Morrer é um ato absolutamente solitário
Maria Augusta Tavares
Professora Drª., vivente das Alagoas
Morrer é um ato absolutamente
solitário, em qualquer época, em qualquer lugar. Contudo, por mais realista que
sejamos, lidamos muito mal com a ideia de mortos amontoados em carros
frigoríficos (Nova York), ou largados em calçadas (Equador), tal como já testemunhamos
nessa pandemia do coronavírus.
Embora o morto esteja
absolutamente impedido de interagir com os vivos, raramente estes lhe negam um
cortejo fúnebre. Diante da morte, sem que o declaremos, todos os vivos tendem a
regozijar-se com o fato de não estar no lugar do morto. Assim, até para que
fiquemos em paz com a nossa consciência, parece-nos justo dar ao morto a
oportunidade de sair de cena com delicadeza.
Seja num prédio público, numa igreja, num salão de festa ou na mísera
sala duma casa de taipa, costuma-se prestar homenagens a quem morre.
Para os uns, esse momento tem
um caráter religioso, (no sentido do religare),
para outros, é a rara oportunidade de receber os elogios que jamais merecera em
vida e, para muitos, é tão somente uma festa de despedida. Para o morto não é
nada. Ainda assim, quando nos imaginamos no papel do morto, mesmo que
dispensemos as cerimônias tradicionais, preferimos imaginar que as nossas
cinzas serão jogadas num lugar bonito, onde estarão reunidas as pessoas que
julgamos nos amar.
Se isso nos parecia sólido,
desmanchou-se no ar. O fantasma do coronavírus ronda o mundo e subverte essas
regras. Ora, todos temos os nossos fantasmas, velhos conhecidos que até dormem
conosco. Esse, no entanto, afora a sua invisibilidade, difere dos outros pelo
caráter universal e pelo ardente desejo de tornar-se tangível. Numa velocidade
e numa abrangência que escapam à nossa imaginação, esse fantasma está a
materializar-se em muitas vidas de carne e osso, apenas para destruí-las e,
sucessivamente recuperar essa corporeidade, até que todos sejam atingidos.
De repente, eu que, até
então, associara solidão à liberdade, senti-me presa. Tudo era tão somente
solidão. Ainda incapaz de elaborar teoricamente os meus sentimentos, recorro ao
saudoso Jorge Cooper[1]
para dizê-los:
A solidão em que a morte
deixa o morto
é maior que a solidão da lua
deixa o morto
é maior que a solidão da lua
Minha solidão soma
a solidão do morto
e a solidão da lua
a solidão do morto
e a solidão da lua
- Sou mais
só que um louco.
Esta série tem por objetivo
publicar depoimentos sobre como se pensa e se lida com o Corona em
Alagoas. Está aberta a toda e qualquer
pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para
um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O
material será publicado paulatinamente
no suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo organizado por Carlos Lima, Mestre em
História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog
pode discordar de parte ou do todo da matéria publicada.