As grandes dívidas e as grandes
amizades: Missionário Bill Ellison e Pastor Silas Alexandrino
Sempre
me interessei sobre a história do protestantismo em Alagoas e sempre, ao longo
das pesquisas, fui tomando notas, sem dúvida motivado pela longa experiência
que tive junto aos presbiterianos e, por outro lado, pelos seus inícios em Alagoas. Minha convivência com os presbiterianos veio
de ter sido aluno interno do Colégio XV de Novembro durante três anos. Eu
morava em Palmares, Pernambuco, estudava no Ginásio Municipal e meu pai
resolveu, sob o argumento de dar-me melhor educação, retirar-me das imensas
farras que já começavam e realizadas com
fantásticos amigos daquela cidade inesquecível.
Sair
da farra e da zona (já frequentada) chamada Coreia e ir para uma vida
presbiteriana foi uma mudança extraordinária. E logicamente, de um grande
choque, dando-me a dificuldade de convivência que me colocou na categoria de
mau elemento, muitas vezes suspenso, muitos castigos e tudo dentro de uma
ambivalência: a religião era extremamente
respeitada por mim e não a estratificação social do internato, dividida em três
categorias: a) candidatos ao ministérios, b) os normais e c) os pecadores
altamente pecaminosos. Como disse certa feita um colega da época, nem sequer
duvidavam. Atrasaram o relógio que dava
ordens ao cotidiano do Colégio e o quem foi levava logo a Sávio. Eu não
era boa peça, mas não era responsável por tudo.
Na verdade eu
não valia grande coisa, mas não era tão mau: esqueceram de me converter para me
punir. Aliás, fui praticamente expulso
do colégio por algo que nunca cometi. Eu sempre fui o que se chamava de
presepeiro, mas nunca de imoralidade, sacanagem. Escreveram uma série de nomes
feios nas paredes internas do colégio e disseram que tinha sido eu. Tremenda
injustiça: eu estava limpo. Mas jamais
me voltei contra a religião, pelo contrário, pois eu sempre participava
atentamente dos cultos e me sentia bem. Não era por ser o XV de Novembro e nem
era por ser presbiteriano. A vida em internato tem uma forma opressiva. E eu era rebelde. Contudo, volto a afirmar, minha praia era a da molecagem e
não a da safadeza.
E aqui vai um
pedido de desculpas ao cozinheiro do Colégio: seu Félix, um homem
extraordinariamente bom. Ele tinha uma cantina e invariavelmente todos os dias,
eu chegava e dizia por dois ou três anos: Seu Coca, me dê um Félix! No
princípio, ele olhava espantado mas depois já entregava rindo e eu ficava rindo
com ele. Um professor vinha passar um castigo – do tipo escreva mil vezes a
frase: Eu sou bom; eu devo prestar atenção às aulas – e eu dizia: Professor, faço sim, mas só o
senhor entrando na fila! Era muita presepada. Pois bem, saí mesmo injustamente,
sem a menor queixa, e tenho saudade do
Colégio, mas muito mais da Igreja. Vez em quando, tenho vontade de ir a um
culto; eu tenho carinho pela Igreja Presbiteriana; sem dúvida tenho. Ainda sei de cor, grande parte do antigo
hinário com seus corinhos e seus hinos.
Ainda guardo a Bíblia que me deram quando terminei o Ginásio.
Infelizmente,
como eu disse, preferiram me punir a me converter. Mas, no meio deste
foi-Sávio-quem-fez encontrei pessoas extraordinárias, como a inesquecível
Ivonita Guerra, minha professora de Latim e Espanhol. Foi dela que soube que
Gallia est divisa omminia in parte tres e também a história da Caperucita Roja: Toda
Gallia é dividida em três partes e Chapeuzinho
Vermelho. Deu atenção, conversava, aconselhava e não recriminava. Jamais a
esqueci; morava perto da estação do trem. Era da 1º Igreja de Garanhuns e,
infelizmente, faleceu.
