Um abraço de longe. Até logo, até quando
Magno
Almeida
Mestrando
em Estudos Literários (PPGLL-UFAL), Professor de Literatura e Poeta.
Desperto. Sento na
cama. Procuro os propósitos para iniciar o meu dia: dia que já é tarde. É
inevitável não lembrar de Gregor Samsa – também eu tenho acordado depois de
sonhos intranquilos –; ou do pensamento inicial do professor de literatura George, de Um
homem só: “despertar começa com o dizer-se sou e agora”, ou ainda, a fatal Clarice Lispector quando diz “Amanheci
em cólera. Não, não, o mundo não me agrada.[...]”.
Antes de colocar os pés no chão, respiro e digo que o dia é. Penso em
mim, nos meus e nas minhas que estão distantes: nunca senti tanta saudade. Alimento
os gatos, abro a porta do quintal para que tomem um banho de sol: seres aparelhados de liberdade. Ando pela casa.
Intento lavar os pratos, organizar as sacolas de lixo, procurar roupa suja para
lavar. Sinto um gosto amargo na boca, tomo um susto, penso ser um soluço,
aparecendo como uma surpresa. Não é. Caminho no
deserto e exercito a vontade dos bichos: plantas, dromedários, uma serpente de
chifres, a lua: máquina de luminescência. Caminho no deserto e procuro o saber
da água, a vontade do sonho vasto e azul: é ainda o início seco como a
possibilidade dos olhos suspensos na fronteira dos gritos. É ainda manhã ou
começo da tarde: eu não sei, mas ainda é.
Entro
no quarto com alguma comida na mão, fecho a porta, já faz calor. São quase
sempre 13h ou um pouco antes disso. Inicio o meu dia quase sempre com a leitura
de poemas escritos no Brasil, Portugal e agora na Catalunha, sobre o tempo, a
geografia das coisas sem vida, o cisco no olho: a saudade é uma planta
carnívora.
E eu vou penetrando
pelo dia e sentindo na pele: tudo! Como dizer com tão pouco o universo? Eu
quero correr daqui. Então, penso em cavalos. O
que imagina um cavalo na sua velocidade? Patas, mandíbulas, a crina delineada
no desespero do vento, sua musculatura: o movimento do sangue. Talvez os
cavalos corram para o caminho daquilo ainda sem nome. Cada pata contempla a surpresa do futuro, até as
traseiras que jamais passarão pelos caminhos já tocados. É um sonho ou uma
filosofia sobre as coisas camufladas no tempo? Sinto o barulho, as vibrações, os galopes, o chão, a carne,
a febre. A minha cabeça dói, tudo se mistura. Será seja um poema que me dei de
presente de aniversário? Há poucos dias completei 32 anos. Tenho medo: o tempo
passa e eu continuo a ser “umbigo e solidão”. Mas há uma certeza: na próxima
vida quero ser um cavalo selvagem.
Talvez tudo aqui seja um punhado de
saudade me povoando, uma vontade de terminar aquilo que nem comecei, fagulhas
de pensamentos: tudo se mistura.
Às vezes, acordo
querendo colocar pedras nos bolsos e afundar no rio Ouse, em 1941. Outras vezes me lembro de alguns versos do meu poema
favorito da Beber que diz muito e sempre sobre o eu e o agora, porque tudo precisa
ser poesia e a palavra é o corpo sagrado que nos chega pelo tempo: “deve ser
perigoso/ esse gosto recorrente/ de incêndio na boca/ [...]queria um gosto bom,
queria pernas/ pra sair correndo”.
Não
sei do fim, prefiro seguir acreditando na beleza das palavras a nos atravessar,
assim como faremos com o tempo: você e eu e nós, como as
borboletas que já descobriram por agora como fazer e estão invadindo a cidade.
Fico por aqui, não sei mais dizer sobre a ilha que me habita, quando queria eu
habitar o mar e o poder alquímico da água salgada.
Preciso ir ficarei
imóvel na tarde a olhar os gatos dormindo na cama, na mesa de trabalho, na
cadeira com rodinhas. Não vou me culpar por não escrever o poema que
representará a minha geração, nem sofrer com os filmes que não saberei discutir
por não tê-los vistos, tampouco as séries, as lives nas redes sociais, os
vídeos dos museus pelo mundo, os memes, as reportagens do jornal local com os
dados atualizados, o retrato do medo. Ficarei aqui, sem culpa, enquanto penso no
poema do Felipe, um amigo querido, sobre suicidas, pois todos eles serão
perdoados: “[...] aqueles que não deram esclarecimentos/ [...] os
eletrocutados; os embriagados;/[...] os que guardaram balas na boca ou no peito;/
os delicados, tristes, faustos, imperfeitos –/ todos os suicidas serão
perdoados.
Um abraço de longe. Até
logo, até quando.
Os organizadores desta série agradecem à Joelle Malta por ter colaborado na organização desta série.
Esta série tem por objetivo
publicar depoimentos sobre como se pensa e se lida com o Corona em
Alagoas. Está aberta a toda e qualquer
pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para
um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O
material será publicado paulatinamente
no suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo organizado por Carlos Lima, Mestre em
História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog
pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele publicada.