Tropeçando na Abolição (I)Luiz Sávio de Almeida
Dois dedos de prosa
O mês de maio passou e com ele tivemos uma efeméride: a
Abolição. Hoje nós decidimos trazer material que saiu na imprensa de Alagoas,
pequenos jornais, quando da oportunidade do 13 de Maio. É possível, pelos
pequenos textos que publicamos neste número – outros virão – ver aspectos do
que foi a luta vivida. Como digo, sempre tropeçaremos na Abolição como
efeméride. E sempre será preciso discuti-la. O que não posso é esgotar o
movimento nos resultados da Abolição.
A partir deste número, contaremos com a colaboração de
Hércules Mendes. A capa é uma sua escultura sobre a Serra da Barriga, ou, como
se pode ver, a mãe serra-terra grávida de quilombos.
Uma boa leitura.
Um abraço
Sávio
Observação: Foi publicado em Campus/
Tropeçando na Abolição (I)Luiz Sávio de Almeida
A abolição foi um marco político no sentido do aggiornamento da sociedade imperial, mas
correspondeu à construção de um novo tempo de opressão sobre o negro, lançado nos círculos de pobres daqueles
finais do império, o que foi acentuado no decorrer da República; o negro foi
dito livre, embora posto nas fileiras do exército industrial de reserva, na
condição de um lupem, parte do que por tempo foi considerado como as
classes perigosas.
É preciso ter o cuidado de ver a abolição muito mais no aggiornamento do que no negro: lidava
com o escravo mas pouco ou nada desenharia
com e para o negro. Aliás, seria possível explorar que, da abolição, se
consolida a figura política atual do negro e a dominação assume, deste modo, outros meandros e engendrando novas formas de
manter o poder pelo controle tradicional do estado e de instrumentos que são,
paulatinamente, criados na geração tática e estratégica da contenção da
liberdade.
Se 13 de Maio não é para ser comemorado, deve sem dúvida ser
lembrado e tomado como efeméride, palavra que nos leva ao nosso calendário
cívico, onde alguns marcos nos fazem, querendo ou não, tropeçar neles e
levá-los em conta com uma pergunta simples: o que eles nos falam? E se desejarmos
observar a nossa especificidade, a pergunta é mais objetiva: o que falam para
esta nebulosa chamada Alagoas?
Gosto desta expressão, que também
foi de uso do Octaviani ao tratar do Brasil; aduzo que se trata de uma nebulosa
em movimento, sedenta de conceitos ou
como se movimenta um universo que concretamente se define como especificidade,
com determinações e resoluções próprias. No fundo, gira uma questão sobre onde,
quando e como encontrar estas Alagoas que tanto nos animam enquanto discussão e
por onde temos tropeços na obrigatoriedade de seus marcos.
Pouco ou quase nada se tem
produzido sobre os modos de se pensar Alagoas, visando explicá-la, sendo claro,
contudo, que existiram e existem modos que embasam a formulação de um
pensamento sobre ela, pois se montaram o que vamos chamar de paradigmas
responsáveis por visões que são necessariamente políticas. Em grande parte, esta ausência de escrita
decorre da rotina posta pelo agrarismo que fundamentou a vida senhorial de Alagoas,
cujas bases começaram a ser sacudidas e aparecem demograficamente no quadro de crescimento urbano, consolidado a partir dos anos sessenta do
século XX.
Este agrarismo fez com que
Alagoas tivesse um pacote de respostas prontas que servem para alguns, mas que
carecem de sentido quando vamos procurar o chão de nossa miséria ou a forma
como se objetivaram as rotas de acumulação, em nosso espaço, na construção de
nossas desigualdades e onde avulta a condição do negro. Nós tivemos a nossa
própria via, o nosso próprio caminho e gostaríamos de retirar da discussão, a
ligação quase imediata da palavra via a modos de encaminhamento do
capital na Europa.Se a via é entendida como caminho,
como percurso de construção, nós somos o duro efeito de impasses colônias em
nossas atualizações e nos determinamos como subdesenvolvimento no contraponto
nacional sem que, por qualquer razão, apareça uma ordem dual em nossa formação
histórica e no modo como somos a nação posta em nós, pois carregamos o nosso
próprio universal.