Na minha turma
havia uma menina, bonita e gente muita fina,
gente do lado de Itabuna, irmã de
Adauto, hoje médico em Salvador, de onde eram mais dois alunos: o Hermes e o
Raimundo que faleceu em São Paulo. Hermes era candidato ao ministério e tão
moleque quanto eu, mas nas conveniências
de sua bolsa. Eu morria de rir com ele, que chegou a ser companheiro do quarto
11. Comia na minha mesa, como a gente dizia, cujo censor era o Amadeu, de quem
não tenho notícia. Ocorreram cenas nesta mesa, que somente um grande cineasta
poderia montar. Hermes sumiu no meio do
mundo, nem nas Igrejas de Itabuna consegui informações sobre ele.
Pois bem: a menina era Zenaide Magalhães, colega de
classe, ficava no Internato Feminino, dirigido pela Miss Nancy, missionária,
professora de inglês, passou um dever: fazer uma versão para o inglês e então a turma morria de rir,
pois fiz a versão do Buraco do tatu do Luiz Gonzaga e de uma marchinha de
carnaval: As águas vão rolar. E ainda por cima, cantei. Zenaide hoje em
Salvador, salvadorenha brasileira. Ainda bem, que tem um ponto depois de
cantei. Meu melhor amigo no internato é hoje psiquiatra em Londrina, naquela
região: Lúcio Araripe Júnior. Ele me disse e tem razão: saímos do internato com
o caráter construído. Não era brincadeira. A meta do Lúcio era ler todos os
livros da biblioteca do colégio.
No meio disto
tudo, aparece Bill Ellison. Sempre esteve comigo e me tratava como uma pessoa a
conquistar e não a reprimir. Foi muito importante. Voltou para os Estados
Unidos, faleceu de um enfarto fulminante; ensinava matemática em sua universidade
de lá. Sempre me ajudou; jamais me repreendeu e sempre aconselhava. Inventou de
fazer um jornalzinho do Colégio e me convidou para escrever. Foi meu o primeiro
editor que me publicou e o artiguinho era sobre a vida das formigas, pois eu
era impressionado com a organização da sociedade de cupins e adjacências. Toda
vez que termino um trabalho, sorrio para ele, que está enterrado, vítima de um
enfarto fulminante. Voltou para os Estados Unidos, foi ensinar em uma universidade,
era matemático e morreu. Parece-se que a esposa ainda é viva, é pastora.
Por fim, eu
quero falar de um pastor que foi de extrema importância em minha vida. Era candidato ao ministério, mas nunca o vi
assumindo a postura de Censor. Depois que saiu do XV foi para o seminário e começou sua carreira. Sempre nos
encontrávamos e muitas e muitas vezes saí de Maceió para ouvir um seu conselho
e coisa assim. Morreu. Quando pessoa em um amigo, ele sempre aparece com o seu
abraço e seu sorriso limpo. Quando me via gritava: Caraaaaaaaaaaaa!
Pois bem, sem dúvida estas notas não dependem deles,
mas giram, também, em torno deles, pois gostaria imensamente de saber o que
diriam sobre elas. Saí do XV de
Novembro, sem dúvida uma outra pessoa e como diz o Lúcio Araripe, de fato fomos
formados nos embates de viver. Jamais posso deixar de reconhecer como foi
importante e nisto penso pelo menos em quatro aspectos: a) respeito ao pensamento diferente; b) assumir posição em um coletivo cheio de
contradições e c) detestar, como chamávamos, o delator, que sempre terminava
levando uma merecida lixa e d) finalmente, o hábito da leitura da Bíblia, pois
afinal de contas a Bíblia terminava sendo estudada em classe e o que participei
de culto, não foi pouco. Um dia escreverei minhas memórias daquele tempo de
internato; seria ele visto por baixo, pelo olhar do moleque e não pelo olhar da
lei. Aliás comecei quando andava pelos Estados Unidos e o título foi The Third
Culture. Acho que ainda tenho isto e seria um bom começo.