O virus
enquanto espero o tempo passar (II)
Luiz Sávio de Almeida
A catástrofe americana
E ele é um espetáculo que pode ser doloroso para os
que se encontram reclusos; chega com uma trama muito superior à do cinema
catástofre, ao gosto americano, conforme discutiu Sontag e que deriva dos
pos-guerra, com inícios beirando os anos cinquenta. Pelo nosso ver, o americano
chega sempre próximo à destruição do mundo, que não se acaba graças a um
super-herói que emerge, pois existe no capitalismo uma magia inesgotável de
salvação; neste sentido, o Olimpo americano sempre foi tão cheio quanto o grego,
de onde saíram deuses, semideuses e
heróis magníficos como Hércules e trágicos a nosso ver como Sisifo que foi
condenado a uma rotina de sim-chegar e não-chegar, uma contradição que ele não
resolve e portanto não se liberta mas onde tem de viver a trama que lhe foi
ditada.
Eu sou e sempre useiro e ávido pelos textos de Albert Camus; ele nos deixa pasmos pela possibilidade de poder pensar e mais do que
isto, imaginar, a felicidade de um Sísifo.
Se o capitalismo americano estivesse neste universo de Sífifo, não
estaria a todo custo procurando ver-se em destruição para sentir-se salvar-se? Não será que ele, o modo capitalista de ser
americano, enuncia a tese de que sempre
encontra a salvação em si mesmo e, se não fosse isto. estaria perdido o manifest destiny, vindo ainda da
década de 40 do século XIX e um grande elo de sua tradição?
O sofrimento da Depressão, o sofrimento da guerra,
levava automaticamente à deificação da catástofre? O Capitão América
representando o maravilhoso, aparece e
vence vilões; sempre há uma luta em que se teme pela sorte do escudo, mas ele
se recupera, vence, salva a América e protege o próprio mundo da destruição. Há
uma América incansável em sua tarefa de ser América e quando falta herói
terreno, vai-se em busca de um outro planeta e, assim, solução não falta, da
mesma forma que um ser bisonho nasceu para representar o complexo de salvação
da sociedade do capital na britânica terra da monarquia: 007.
O orgulho do The Six Million Dollar
Man – a demonstrar a renovação biológica – levou a maravilha da
tecnotrônica – bela palavra de Darcy
Ribeiro – a ser no anedotário brasileiro, comparado a Frankstein, na mania que
temos de zombar de nós mesmos: o The Six Million Dollar Man foi
fabricado pela Nasa e o desconjuntado monstro britânico, pensado na segunda
década do século XIX, pelo sistema de saúde nacional. Péssima anedota.
O trágico americano, nesta circunstância que
estamos discutindo, é o gosto que ele
tem de ser imemorial e é desta forma, que, independendo de seu jeito de ficção
científica americana, ele não é desconhecido em seu modo de ser uma epidemia: epi demos. O
epi-demos esteve entre nós e sempre estará nas suas variadas formas de
perversão maligna.
A morte
e o desespero funerário
Hoje começa o mês de maio que no calendário católico é tempo de se
render homenagem e devoção à Virgem
Maria. Será um mês duro para a sociedade brasileira, que vem passando pelos
vexames da pandemia e, agora, vai ingressado em fase
mais pesada e, infelizmente, espero que se estenda para os fins de julho,
podendo, depois, amainar embora todo o fim desta verdadeira via crucis somente termina com
medicamentos eficazes ou com a eficácia não somente da vacina, mas da
vacinação; ter a vacina e vacinar são duas situações absolutamente diferentes,
embora, como é óbvio, a ação depende do
objeto.
Alagoas, como falamos, sempre viveu atormentada pelo maligno das
doenças, com a bexiga sendo das mais constantes, persistente mau grado a vacina
que veio depois e que tanto problema viveu.
Ainda hoje chamamos de bexiguento a quem consideramos que não presta.
Não há um momento da história do século XIX, que algo não estivesse com mortes
aqui e ali, pela bexiga, febre amarela e outros tantos males. O Corona não seria, portanto, novidade, se
não fosse a forma dele ser e acontecer.