Não estaríamos à procura do que
muitos chamam de formas clássicas, mas diante de nosso modo de
subdesenvolvimento, discussão de nossa construção agrária, da formulação ao
longo do tempo da sacralização das formas rurais e da baixíssima alavancagem de
capital. Vamos a busca do que radica em nós como miséria e isto passa pela
natureza, forma e modo da peculiaridade que nos fez e que somos.
Quando estava tropeçando na
Abolição, encontrei material publicado em jornais e pensei em partilhar com os
leitores de Campus, dar-lhes a chance de estarem no espírito do Século XIX e,
sobretudo, sentir pontos para a discussão ou reflexão. O primeiro (Textos 1
e 2) foi material publicado em A
Lâmpada, pequeno jornal, semanal que circulava em Maceió sob a responsabilidade
e redação de Odon Maia e José Egydio. Estava ainda em seu primeiro ano e todo o
seu número 3, datado de 19 de Maio de 1888, foi inteiramente dedicado à
Abolição.
Libertas quae será tamen é o mote desenvolvido na matéria da
editoria do jornal. Estava entendido que
a liberdade do escravo estava correspondendo à liberdade da nação. Em segundo plano e não menos importante, estava
identificado um sujeito político que se chama povo e, finalmente, sabia-se da
oposição entre uma canalha e uma granfinagem senhorial.
Ave libertas – texto de
José Primênio – demonstra que existia a quem chamar coletivamente de
protestante, não importa que tamanho naqueles tempos de penetração no universo
católico brasileiro. Além do mais, setores do protestantismo afinavam-se com a
renovação das estruturas, pois concebiam que mudanças em direção à atualização
capitalista levariam ao que é pregado na mensagem: liberdade religiosa.
O texto 3 aparece em Lincoln, órgão oficial da Sociedade Libertadora
Alagoana, um dos elementos que fazia parte das tendências existentes dentro do
movimento abolicionista. Você irá ler o pronunciamento do seu Presidente Antônio
Antero Alves Monteiro. Nele vem uma pergunta insinuada: o que fazer? E logo se
aponta para preparar o negro para estar na sociedade branca, através da
educação e trabalho, no que se implica a civilização. Este material está
publicado no nº 10, Ano V, 17 de maio de 1888.
Os textos 4 e 5 falam sobre as comemorações em dois pontos
do Rio de São Francisco: Traipu e Pão de Açúcar. Foram publicados em O
Trabalho, nº 282, Ano VII, em cuja redação estavam Achilles Mello e Mileto
Rego. Era editado em Pão de Açúcar. O
que me chamou a atenção foi o modo como se narrava o negro nas comemorações.
Talvez, em uma reflexão sobre a Abolição seja necessário
fazer uma distinção radical entre o movimento e ela, colocando, em evidência,
também, o que vai acontecer no após 13 de Maio. É evidente: se a Abolição
acontece, dentre outros fatores, é por conta do movimento e ele não é ela. Seria
passar dos limites sofríveis de interpretação, entender que tudo esteve sob o
controle senhorial; seria muito pouco para entender o movimento de quebra do
escravismo tardio.
Eu não posso, por outro lado, é deixar de admirar a coragem de enfrentamento
ao senhorial por parte de muitos
militantes, o escondido que está por detrás da evidência do legalismo. Não
importa o rumo das concepções, mas digo que admiro a coragem que teve um
Professor Domingues, um bacharel como Manoel Menezes, artistas como Pedro
Nolasco, intelectuais como Dias Cabral. Cada qual no seu cada qual andaram em
busca do que pensavam como liberdade e, acredito, o momento tenha sido de formação de frente,
quem sabe, o primeiro a dar uma versão moderna aos movimentos sociais em
Alagoas. A Abolição em sí seria outra conversa.
LÂMPADA – TEXTO 1
Libertas quae
será tamen
Eis
o estandarte sublime que desde 1792 emanava as cintilações fúlgidas do sol da
Liberdade, erguido no altar de todos os corações brasileiros como as santas
ideias que erguem-se nas asas do pensamento: eis o nosso horizonte iluminado
com as auroras da verdade e o esplendoroso arrebol do futuro: eis o nosso
apanágio, o nosso fanal, a bússola da nossa civilização e progresso!
E
a glória dessa conquista que irradia como o novo sol da geração presente, os
louros desse triunfo grandioso a quem pertencerão?
