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domingo, 10 de maio de 2020

Eduardo Bastos (I): Viventes das Alagoas


Um abraço em Eduardo Bastos

Luiz Sávio de Almeida

                Não sei como começar este pequeno artigo, mas, sem dúvida, antes do artista vem a pessoa e o que ressalto, de imediato, é a retidão e a generosidade. Nunca vi qualquer pequena falta moral na sua relação comigo e com a minha família e eu posso então dizer que, para a modesta casa dos Almeidas, é uma honra tê-lo presente, inclusive, nas paredes. Por outro lado, Eduardo é uma pessoa extremamente generosa; jamais se recusou a estar com sua arte em diversas situações em que precisei. E isto na mais absoluta simplicidade, sem qualquer pontinha de besteira, o que me faz, inclusive, ser seu mais absoluto, e positivamente, devedor.  As poucas coisas que faço adquirem algum relevo a partir da colaboração de sua arte, e isto é de tal modo  que me sinto, também positivamente, dependendo dele e, sinceramente, é difícil pensar em qualquer imagem sem que ele de imediato aflore. Na verdade, para mim, Eduardo é um imenso muito obrigado,  tanto do ponto de vista pessoal quanto à vista do ponto intelectual.
                É intensa a nossa parceria e jamais ouvi um não de sua parte. Parceria é um modo de dizer, pois na verdade é intensa a forma com que ele me ajuda. No entanto, eu devo confessar, que Maceió para mim tem o gosto do que ele produz e o modo como ele ilumina a cidade,  nos permite ver os encantos que se escancaram, como também as mazelas e pobrezas do modo de ser do seu urbano. Ele vive em todos os cantos de Maceió e o modo como nos  devolve a cidade é uma das maiores provas de sua lucidez e talento. Talvez, a cidade não saiba o quanto lhe deve; talvez o homem que pede esmola não saiba que ele existe e que esteve sentado com ele, batendo um papo simples;  esta simplicidade se apresenta até mesmo no modo como se espelha a grandiosidade daqueles que têm fome e sede de justiça e Eduardo sabe onde ficam os canteiros que guardam os lírios do campo.
E isto, sobremaneira, me impressiona pela demonstração de como a sua fala é, ao mesmo tempo, objetiva e lírica. Não posso deixar de dizer, que ele está no grupo das figuras mais importantes para a vida de Maceió, nesta primeira metade do século XXI. Ele não morrerá, pois seus textos conversam com o futuro e de tudo o que existe, o futuro sempre nos deixa à espera do Eduardo. Eduardo se integra ao nosso tempo, de tal modo que ele sempre será uma parcela importante para que nos deixe explicar e entender está nossa Jerusalém, que é a cidade edificada  sobre as águas  e que o vulgo batizou de Maceió.
                Os seus traços são as palavras de seus textos;  sempre vejo seus trabalhos com uma predisposição de olhar a partir de uma espécie de hermenêutica, onde o grande exercício é a busca do que expressam.  Mesmo fechando os olhos, os trabalhos do Eduardo não desaparecem, é que eles entram na discussão de nossa própria consciência e frutificam em nosso pensamento. Seus textos têm um quê pedagógico que nos ensina a ver o mundo.
                Neste sentido, nunca poderemos deixar de agradecer a uma pessoa que transforma sua arte em caminho de ensinamento, como faz o rosto de nossa gente traçado por suas mãos notáveis. A Avenida Eduardo Bastos é uma das principais vias desta cidade submersa no tempo, que é a  Maceió da cultura. Se existisse uma sociologia história plástica – quem sabe não existe mesmo? – ela é trabalhada por ele,  e é algo que raros praticaram havendo, contudo uma diferença: ele é constante, rápido e cotidiano, objetivo e belo.
                Por outro lado, não tenho dúvida que ele escreve cartas para o povo, embora este  mesmo povo não possa recebê-las, pois o endereço é tão difuso que o carteiro não localiza a qual povo se destina.  Embora cada invisível de sua obra esteja datado e situado no contexto desta ingrata Maceió,  ele fala urbi et orbe, embora tenha o pudor de não falar ex cathedra; pode-se ver situação semelhante em Nova Iorque e Paris, mas como algo tendendo a ser exótico, o resto policialesco da cidade. Aqui, os pobres são a cidade onde tendem a não serem vistos, por serem reduzidos à paisagem.  Acostumamos tanto a ver os miseráveis em nossa paisagem urbana, que eles somente se tornam claros quando viram espetáculo.
                Eu era menino, meus 20 anos e li um russo branco, um sociólogo, chamado Sorokin que saiu mesmo de moda, embora eu continue a manuseá-lo.  Era um grosso livro de capa verde, sobre distância social e ele disse algo que nunca esqueci: os pobres de um país parecem mais com os pobres de outros países do que com os ricos de seu próprio país. Um ricão de Maceió está mais perto da Rainha da Inglaterra do que de um seu concidadão  das nossas grotas.  Ora parecer com um pobre de Paris, Londres e Nova Iorque é ser  pobremente cosmopolita, mas a honra não supre a fome local.
Lembrei dele, por considerar o traço de Eduardo uma matéria universal;  seu humanismo, transforma sempre sua fala em dizeres sobre a humanidade: ele é universalizante. Parece meio piegas, mas sinto a necessidade de falar de um conhecidíssimo texto de Tolstoi quando fala que, do seu lugar, você consegue atingir o universal, mas eu sempre associo a uma ressalvazinha que posso obter em Fernando Pessoa: o rio da minha aldeia é o que é precioso; a minha miséria é a que me é preciosa.
Em Eduardo, a beleza não escamoteia a pobreza e isto nos revela que o belo pode ser justo. Ele sabe criar e usar do belo para reforçar a atenção para os que têm sede e fome de justiça.
Claro que ele não se resume a esta temática, mas é ela que estará neste número.



               





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