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terça-feira, 28 de abril de 2020

Alexandre Ramos. Prefiro evitar o contato com certas notícias. Memória da pandemia nas Alagoas (XXI)


       
 

Prefiro evitar o contato com certas notícias
Alexandre Ramos
Estudante de Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas

Eu acordo entre 9h e 10 horas, mais tarde que o que eu costumava acordar antes da quarentena. Iniciei a leitura de um livro do sociólogo Zygmunt Bauman, Amor Líquido. Leio sempre pela manhã. Durmo à tarde, pós almoço, e tenho conseguido fazer exercício por 30, 40 minutos. Adquiri novos hábitos. Um amigo me indicou ouvir áudio books. Iniciei a experiência com Dom Casmurro, de Machado de Assis. Tem me feito bem. À noite, geralmente ocupo meu tempo no computador, ouço músicas ou assisto a séries. Também não costumava assisti-las, mais um hábito adquirido.

          Não lidar profundamente com a Covid-19 é uma estratégia de cuidado com a minha saúde mental, mas confesso que a ansiedade anda sendo uma amiga presente. Tenho me sentido inquieto. Eu não consigo me concentrar ou ficar parado num lugar. Fico entre o computador, o sofá, penduro a rede na garagem de casa, mas logo fico impaciente e irritado. Coloco música, mas não consigo ao menos ouvi-la até o fim. Tento ouvir outros ritmos, mas nem mesmo as músicas que mais gosto me acalmam. Volto para o quarto, tento me deitar. Depois vou à cozinha tentar comer algo, mas me percebo sem fome. Embora, eu me mova pela casa, eu me sinto paralisado, sem conseguir finalizar nada do que comecei a fazer.
Sinto que eu não consegui ainda uma boa dinâmica para vivenciar o que estamos passando, mas estou sabendo fazer redução de danos, o que já é um grande começo. Como, por exemplo: tirar um momento rápido do dia para ler os noticiários, correr das mensagens motivacionais e não me sentir inútil por não estar fazendo algum curso online ou uma especialização.
         A quarentena está fazendo com que a grande maioria das pessoas lide forçadamente com suas inquietações e para quem já exercitava isso, a demanda só intensificou. Não é fácil e a opção da fuga pode levar a gente para um caminho altamente inapropriado. Eu me encontro no processo de assimilar aos poucos, mas às vezes, o impacto é forte e junto com isso vem as incertezas que fazem eu pensar em todas as esferas da minha vida. Às vezes, sinto revolta e não vejo tanto uma mudança social como sendo apenas de forma positiva.
Algo que tem me afetado também, é ver o Brasil em meio à uma crise política durante uma pandemia. Esse fator potencializa muito o estresse e a irritabilidade em mim. Ver o posicionamento cruel do presidente, as posturas e as medidas que ele tem tomado para o país sem levar em consideração questões sociais e ver que muitas pessoas têm seguido o que é dito por ele, se colocando em perigo, gera em mim emoções muito fortes. Então, diante disso, prefiro evitar o contato com certas notícias.
No momento, vejo egoísmo das pessoas, uma ausência de conscientização para pensar no coletivo. Não somente nas medidas básicas para evitar aglomeração de quem pode ficar em casa, mas pessoas que pouco se importam de pensar em um futuro diante disso tudo. Futuro esse que seja mais justo e com menos desigualdade social, pois o coronavírus traz não só o risco de morte, mas um momento de pensar que tipo de sociedade estamos vivendo e querendo para todos, de forma espiritual, social e ambiental.
          

 Agradecemos a Joelle Malta por ter organizado esta série de depoimentos dentro de nosso projeto sobre a memória da pandemia nas Alagoas , conduzido por José Carlos da Silva Lima e Luiz Sávio de Almeida. O Blog pode discordar no todo ou em parte do teor dos textos que publica.

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