que Lula se elegeu presidente e indicou a substituta.
E agora meu cumpadre! A gente bota quem quiser. É só não vender o voto. E não ser um zé mané. E o Brasil tá crescendo, mas não tem educação. Deixe a novela de lado e ponha um livro em tua mão. 
 Foi-se o tempo, o juízo e o ouro ninguém viu. Isso é cagado e cuspido, é história do Brasil.
(“História do Brasil”, Herocoice)
 
Ou nem tudo é corrupção e malandragem partidária depois do lançamento em abril da banda Herocoice, encabeçada pelo vocalista Philipe Carvalho, egresso da banda de covers (de clássicos do Raul Seixas) Cachorro Urubu, e pelo guitarrista John Mendonça, responsável por uma levada de rocks de protesto que passam a limpo a canalha política brasileira e alagoana em petardos como “História do Brasil”, “Vermes da Lombriga” e “O Professor Deputado”, todos em parceria com Thiago Barros, sobrinho de... Zé Barros – sim, ele mesmo. Videoclipes escrachados e bem produzidos, roteirizados por Mendonça, invadiram o YouTube com personagens como a “Dona Vilma”, sisuda de tailleur vermelho distribuindo “pró-labores” para líderes do “Partido dos Maloqueiros do Brasil”, num inferninho no centro de Maceió – os “malandros” devidamente acompanhados de marafonas que logo se esbaldam no rock’n’roll tirando fora sainhas, blusinhas e sutiãs. Folgados e satíricos, os rapazes do Herocoice lembram os melhores momentos do Camisa de Vênus de Marcelo Nova.
 
E Arapiraca que já nos trouxe o Mopho agora vomita o Kranko, hardcore tosco louco tocado nos porões e garagens do interior – na histórica Penedo que tem até casa noturna para jovens (e decanos) metaleiros, o Metal Head Club. Não é ótimo? Ou é muita informação? Sim, talvez, e você acaba deixando escapar referências importantes e então, depois, corre o risco de o leitor ligar e dizer: “Poxa, mas você não falou nada do rock regional progressivo do Xique Baratinho”. 
 
Nem do acachapante Vitor Pirralho com retaguarda poderosa do grupo Unidade nem do iluminado Luiz de Assis amparado por uma eloquente usina sonora chamada Vibrações. Bem, estes são do rap, do reggae... Vão ficar para outro artigo, assim como o nervoso beat eletrônico do Sonic Junior.

A garotada

A nova geração roqueira nascida em Maceió e alhures tem um nome: Necronomicon, ou somente Necro, pois que, recentemente, decidiram simplificar as coisas. Mais uma vez, o som remete aos anos 1970 – a bandas como Led Zeppelin, Jefferson Airplane, Black Sabbath –, a sonoridades pesadas, psicodélicas e progressivas. E à literatura de horror e science fiction do escritor norte-americano H.P. Lovecraft (1890-1937), de onde surge este livro dos mortos chamado “Necronomicon” – espécie de Santo Graal às avessas. Mas é também o nome de outras bandas por esse estranho mundo de Jack. 
 
O enfant terrible Pedro Ivo, baixista, compositor e vocalista, justifica a mudança. “Necronomicon fechava muito num nicho, não somos tão ligados assim no horror, na literatura de Lovecraft... Estamos ligados em questões de ciclos de renovação. O prefixo necro que vem do grego e significa morte tem mais a ver, abre mais possibilidades.”
 
Ivo – integrante também do Messias Elétrico – é seguramente peça-chave dessa sonoridade clássica ao mesmo tempo modernizadora do rock made in Alagoas. “Ele é genial. E é muito simpático, educado e inteligente com aquela pinta de artista de verdade”, elogia o tecladista-coringa Dinho Zampier, ex-Mopho, atual Wado, Unidade, Cris Braun... 
 
 
In the end of day she's gonna kill you slowly

In the end of night she's gonna kill you again

Everyday she's gonna kill you

No escape, she's gonna kill you
In the dawn of time she was the whole universe

She's the Queen of Death and I've seen her face naked

Sadness is what she spreads

No way, you know you can't escape
Queen of Death I saw you face, I know your name

So I beg you, if you please, dont't kill me again

No, I can't stand anymore

I never suffered like this before
Let me touch your hands

Don't send me away

I don't understand

I don't wanna die
My Queen of death I love you

I'm trapped in a nightmare

Convicted by the memories
Save me
 
(“The Queen of Death”, Necro)
 
 
Pedro Ivo diz que o pessoal do rock têm afinidades “pessoais”, mas “não tanto estilísticas”. “Todo mundo se conhece e se relaciona, mas as bandas têm sonoridades diferentes.”
 
“Ele é muito eclético”, diz Zampier referindo-se ao baixista, que diz que no Messias Elétrico essa questão sonora “é mais fragmentada”. “São músicos com trajetórias diferentes, não podia ser de outra forma. A Necro é mais coesa, pensamos mais igual”, arremata o Pedro.
 