Eis
o perfil rafaelesco da verdade: é dura e por isso mesmo é que não se amolda a
conveniências sabidas e vergonhosas.
O
único conquistador foi o POVO, o herói sublime de todas as lutas, o maior
sobrando que conhecemos deste país; pois a cousa estava nesse extremo: ou vai
ou se quebra!
Saudemos
portanto à pátria!
Viva
a liberdade!
Viva
à “canalha” abolicionista!
Glória!
LÂMPADA – TEXTO 2
Ave libertas!
Protestantes!
Movidos pela maior gratidão para com o nosso Redentor o Senhor Jesus cristo,
unamo-nos cordialmente às manifestações em regozijo pela excelsa vitória ganha
pelo Abolicionismo Brasileiro.
O
estandarte abolicionista erguido no Século XVI por Lutero e Calvino já tremula
em nosso país!
Hoje
não há mais escravidão!
Breve
não haverá mais igreja oficial mas todas as crenças religiosas serão plenamente
livres e iguais!
José
Primênio
LINCOLN – Texto 3
Meus
amigos e compatriotas, eis-nos ao termo de nossa penosa jornada; os dias dos
sacrifícios valeram bem às provanças das glórias do triunfo.
Anos
de nosso afanoso lidar, chegamos ao Capitólio.
Constância,
perseverança, amor à santa causa da Liberdade e aos nobres sentimentos de
humanidade foram os fachos brilhantes que nos conduziram em nossa romagem!
Chegamos,
chegamos, posto que tarde, ao último marco desse plano inclinado por onde ainda
rolava cerca de um milhão de vítimas manchadas do próprio sangue!
Assim
como ao fiat lux da Eterna Vontade
surgiram os mundos que povoam os espaço, do mesmo modo destas frases do poder
soberano da terra: É ABOLIDA A ESCRAVIDÃO NO BRASIL, ergueram-se milhares de
homens saídos do caos do servilismo para a luz da civilização!
Está
consumada a grande obra da Redenção dos cativos em nosso país.
Trabalhemos
agora para libertar o espírito desses infelizes, da noite da ignorância a fim
de que possam, no esplendor das ideias, por meio do ensino, ter seguro o porvir
com as leis da instrução e do trabalho.
A
sociedade Libertadora Alagoana consagra a todos quanto a coadjuvaram no
grandioso empreendimento vivos protestos de reconhecimento e um voto de
gratidão eterna em nome da Pátria Livre.
Aos
inimigos do abolicionismo, um generoso perdão, desejando que encontrem todos
nos braços dos libertos sustentáculo mais robusto e de confiança do que nos
escravos, para terem um trabalho regular, do qual, com especialidade na lavoura
auferem importantes produtos do solo cultivado.
Viva
S. A. a Princesa Imperial Regente!
Viva
a Família Imperial!
Viva
o Gabinete 10 de Março!
Vivam
os Conselheiros Dantas, Afonso Celso, Paranaguá, Soares Brandão, Saraiva,
Lafaiete e muitos outros distintos Senadores do Império, e Deputados que
cooperaram para tão brilhante resultado!
Vivam
Joaquim Nabuco, José Mariano, José do Patrocínio, João Clapp e todos os
abolicionistas sinceros que tiveram a imensa glória de ver extinta para sempre
a nódoa negra que obscurecia o brilho de nossa história!
Parabéns
a todos os brasileiros por essa imensa vitoria de uma das mais renhidas lutas
da civilização e do progresso nacional!
ESTÁ
EXTINTA A ESCRAVIDÃO NO BRASIL!
O TRABALHO – TEXTO 4
Traipu,
21 de Maio de 1888
Caro
Redator do Trabalho
Permita-nos
que em poucas palavras leve ao conhecimento do respeitável público, a festa
abolicionista desta vila, o modo pelo qual foi recebido aqui A EXTINÇÃO DA
ESCRAVIDÃO.
É necessário saber-se, que nesta vila
apenas existia o número de 41 escravizados de ambos os sexos; não obstante,
alguns dos senhorios só faltaram deitar sangue pela boca; e, tanto isso é uma
verdade que, logo que alguns souberam que a LEI DE 13 DE MAIO de 1888 estava
sendo discutida e votada, retiraram seus escravizados para fora da Vila a fim
de mantê-los por mais alguns dias no jugo extinto.
