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sábado, 20 de junho de 2020

Pedro Abelardo de Santana. Choro e Tristeza do Cacique Aperipé. [Memória da Pandemia nas Alagoas]



Choro e tristeza do Cacique Aperipê

Pedro Abelardo de Santana

Professor da UFAL e doutor em História pela UFBA



Vou trazer à tona notícias de Sergipe de quase cinco séculos atrás. Ou seja, falarei de algumas “pestes”, nome dado às epidemias que matavam os índios do litoral do Nordeste por volta da década de 1560. Aperipê aparece no título para simbolizar os diversos indígenas dos quais não conhecemos os nomes. Ele era um cacique da época, uma das poucas lideranças que a história registrou o nome. A temática a ser exposta está no nosso dia a dia porque vivenciamos uma calamidade na saúde. Acredito que cabe aos professores de história como eu, assim como fazem outros profissionais dentro de suas especialidades, compartilhar nossas visões sobre o assunto, dialogar com o público geral, apontando os cenários do passado e projetando outros para o presente e o futuro.

Duas notícias recentes me inspiraram a escrever sobre epidemias na nossa história, especialmente as que atingiram os indígenas. A primeira, o comunicado sobre a morte, vitimada por covid-19, de uma mulher indígena alagoana no hospital de Propriá, em 9 de maio. A tristeza que acompanha esta morte nos traz à memória outra questão, o da existência de índios atualmente em quase todos os estados da federação. Nunca é demais lembrar, os índios permanecem convivendo conosco apesar de terem sofrido opressões políticas durante séculos, além de serem vítimas muito vulneráveis aos vírus e bactérias. A mulher citada pertencia ao grupo Kariri Xocó de Alagoas. Hoje, em Sergipe, habitam os Xocó, em Porto da Folha, e os Fulkaxó em Pacatuba.

A segunda notícia inspiradora saiu no portal G1, no primeiro dia do mês atual. Informava que a covid-19 já havia matado 178 índios no Brasil e contaminado 1.809. De lá para cá esses números só aumentaram. É uma informação que nos alegra por provar a permanência e crescente número de indígenas no Brasil. Pelo último censo de 2010, o país conta com quase 810 mil indígenas, falantes de centenas de línguas. Mas saber da recente mortandade é preocupante por nos fazer lembrar que os indígenas, como mostra a história, são mais vulneráveis para morrer por doenças virais. A par deste conhecimento, caberia uma atenção redobrada dos órgãos estatais de saúde sobre a situação dos indígenas, mas isso não está ocorrendo segundo manchetes recorrentes da imprensa.

Após indicar as questões motivadoras, vamos às notícias de antigamente, do tempo do cacique sergipano Aperipê, no século 16. Esse recuo de cinco séculos se justifica porque as fontes sobre a época e os fatos são mais abundantes. Um padre jesuíta chamado Vicente Rodrigues escreveu que, em 1552, na Bahia “sucedeu grande mortandade destes que tornaram atrás...”, isto é, dos índios que continuavam promovendo festas com fartura de comida ao invés de se converter ao catolicismo e mudar os costumes sob a orientação dos padres. Maior mortandade ocorreu entre as crianças. Deixemos de lado a explicação tendenciosa do padre para a causa da doença e foquemos no registro da epidemia. Na época, Sergipe fazia parte da Bahia, como a localização das mortes não está indicada com precisão, podemos inferir que esses óbitos ocorriam após os índios do litoral do atual Nordeste estabeleceram contato com os colonizadores – padres, soldados, piratas e donos de engenhos.

Na década seguinte, o padre Antonio Blasquez, escreveu que na Bahia, em 1564, “aconteceu entre eles [índios] duas grandes mortandades, a primeira “umas febres” que matavam rapidamente; a segunda, “umas varíolas ou bexigas” que causavam grande espanto e horror. Nas comunidades indígenas poucos se salvavam ao contrair doenças através de vírus e bactérias. O padre esclareceu o estado de horror dos índios acrescentando que, “não se viam entre eles bailes e regozijos, tudo era choro e tristeza”. A falta de remédios eficientes até para atenuar os efeitos secundários das doenças, justifica o horror retratado pela fonte.

Nos séculos seguintes, muitas epidemias assolaram os índios em diversas partes do país. O século 20 testemunhou a morte de vários povos indígenas por doenças após o contato. Como vivemos um cenário mundial tenso em decorrência de uma pandemia, podemos olhar para o passado e ver como episódios semelhantes foram encarados. É claro que existiram epidemias muito mais graves do que as relatadas neste texto, porém, objetivei destacar apenas alguns casos. O medo é uma sensação comum, embora existam os incrédulos. Evitar eventos com aglomeração, como as festas, não é coisa nova. O avanço da ciência médica no século 21, até ontem, dava a sensação para alguns de que pandemias não ocorreriam mais com tanta gravidade. Era uma ilusão. Asiáticos, europeus, africanos, indígenas, enfim, nenhum grupo étnico está livre do contágio em massa. O que podemos fazer? Buscar sobreviver, seguir os cuidados recomendados pela medicina, reorganizar a vida depois que a situação amenizar. Afinal, esses surtos acompanham a humanidade.



Luiz Sávio de Almeida e Aprigio Vilanova. Alagoas nos tempos do Coronavírus. [Memória da pandemia nas Alagoas]




A aquarela é de Eduardo Bastos,  quem agradecemos!

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