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terça-feira, 28 de abril de 2020

Joelle Malta. Tempos de vida, virus e isolamento. Memória da Pandemia nas Alagoas (XIX)



Tempos de vida, virus e isolamento
Joelle Malta
Atriz e contadora de histórias
 Abril, 2020
 Corona virus: tiempos de vida y aislamiento  Corona virus: temps de vie et d'isolement
       Corona virus: life and isolation times Corona virus: tempi di vita e di isolamento




Os últimos dias trouxeram a sensação de que tudo virou do avesso. E, virou mesmo. Dia desses, ouvi uma música de Caetano Veloso e um dos versos não sai da minha cabeça: “Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial.” Muito se tem falado sobre as mudanças do mundo, que nada será como antes e que estamos passando por uma transformação. Acredito que há uma nova ordem se estabelecendo, uma nova forma de viver, de conduzir os dias e de se relacionar com o outro, com a natureza, com o trabalho, com nossas escolhas de vida... Sinto que muitas e muitos de nós estamos desenvolvendo um novo olhar sobre o todo.
Eu estou isolada há mais de 40 dias. Passei quase dois meses em São Paulo e decidi ficar em quarentena assim que voltei de viagem. Fui surpreendida por uma forte crise de garganta que me deixou com 39 graus de febre e me fez cogitar a possibilidade de ter tido a covid-19. Mas não tive.
Nesse período, minha casa tem sido também meu abrigo, meu casulo. As paredes são testemunhas das minhas angústias, do medo, dos soluços ao despertar depois de um pesadelo às 6 horas da manhã, quando só consegui dormir às 4 horas da madrugada. Sim, sou mais uma pessoa que tem trocado o dia pela noite. Rotina e sono totalmente desregulados. A fim de organizar os meus dias, eu escrevi uma lista com uma série de coisas para fazer. Algumas, eu nem comecei. Outras, até iniciei, mas não consegui terminar. Surge com isso a estranha sensação de procrastinação. Estou sempre me sentindo como se estivesse deixando os meus planos para depois. Mas de algum modo, eu estou. Sobre isso não há muito o que fazer.
Minha casa também tem testemunhado meus momentos de otimismo, meu corpo dançante, os poemas lidos, os vídeos produzidos, o cuidado com as plantas, as brincadeiras com as minhas cadelas, meus sorrisos saudosos ao conversar com amigos e família. Aliás, a saudade tem feito morada em muitos de nós. Meus dias oscilam também entre o ócio e a necessidade insistente de ser produtiva. Já abro os olhos pensando no que eu tenho que fazer. É como se até ócio precisasse ser criativo o tempo todo. Há um lado positivo nisso, quando me sinto incentivada a tirar da gaveta alguns desejos profissionais e colocá-los em prática. Mas nem sempre é assim.
Boca seca, coração acelerado, impaciência, falta de apetite e outros sintomas me avisam que a ansiedade está me rondando. O que explica os dias que vi nascer. Não é somente estar isolada em casa que provoca essa miscelânea de emoções e sentimentos, mas todas as incertezas, as posturas e os discursos descabidos de quem tenta minimizar o problema, as imagens aterrorizantes ao redor do mundo, o número de mortos.
Em meio ao caos, entre um dia estranho e um dia bom, tento manter a calma embora seja difícil manter a sanidade em meio a tantas notícias ruins. Mudo dependendo do dia. É natural se sentir mais sensível em meio a esses acontecimentos. De uma maneira ou de outra, estamos vivendo um luto. A tristeza vai e vem. Faz parte do processo. Embora o estado de preocupação e melancolia prevaleça, ouço um chamado para me reconectar com minha alma, com meu eu, de me reinventar, de repensar alguns pontos e planejar novos passos.
Comecei a perceber que estar conectada o tempo todo estava me fazendo muito mal. Eu tenho me afastado dos jornais, das redes sociais, onde me percebi bem ativa. Ainda assim, é a tecnologia que tem nos ajudado a estar em contato com quem amamos, então, não tem como abdicar totalmente dela. A arte tem sido minha ferramenta para estar mais no mundo real e menos no virtual. Tenho conversado com outros artistas locais e de outras cidades do país trocando sobre o que temos sentido, vivido e pensado nos últimos tempos. As angústias, as dificuldades e a esperança são muito semelhantes. Há momentos mais melancólicos, momentos mais otimistas e seguimos nos fortalecendo.
Que tudo isso passe logo para que as angústias sejam breves!

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele  publicada.

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