Um abraço em Eduardo Bastos
Luiz Sávio de Almeida
Não
sei como começar este pequeno artigo, mas, sem dúvida, antes do artista vem a
pessoa e o que ressalto, de imediato, é a retidão e a generosidade. Nunca vi
qualquer pequena falta moral na sua relação comigo e com a minha família e eu
posso então dizer que, para a modesta casa dos Almeidas, é uma honra tê-lo
presente, inclusive, nas paredes. Por outro lado, Eduardo é uma pessoa
extremamente generosa; jamais se recusou a estar com sua arte em diversas
situações em que precisei. E isto na mais absoluta simplicidade, sem qualquer
pontinha de besteira, o que me faz, inclusive, ser seu mais absoluto, e
positivamente, devedor. As poucas coisas
que faço adquirem algum relevo a partir da colaboração de sua arte, e isto é de
tal modo que me sinto, também
positivamente, dependendo dele e, sinceramente, é difícil pensar em qualquer
imagem sem que ele de imediato aflore. Na verdade, para mim, Eduardo é um
imenso muito obrigado, tanto do ponto de
vista pessoal quanto à vista do ponto intelectual.
É
intensa a nossa parceria e jamais ouvi um não de sua parte. Parceria é um modo
de dizer, pois na verdade é intensa a forma com que ele me ajuda. No entanto,
eu devo confessar, que Maceió para mim tem o gosto do que ele produz e o modo
como ele ilumina a cidade, nos permite
ver os encantos que se escancaram, como também as mazelas e pobrezas do modo de
ser do seu urbano. Ele vive em todos os cantos de Maceió e o modo como nos devolve a cidade é uma das maiores provas de
sua lucidez e talento. Talvez, a cidade não saiba o quanto lhe deve; talvez o
homem que pede esmola não saiba que ele existe e que esteve sentado com ele,
batendo um papo simples; esta
simplicidade se apresenta até mesmo no modo como se espelha a grandiosidade
daqueles que têm fome e sede de justiça e Eduardo sabe onde ficam os canteiros
que guardam os lírios do campo.
E isto,
sobremaneira, me impressiona pela demonstração de como a sua fala é, ao mesmo
tempo, objetiva e lírica. Não posso deixar de dizer, que ele está no grupo das
figuras mais importantes para a vida de Maceió, nesta primeira metade do século
XXI. Ele não morrerá, pois seus textos conversam com o futuro e de tudo o que
existe, o futuro sempre nos deixa à espera do Eduardo. Eduardo se integra ao
nosso tempo, de tal modo que ele sempre será uma parcela importante para que
nos deixe explicar e entender está nossa Jerusalém, que é a cidade
edificada sobre as águas e que o vulgo batizou de Maceió.
Os
seus traços são as palavras de seus textos; sempre vejo seus trabalhos com uma
predisposição de olhar a partir de uma espécie de hermenêutica, onde o grande
exercício é a busca do que expressam.
Mesmo fechando os olhos, os trabalhos do Eduardo não desaparecem, é que
eles entram na discussão de nossa própria consciência e frutificam em nosso
pensamento. Seus textos têm um quê pedagógico que nos ensina a ver o mundo.
Neste
sentido, nunca poderemos deixar de agradecer a uma pessoa que transforma sua
arte em caminho de ensinamento, como faz o rosto de nossa gente traçado por
suas mãos notáveis. A Avenida Eduardo Bastos é uma das principais vias desta
cidade submersa no tempo, que é a Maceió
da cultura. Se existisse uma sociologia história plástica – quem sabe não
existe mesmo? – ela é trabalhada por ele, e é algo que raros praticaram havendo, contudo
uma diferença: ele é constante, rápido e cotidiano, objetivo e belo.
Por
outro lado, não tenho dúvida que ele escreve cartas para o povo, embora este mesmo povo não possa recebê-las, pois o
endereço é tão difuso que o carteiro não localiza a qual povo se destina. Embora cada invisível de sua obra esteja
datado e situado no contexto desta ingrata Maceió, ele fala urbi
et orbe, embora tenha o pudor de não falar ex cathedra; pode-se ver situação semelhante em Nova Iorque e
Paris, mas como algo tendendo a ser exótico, o resto policialesco da cidade.
Aqui, os pobres são a cidade onde tendem a não serem vistos, por serem
reduzidos à paisagem. Acostumamos tanto
a ver os miseráveis em nossa paisagem urbana, que eles somente se tornam claros
quando viram espetáculo.
Eu
era menino, meus 20 anos e li um russo branco, um sociólogo, chamado Sorokin
que saiu mesmo de moda, embora eu continue a manuseá-lo. Era um grosso livro de capa verde, sobre distância
social e ele disse algo que nunca esqueci: os pobres de um país parecem mais
com os pobres de outros países do que com os ricos de seu próprio país. Um
ricão de Maceió está mais perto da Rainha da Inglaterra do que de um seu
concidadão das nossas grotas. Ora parecer com um pobre de Paris, Londres e
Nova Iorque é ser pobremente
cosmopolita, mas a honra não supre a fome local.
Lembrei dele,
por considerar o traço de Eduardo uma matéria universal; seu humanismo, transforma sempre sua fala em
dizeres sobre a humanidade: ele é universalizante. Parece meio piegas, mas
sinto a necessidade de falar de um conhecidíssimo texto de Tolstoi quando fala
que, do seu lugar, você consegue atingir o universal, mas eu sempre associo a
uma ressalvazinha que posso obter em Fernando Pessoa: o rio da minha aldeia é o
que é precioso; a minha miséria é a que me é preciosa.
Em Eduardo, a
beleza não escamoteia a pobreza e isto nos revela que o belo pode ser justo.
Ele sabe criar e usar do belo para reforçar a atenção para os que têm sede e
fome de justiça.
Claro que ele
não se resume a esta temática, mas é ela que estará neste número.