Chega a notícia real de ter sido assinada
a Áurea Lei de 13 do corrente mês, pela AUGUSTA REGENTE, o Dr. Juiz Municipal
Miguel de Novaes Mello, deu ciência a todos quanto foi todos quantos foi
possível, que estava tudo consumado, que já não existia mais escravidão.
Em
seguida, diversos abolicionistas aventarão a ideia de uma passeata pelas ruas
com a música marcial, para assim,, espalhar-se a verdade da sanção da Áurea Lei
e distribuindo cartazes de convite a todos os ex escravistas teve lugar a
passeata. [...] tem a noite depois da novena do mês mariano.
Compareceram a este ato de regozijo, mais
de seiscentas pessoas.
No
correr da passeata houveram diversos discursos, sendo os oradores, o Juiz de
Direito da Comarca, os doutores Manoel Leopoldino Pereira Neto,Otaviano
Rodrigues de Carvalho, Florentino de Barros Abreu e Araújo Jorge, Cap. Manoel
Joaquim Cavalcante e Alferes Manoel Firmino Menezes Matos.
Ao
passara passeata pela porta do Cap. Henrique Méro, ao aproximar-se a bandeira
Imperial, recebeu aí, uma salva de 21 tiros e, então, este por sua vez disse algumas palavras, que significavam
o grande regozijo que sua alma sentia por ver realizada a ideia que tanto o fez
sofrer.
Houveram
muitos foguetes, e mais poderia ter havido, se todos os habitantes desta vila
compreendessem a grandeza da áurea lei de 13 do corrente.
[...]
O TRABALHO – TEXTO 5
Já sabíamos por cartas de Penedo, que havia sido sancionada
a áurea lei de 13 de Maio de 1888, que concede a todos o direito de liberdade,
confirmando a igualdade perante a lei, mas carecíamos de comunicações oficiais,
para se poder festejar tão humanitária lei.
O vapor da terça feira (22 do corrente) devia ser o
mensageiro da feliz nova, e o povo o esperava com ansiedade.
Às dez horas da manhã desse festivo dia, o vapor Maceió da
empresa Fluvial, assomou no morro do Faria, e todas as vistas para ali
convergiram.
Em frente à Travessa da Matriz achavam-se colocadas, de
ordem do Dr. Luiz Gonzaga de Almeida Araújo, ilustrado digno Juiz Municipal desta comarca, diversas
girândolas de foguete e em frente à travessa Gutenberg haviam outras colocadas
pelos libertos, com o fim de saudarem a chegada do vapor. Ao aproximar-se este,
notou-se que só trazia, como de costume, a bandeira nacional na popa. Por
minutos entrou a vacilação no espírito popular: uns diziam ser falsa a notícia,
outros diziam o contrário.
Desembarcaram os passageiros e a mala, e entçao, confirmada
a boa nova, o povo transbordou de contentamento, e o espaço encgeu-se de
foguetes, durando isto até à noite.
Às 7 horas da noite, estando modestamente decorada a casa da
câmara, ali compareceram as autoridades judiciárias, o presidente da câmara, e
um concurso enorme de povo acompanhados de uma banda de música marcial, e todos
os libertos que podem comparecer.
O Presidente da Câmara Municipal, Sr. Manoel Themoteo de
Amorim, reclamando silêncio, leu o telegrama que lhe fora dirigido pelo Exm.
Sr. Vice-Presidente da província, dando a feliz notícia de que, em 13 de Maio
corrente, fora sancionada a lei que concede a liberdade plena a todos os
infelizes que no Brasil ainda gemiam sob o jugo da escravidão.
Ao terminar, o Sr. Presidente da Câmara Municipal essa
leitura, foi vitoriada a Câmara, os Deputados, o Ministério de 10 de Março, a
Princesa Regente e os abolicionistas da escravidão no Império.
Saíram as autoridades e o povo, acompanhados da banda
marcial, a percorrerem as principais ruas da cidade.
Era um gosto verem-se iluminadas à capricho as casas dos
adeptos da humanitária ideia, e turvas e fechadas as dos ferrenhos amantes da
escravidão.
Ao passar o cortejo em frente do sobrado onde mora o Dr.