Somos uma cultura que se não tivesse sido vítima de tanto sofrimento,
jamais teria incorporado a expressão
Casa da Peste. Como se pode sentir, estar com a doença é familiar e estar com a
desigualdade também. E tudo é persistente, como parece será este virus da peste
sobre o qual pouco se sabe, para o qual não existe vacina e do qual se pode
esperar retorno. Comentando sobre o que é chamado de passaporte de imunidade,
Pinto (2020) escreveu que a partir de
uma revisão de 20 trabalhos científicos, não é possível afirmar que os
indivíduos com anticorpos estejam isentos do retorno[UdW1] .
Não podemos imaginar o que vai
nos acontecer, por causa de inúmeros
fatores e dentre eles pesa, especialmente o fato de que o povo não manteve a rigidez do
chamado isolamento e ele teria de ter um limite até ser fortemente conduzido
pelo mando policial do estado. Por outro lado, nunca vivemos qualquer
experiência semelhante mas a memória os
possibilita buscar imagens e inventar preenchimento de vazios.
Quando nos debruçamos sobre isto, sempre passa na cabeça, alguns acontecimentos como os de
Guayquil no Equador, com caixões nas ruas, mortos dentro de casa, colapso nos enterramentos,
urnas funerárias empapeladas. Se a morte
termina por comover, leva ao espanto, com a quebra dos nossos padrões de cultos
funerários e, isto, não somente aqui, mas pelo mundo, pois tudo tornou-se e quase se esgota na
invisível sensação de que estamos sempre na intimidade de áreas de risco para
contágio. O virus pertuba exposto ou
escondido, o mediato e o imediato do que os antigos usavam chamar de andaço
dando a tudo, mesmo do espaço ultrapequeno como o de um quarto, contudo, a
dimensão do mundo.
Sempre passam acontecimentos no
Equador e que foram terríveis. Hoje, o The New York Times traz uma grande
reportagem sobre o colapso do serviço de enterramento em New York: We Run Out of Space: Bodies Pile Up as N. Y. Struggles to Bury its
Dead. Tudo isto está perto de
nós e lembrei que por estes dias, em Manaus, as covas eram valas e se chegou a
enterro com corpos empilhados, no desespero administrativo de dar conta sobre o
descalabro que foi inesperado aqui, na França e no Japão. Nisto, vai crescendo
o impacto na rede, atingindo a tropa que seria o corpo de saúde a lutar contra
a doença. O número de pessoas que atendem aos doentes e que foram infectadas é
grande no país e em Alagoas já houve vítima.
Anotações
e história
É em torno deste ser sobre o qual pouco é sabido,
que estas notas são desenvolvidas e sem grandes pretensões, tanto no que diz
respeito ao conteúdo, quanto na metodologia para realizá-las e, na verdade,
elas estão a sabor do dia, do impulso que leva a escrever. Poderíamos
equacionar melhor o modo como serão escritas, dizendo que estão à disposição do
sabor que o dia pede: vez que é mais isto, vez que é mais aquilo. No entanto,
elas têm uma condição que as unifica: são parte de meu isolamento, palavra meio
retumbante para apenas dizer sobre os dias em que fico recolhido em casa, na
tentativa de estar, o menos possível, exposto ao público, como se
existisse a priori uma definição cujas
preliminares já levantamos: o virus assume prioritariamente a área da ágora e as pessoas a área do domus, parecendo haver uma
inversão pois o que é bem fica preso e o que é mau fica solto, uma subversão
até mesmo do que alguns mencionam como democracia grega.
Se nós tomarmos a herança aristotélica na teologia
católica de São Tomás de Aquino, veremos que ela não veda a possibilidade do
Doutor Angélico falar sobre o tiranicídio, a possibilidade de destruir o erro,
indo-se à guerra por uma causa justa. Estamos em uma guerra justa. Neste
sentido, de domus e agora, o
comando é do virus que nos obriga a estarmos em defesa. Sei que esta imagem que
criamos é forçada, mas foi realizada para trazer para a tragédia do Corona, um
senso greco-alagoano, ampliando em nós o epi e o demia em oposição ao senso latino do quarenta+ena.
[UdW1]PINTO,
Ana Estela de Souza. OMS diz que “passaporte de imunidade” ainda é inviável:
entenda por quê. Folha de São Paulo.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/oms-diz-que-passaporte-de-imunidade-ainda-e-inviavel-entenda-por-que.shtml.
Acessado em: 25 Abr. 2020