Que este artigo então possa servir aos leitores fãs das bandas mencionadas aqui como item de colecionador – um pouco de história, crítica e opinião é bom para situar. Que sirva, também, aos leitores que mal percebiam o assunto abordado e agora oxalá abram essas mentes e se entreguem ao deleite sugerido... O rock é sempre um bom motivo para se compartilhar – que estes 18 mil caracteres (um pouco mais) delimitados pelo editor tenham-se tornado afinal proveitosos. Até a próxima.

 

 

Luiz Sávio de Almeida: minhas lembranças são um quebra cabeça. Uma advinhação de São João


Minhas lembranças são um quebra cabeça (II): uma advinhação de São João

 Yes, a have mother and father
               
                 Eu sou filho de Manoel de Almeida e Maria José de Almeida, ambos de Capela, beira do Paráiba. Mamãe ainda era prima do meu pai, pois ela era filha de Fausto Vieira de Almeida, irmão da Tia Vidinha, a que casou com o Major Dionísio da Capela, irmão de Caetana Maria de Albuquerque, a minha avó Dondon. Diziam os povos da Capela, que o Major era rico demais; no verão, para que o dinheiro não mofasse, ele abria as burras e deixava tudo tomando banho de sol. Fausto, segundo diziam – e a crônica era gerada pela Dondon –, era meio irresponsável, gostava de um pé de bode, jogava pernada, mulherengo. Não era partido para a irmã do Major. Mas festa de São João é coisa arteira e a Dondon andou fazendo adivinhação e já viúva e quem sabe virgem pois o casamento foi breve, o marido levando uma mordida de cobra, chegando em casa carregado numa rede e logo se arroxeando e foi saindo desta para melhor. 

As perguntas que nos fazem
                      
Um dia, conversando com o Roberto Santos sobre patati e patatá, tomando um café que ele fez questão de pagar sob o argumento de que comeu mais do que eu, eu lhe disse: Olhe, eu acho que a gente vai tentar responder no trabalho científico de adulto,  os tipos de pergunta que se armazenam em nossa formação pessoal. Se as perguntas  – e elas obrigatoriamente não são registradas claramente – que eu me fui fazendo, me levassem para a física, possivelmente eu seria um físico. 
                   
                    Roberto Santos é um grande físico, uma inteligência finíssima. Eu mantenho; havendo engenho e arte para dar respostas, vamos atrás das perguntas que tínhamos guardadas.  Para mim veio o senso do histórico; para ele, veio o senso do físico. E engraçado, sempre achei que falávamos com línguas diferentes, as arquiteturas de pensamento para chegarmos ao real. Ele fala a física, ele se importa sobretudo com a energia e eu com uma  forma de  movimento no tempo feito pela minha avó Dondon, ela mesma uma tensão na ordem dialética. Eita porra, fui longe... Como dizia o Wilson Simonal: Vamos voltar à pilantragem! Mas antes, quero registrar que ele, entre cafés e sanduíches deu-me uma bela aula sobre a natureza e importância dos erros férteis na construção científica.

Voltando à pilantragem

                 
Papai e Mamãe
A Dondon era menina; foi casamento de coisa de quinze anos de idade.  Contam histórias pesadas deste casamento feito a contragosto, mas que era da vontade do Dindinho Neo, meu bisavó, dono dos Minhuns e que morreu esmagado entre dois vagões de cana; quando o trem fazia manobra, ele foi colocar o engate e coitado, torou aqui, lá nele. Sangreiro e sem jeito.  Dizia a minha mãe que eu sou ele todo, no jeito de falar, de sentar, de andar, de puxar conversa pois segundo ela sempre fui prosista. O povo usa uma expressão deliciosa: cagado e  cuspido. Para ser honesto, era assim que a minha mãe dizia: Você é a cara do Dindinho Neo, parece que tou vendo; é ele cagado e cuspido. Virge, até no jeito de sentar em cima da perna!
              
Ele era casado com a Dindinha Mariquinha; ela contada como santa e ele como danado. Diziam os mais antigos, que quando Mariquinhas morreu, os bois choravam no reservo e vieram escravos de todas as partes para chorarem sua morte. Foi muito triste e nem sei onde  ela foi enterrada, quem sabe lá pelos lados da Gameleira?.

           
Pois bem,  voltando a conversa, a viúva estava sem filhos e firulitando na Capela. Não sei em que ano o Dindinho Neo morreu. Vai que São João ajuda a descobrir verdades. A Dondon fez adivinhação para saber quem seria seu marido, que não era tonta e nem queria ficar eternamente viúva. Um dia, ela estava na casa da Tia Vidinha, bateram, foi atender e voltou correndo: “Vidinha. É o homem da adivinhação. É com ele que vou me casar!”. A sorte foi lançada e resultada também; nem precisa dizer, que o homem era o vovô Fausto de Almeida. Todos os três já viajaram. Dondon deve ter sido de velhice; Vidinha  de um câncer não sei por onde e Fausto morreu do mesmo mal. O inferno está de diabo com nome de câncer.  Meio dia, o sol quente, Fausto foi e tomou um copo de caldo de cana picado. Suado, além de muito mais coisa, tibungou no Poço do Pai Pedro e já tiraram roxo. Este era um modo de não falar naquele nome: o câncer. O velho teve foi na garganta e deve ter morrido numa profunda agonia. 

