UM OLHAR SOBRE O QUILOMBO CAJÁ DOS
NEGROS EM MEIO A PANDEMIA DE COVID19
Israel da Silva Oliveira
Quilombola da comunidade Cajá dos Negros e estudante de Ciências Sociais, UFAL
Esta publicação deve-se ao Professor Amaro Hélio Leite da Silva
Esse texto, de caráter descritivo, sobre os efeitos da pandemia na comunidade Quilombola Cajá dos Negros, localizada no município de Batalha/AL, embora não represente a realidade dos quilombos em Alagoas, espero que possa ser útil para a reflexão de parte dessa realidade, como também uma voz nessa narrativa.
Os efeitos da pandemia na realidade
brasileira atingem a dinâmica do país de forma negativa, agravando as condições
sociais de parte da população, sobretudo de grupos quilombolas, que não estão
nas melhores condições desta composição social, e sim à margem do “plano
desenvolvimentista” do país.
Certificada em 2005 pela Fundação
Cultural Palmares, a comunidade Quilombola Cajá dos Negros possui cerca de 86
famílias e se encontra em processo de obtenção para titulação das terras. Até o
presente momento, no que se refere a uma política de acompanhamento do governo
federal na comunidade, não existe qualquer ação. Na terça feira, dia 16/06/2020,
foi aprovado na câmara dos deputados o projeto de lei 1142/20 que apresenta uma
proposta de combate ao coronavírus para os indígenas e quilombolas em âmbito
nacional. Com relação a Alagoas, o Tribunal de Justiça solicitou que a
Secretaria de Saúde garanta a inserção de informações sobre as comunidades
quilombolas e povos indígenas na coleta de dados em prontuários médicos e
registros relacionados ao Covid-19.
Desta maneira, até que se efetue
essa solicitação e o projeto de lei, como também o acompanhamento e as
orientações sanitárias necessárias, as comunidades quilombolas – inclusive a
Cajá dos Negros – estarão numa condição de invisibilidade no cenário
epidemiológico alagoano.
Depois de um levantamento estatístico
na comunidade, segundo a líder comunitária Ivaniza Leite da Silva, até o
momento da escrita deste texto (19/06 /2020), apareceram dois casos da Covid-19
de quilombolas residentes na comunidade. É importante destacar que só um desses
casos entrou para a contagem, pois foi detectado em exames já no hospital em
Arapiraca, devido a outras complicações que levou o indivíduo a tratamento. Desta maneira, sem a existência de teste para
o acompanhamento epidemiológico da comunidade, nos encontramos na situação de
incerteza e desinformação quanto a real situação de infectados comunitariamente
e a real gravidade do novo coronavírus para as nossas vidas. Ainda segundo
Ivaniza, a comunidade tem, atualmente, cerca de trinta pessoas com problemas de
diabetes e hipertensão, além de um número de indivíduos considerável que é de
extrema importância para o grupo, os idosos; ou seja, uma parcela significativa
do grupo de risco.
Até o momento, chegou à comunidade
a doação de quarenta cestas básicas de alimentos pela Associação de
Agricultores Alternativos (AAGRA), distribuídas entre as famílias mais
necessitadas. Em meio a essa realidade, por iniciativas próprias e articulação
de informação entre lideranças quilombolas do estado, vem se realizando buscas
e inscrições em editais e fundos de recursos para o enfrentamento da pandemia.
Com parceria na elaboração de projeto junto a alunos da UFAL,
através do Núcleo de
Estudos do Semiárido Alagoano,
a comunidade foi aprovada no
fundo Baobá, com um projeto que visa realizar na comunidade a seguintes ações:
transformar a sede comunitária em um centro de apoio, com objetivo de produzir
material informativo sobre o covid19; e transformar a mesma sede em local de
recebimento e distribuição de alimentos, produtos de higiene e produção de
máscaras. Dentro deste mesmo edital, destina-se a compra de material de higiene
e alimentos a serem distribuídos comunitariamente.
Outra ação importante da comunidade
foi a emissão de um requerimento ao Tribunal de Justiça de Alagoas solicitando auxílio
para o combate ao Covid19, que não foi aprovado pois justificaram que essa
solicitação foi feita através da associação que, no presente momento, não
estava juridicamente preparada para atender os requisitos. Isto pode nos levar
a uma reflexão sobre as comunidades quilombolas não certificadas, que dentro
desta realidade torna-se invisibilizadas, conforme afirmamos anteriormente, ou
seja, uma invisibilidade institucional.
É de extrema importância o
reconhecimento da realidade quilombola e ações governamentais para com as
comunidades, inclusive a Cajá dos Negros, em meio as demais. Caso o acesso à
terra, em processo de titulação, estivesse efetuado, considerando a situação acima
descrita, julgo que a pandemia teria efeitos diferentes; não eliminando sua
existência na realidade quilombola em Cajá dos Negros, mas oferecendo mais
capacidade de isolamento social, saúde e proteção à vida; além de efeitos
econômicos menos graves, assegurando condições de reprodução social.
Vidas quilombolas importam! Vidas do Cajá
importam!