Tempos de vida, virus e
isolamento
Joelle Malta
Atriz e contadora de histórias
Abril, 2020
Corona virus: life and isolation times Corona virus: tempi di vita e di isolamento
Os últimos dias
trouxeram a sensação de que tudo virou do avesso. E, virou mesmo. Dia desses, ouvi
uma música de Caetano Veloso e um dos versos não sai da minha cabeça: “Alguma
coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial.” Muito se tem falado
sobre as mudanças do mundo, que nada será como antes e que estamos passando por
uma transformação. Acredito que há uma nova ordem se estabelecendo, uma nova
forma de viver, de conduzir os dias e de se relacionar com o outro, com a
natureza, com o trabalho, com nossas escolhas de vida... Sinto que muitas e muitos
de nós estamos desenvolvendo um novo olhar sobre o todo.
Eu estou isolada há
mais de 40 dias. Passei quase dois meses em São Paulo e decidi ficar em
quarentena assim que voltei de viagem. Fui surpreendida por uma forte crise de
garganta que me deixou com 39 graus de febre e me fez cogitar a possibilidade
de ter tido a covid-19. Mas não tive.
Nesse período, minha
casa tem sido também meu abrigo, meu casulo. As paredes são testemunhas das
minhas angústias, do medo, dos soluços ao despertar depois de um pesadelo às 6
horas da manhã, quando só consegui dormir às 4 horas da madrugada. Sim, sou
mais uma pessoa que tem trocado o dia pela noite. Rotina e sono totalmente
desregulados. A fim de organizar os meus dias, eu escrevi uma lista com uma
série de coisas para fazer. Algumas, eu nem comecei. Outras, até iniciei, mas
não consegui terminar. Surge com isso a estranha sensação de procrastinação.
Estou sempre me sentindo como se estivesse deixando os meus planos para depois.
Mas de algum modo, eu estou. Sobre isso não há muito o que fazer.
Minha casa também tem
testemunhado meus momentos de otimismo, meu corpo dançante, os poemas lidos, os
vídeos produzidos, o cuidado com as plantas, as brincadeiras com as minhas
cadelas, meus sorrisos saudosos ao conversar com amigos e família. Aliás, a
saudade tem feito morada em muitos de nós. Meus dias oscilam também entre o
ócio e a necessidade insistente de ser produtiva. Já abro os olhos pensando no
que eu tenho que fazer. É como se até ócio precisasse ser criativo o tempo todo.
Há um lado positivo nisso, quando me sinto incentivada a tirar da gaveta alguns
desejos profissionais e colocá-los em prática. Mas nem sempre é assim.
Boca seca, coração
acelerado, impaciência, falta de apetite e outros sintomas me avisam que a
ansiedade está me rondando. O que explica os dias que vi nascer. Não é somente
estar isolada em casa que provoca essa miscelânea de emoções e sentimentos, mas
todas as incertezas, as posturas e os discursos descabidos de quem tenta
minimizar o problema, as imagens aterrorizantes ao redor do mundo, o número de
mortos.
Em meio ao caos, entre
um dia estranho e um dia bom, tento manter a calma embora seja difícil manter a
sanidade em meio a tantas notícias ruins. Mudo dependendo do dia. É natural se
sentir mais sensível em meio a esses acontecimentos. De uma maneira ou de outra,
estamos vivendo um luto. A tristeza vai e vem. Faz parte do processo. Embora o
estado de preocupação e melancolia prevaleça, ouço um chamado para me
reconectar com minha alma, com meu eu, de me reinventar, de repensar alguns
pontos e planejar novos passos.
Comecei a perceber que estar
conectada o tempo todo estava me fazendo muito mal. Eu tenho me afastado dos
jornais, das redes sociais, onde me percebi bem ativa. Ainda assim, é a
tecnologia que tem nos ajudado a estar em contato com quem amamos, então, não
tem como abdicar totalmente dela. A arte tem sido minha ferramenta para estar
mais no mundo real e menos no virtual. Tenho conversado com outros artistas
locais e de outras cidades do país trocando sobre o que temos sentido, vivido e
pensado nos últimos tempos. As angústias, as dificuldades e a esperança são
muito semelhantes. Há momentos mais melancólicos, momentos mais otimistas e
seguimos nos fortalecendo.
Que tudo isso passe
logo para que as angústias sejam breves!
Esta série tem por objetivo
publicar depoimentos sobre como se pensa e se lida com o Corona em
Alagoas. Está aberta a toda e qualquer
pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para
um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O
material será publicado paulatinamente
no suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo organizado por Carlos Lima, Mestre em
História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog
pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele publicada.