               Dizem os mais velhos, alguns antigos, que estes Albuquerques vieram pelos fins do século XVIII lá dos lados do Bom Jardim e por conta de uma seca braba; gente que veio descendo lá de Pernambuco e quem sabe no rumo do Papacaça bateu dentro de Quebrangulo, um pulo só para Viçosa e Capela e mesmo para Atalaia mais lá embaixo, que tudo era da mesma água do Rio Paraíba do Meio, a piaba que se pegava em cima era prima da que se pegava  mais para baixo. Já os Almeidas estão seguramente pelos finais do século XVII, últimas lidas de guerra com os Palmares, vindos de Antônio Roiz Vieira que mandou buscar sua mulher em São Paulo e ela subiu navegando em uma sumaca e apareceu a Dona Inácia de Almeida Braga.


               Antônio Roiz Vieira pediu confirmação de sesmaria na bagatela de três léguas em quadro, com centro na Barra do Porangaba e deles é que vieram os dois fantásticos Antônio de Almeida Braga; um era conhecido como o velho, o edificador do Flexeiras no dizer saberoto  do primo Wenceslau de Almeida; o outro era o Antônio de Almeida Braga, o chamado caudilho, o do Tamoatá que liderou a Revolta de Imperatriz, passando e muito pelos lugares da também fantástica povoação do Arrasto de Santa Efigênia. O Almeida Braga novo, o neto, o caudilho, o do Tamoatá escreveu um incrível artigo  intitulado Ódio Velho não Cansa! É uma peça extraordinária  para se discutir a mentalidade e as regras que faziam comportamentos e expectativas do senhorial daquele tempo.


               Uma vez quando conversava com um parente dos antigos, ele me disse: “Caboclinho – assim me chamavam – aquilo era um tempo brabo da peste! Ou a gente resolvia ou era resolvido!”. Foi deste tempo que comecei a tomar gosto para entender a ética senhorial, aquela que tem a coragem pública de argumentar que Ódio velho não cansa!, semelhante a  dizer que vingança é um prato que se come frio. Foi por aí que tudo se chamava resolver negócio: ou resolvia ou desse adeus.  Ninguém se achava criminoso, especialmente quando batia na honra da família. E ouvi muito, no pé e na cabeça do ouvido,  sobre a existência de categorias radicais como família e é do seu sangue: “É seu sangue, meu filho!”.
              
           Ainda bem que dá minha geração por diante – quem sabe pelos efeitos das mudanças urbanas – e a começar por mim, todo mundo é frouxo. Não nasceu alguém brabo. A gente só deu para paz e amor, uma antecipação alagoana da geração dos ripongos.  A veia Dondon, mãe de minha mãe, dizia brincando mas com uma ponta de reclamação: “Na família da gente acabaram-se os homens!”.  Ainda bem, que é tudo frouxo, digo eu escrevendo estas mal traçadas linhas.  Tio Lourenço – não o tio Lourencinho –  que, quando mexiam com ele,  era mais brabo do que siri dentro de uma lata, mas um verdadeiro lorde britânico da Capela, Arapiraca e adjacências pelos modos e educação finíssima que tinha, vivia de pagode e dizia: “Mãe, Almeida virou marca de cachaça!” e criou para a geração dos filhos e dos sobrinhos, um lema de família. 


               Lembro de uma cachaça em um carnaval e acho que foi na Pinguim, lá na cabeça da Praça de Arapiraca e Tio Lourenço já estava p’rá lá de tungado, usando uma bermuda mas de chapéu na cabeça e dos bons; foi com ele que aprendi a usar chapéu: “Caboclinho, você não sabe como é bom tirar o chapéu p’ra uma menina. Bote esse aqui e experimente!”. E não é que era bom mesmo! Mas pois bem, apois a conversa foi indo, e tudo quanto era assunto foi passando e eu ficando nos limites de sobrinho que não era besta de passar deles. Aí, conversa vai e conversa vem – a bebida entre nós sempre foi a limpa, mas ali só tava sendo cerveja, treco que ninguém bebe, só urina ou só é para verter água, como se usava dizer  –,   Tio Lourenço sai com uma de suas pérolas e resume os tempos novos: “Savinho, meu filho, fica assim: Almeida quando não pode peida!”. E aí o kikiki e o  kakaka tomaram o tempo do resto da tarde. 
Tío Cícero e Tia Antônia

                Tio Lourenço foi o homem que vi,  nestes tempos todinhos em que estou vivo, que mais entendia de puia. Vá entender de puia assim, na casa da peste. Era fino. E tinha cada história de fazer a gente ouvir por hora e meia. Era o contrário do Tio Lourencinho, homem santo, casado com a Tia Mocinha, gente ligada diretamente ao Padre Cícero Romão Batista, Ainda conheci ele, mas este  é outro assunto. Tanto era a ligação, que a veia Dondon teve um filho chamado Cícero Romão Batista que pela ironia do destino foi ser do Partido Comunista.  Teve também o Tio Floro Bartolomeu que nem conheci.

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