Jovino da Luz, recitou este uma bela poesia que foi bem aplaudida. Em frente à
residência do Dr. José Francisco da Silva Porto, digno Juiz de Direito da
Comarca, parou o cortejo para ouvir um bem pronunciado discurso desse distinto
cidadão, o qual terminou erguendo vivas à Princesa Regente, aos Conselheiros
Dantas e Joao Alfredo e a Joaquim Nabuco, pelo triunfo alcançado.
Daí segui para rua da matriz, e ao passar em frente à casa
onde reside o Dr. Juiz Municipal, este pronunciou um eloquente discurso, onde
historiou a batalha começada em 1830, pela proibição do infame tráfico de
africanos. Rememorou o histórico dessa campanha, data por data, nome por nome
dos protagonistas mais salientes, que na tribuna das câmaras, quer na imprensa.
Mostrou, com vivas cores, os horrores dessa hidra chamada
escravidão, e concluiu pedindo aos libertos que não abusassem desse direito
sublime que hoje adquiriram e finalmente ergueu vivas à nação, ao Imperador, à
Regente e aos lidadores em prol da liberdade.
Ao passar oc rotejo pela frente da Igreja matriz, estava
esta aberta e iluminada, e do adro, uma pessoa, cujo nome ignoramos, erguia
vivas análogos ao festejo.
Seguiu o cortejo para outras ruas, e, ao passar pela do
comércio, teve de ouvir um discurso do Cap. João Alves Feitosa Franco, análogo
ao festejo.
Finalmente, passando pelo escritório da Redação do Trabalho,
tivemos mais uma ocasião de ouvir o ilustre Sr. Dr. Gonzaga de Araújo que fez a
apoteose da Imprensa que lutou sem tréguas em favor da santa causa.
Aí couberam elogios aos distintos escritores Nabuco,
Bocaiuva, Patrocínio e outros.
Findo este eloquente discurso, coube a palavra ao Professor
Soares de Mello o qual declarou que não obstante dizerem uns que o Brasil é
nação livre desde 7 de Setembro de 1822, outros desde Julho de 1823, ele só a considerava
verdadeiramente livre depois de 13 de Maio corrente, porque desde esse dia é
que se pode dizer que os homens são iguais perante a lei.
Disse ainda que exultava de prazer porque essa lei, como a
de 28 de setembro de 1871, fora sancionada pela Princesa Imperial regente, que
a Providência divina destinara para ser quem completasse a obra começada por
seu venerando avô o Snr. D. Pedro I, fundador do Império do Brasil. Ainda
comparando a libertação dos escravos dos Estados Unidos da América com a do
Brasil, congratulou-se com todos os brasileiros por não ser precisa aqui a luta
armada para vigorar tão santa causa.
Do escritório da Redação do Trabalho, seguiu o cortejo
festivo para a rua da Praia, e em frente à casa nº 30, centro do festejo dos pretos,
deram-se vivas ao Imperador, deram-se vivas ao Imperador, à Regente, ao
gabinete de 10 de Março, à Nação livre e aos abolicionistas do Império.
Ai findou a passeata semi oficial para ter início a festa
dos libertos os quais, com a urbanidade de que podem dispor, convidaram
autoridades e povos a servirem-se de uma chávena de chá, que foi servido com
toda regularidade.
Findo isto, às 10 e meia da noite, começou (entre os
libertos) o clássico coco que durou até às 5 da manhã.
Notou-se uma cena indescritível ao entrarem os libertos na
Casa da Câmara Municipal.
Existia ali um quadro com os retratos do Deputado Nabuco, do
Dr. José Mariano; um dos pretos perguntou quem eram os originais e
disseram,-lhe que eram dois abolicionistas denodados, ele ajoelhou-se, e na sua
linguagem rude, agradeceu-lhes o benefício que fizeram aos míseros escravizados,
derramando lágrimas que sensibilizaram o auditório.
O liberto que assim procedeu era um, daqueles cujo sem hor nçao costumava
maltratar os infelizes que tinha como escravos.
Imagine-se o que não fariam aqueles que eram tratados como
brutos, isto é, como coisas e não como pessoas!
Não sabemos se está finda a festa, porque consta-nos que os
pretos oferecerem aos abolicionistas, um jantar no domingo 27 do corrente.
Daremos conhecimento ao público do que for ocorrendo com
relação aos aludidos festejos, tão discretamente promovidos por aqueles que
desejavam ardentemente a liberdade de seus semelhantes, e a igualdade social.