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domingo, 26 de abril de 2020

Memória da Pandemia nas Alagoas (XII). José Vieira da Cruz. Um turbilhão de mudanças



UM TURBILHÃO DE MUDANÇAS

José Vieira da Cruz
 Professor da UFAL, Doutor em História pela UFBA, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e da Academia Alagoana de Educação (ACALE)

Memory of the pandemic in Alagoas / Memoria de la pandemia en Alagoas


Mémoire de la pandémie à Alagoas / Memoria della pandemia di Alagoas



Nas últimas semanas, apesar da quarentena internacional, o ritmo das mudanças e das informações por elas provocadas não pararam. Neste aspecto, não há um estado de monotonia e sim de ansiedade. Ao fim e ao cabo, o turbilhão de mudanças que vêm desmanchando certezas e pulverizando indecisões nos coloca a pergunta de como será o amanhã? Pós-crise do petróleo, pós-crise da redução da atividade econômica, pós-crise da diplomacia e dos interesses geopolíticos, pós-pandemia e, no caso do Brasil, com um ingrediente a mais: pós-crise política do governo atual.
Assuntos tão presentes e constantes que é quase impossível desviar o foco deles, ao menos para os que acompanham os noticiários e as redes sociais, inclusive os programas de humor e os, cada vez mais populares e instantâneas, memes. É uma realidade que nos inunda de informações e nos seduz a pensar seus desdobramentos. Alguns textos são pessimistas, outros pragmáticos, muitos são céticos e outros tentam manter a esperança na capacidade humana de superar desafios.
Não tenho o dom nem a habilidade de prever nem de prescrever o amanhã e menos ainda o futuro. Qualquer coisa nesse sentido, a meu juízo, seria ato premonitório, aposta, projeção ou pura especulação. A respeito, há alguns dias, um comentarista de um programa de notícias da TV Cultura, Luiz Felipe Pondé, questionava prescrições de especialistas sobre um mundo pós-pandemia mais ético, solidário e sustentável. Acrescentando ainda que só temos duas possibilidades para lidar com a realidade de crises e de pós-crises: a História e a Estatística. Embora também goste da Matemática e da Estatística – não pelos números em si, mas sim pela possibilidade de interpretação que elas permitem configurar –, como historiador me deterei apenas em minha área de formação.
A História, ciência que estuda a ação de homens e mulheres no tempo, como definida por Marc Bloch, já registrou inúmeros momentos de crises, conflitos, guerras e doenças (surtos, epidemias e pandemias). Todos eles geraram consequências e lições que foram incorporadas ou não à cultura após períodos de crise. Desse modo, não obstante o desejo de que, após um período de crise, ocorra um legado de aprendizagem, superação e de amadurecimento, por “descuido”, “esquecimento” ou “interesses diversos”, repetições destas crises ocorrem mais de uma vez e, por vezes, por motivos parecidos. Contudo, essas repetições não são uma consequência natural, estrutural ou castigo divino, mas sim fruto das decisões tomadas por cada sociedade.
As experiências vivenciadas por uma sociedade em um período de crise, este é o ponto que desejo enfocar, carrega em si a potencialidade concreta de ser aproveitada ou não, sob diferentes formas, estratégias e experiências. Este processo de aprendizagem ou acomodação depende do contexto social, do lugar e do tempo de cada cultura. Neste sentido, o momento atual reflete os significados do vocábulo chinês para a palavra crise: perigo e oportunidade. Por um lado, crise sinaliza uma situação de perigo, por outro, indica a oportunidade para resolver problemas e encontrar soluções. Em outras palavras, o que define o modo como um país e sua sociedade lida com uma crise e com the day after, é a dimensão política, social e cultural para (re)pensar caminhos, fazer escolhas e tomar decisões. Fora disso, é relegar a humanidade ao imprevisto, ao acaso e à própria sorte.
Escrevo este texto, em uma manhã chuvosa, após um dia anterior de intensos acontecimentos políticos. Refiro-me ao dia 24 de abril de 2020. Uma sexta-feira que, apesar de não ser 13, suscitou arrepios e estremeceu algumas certezas! Foram dois pronunciamentos cujos impactos poderão influir nos rumos que o país precisa tomar por conta da pandemia, da crise econômica e da defesa da ordem constitucional democrática. O primeiro proferido a partir das 11 horas pelo até então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, justificando as razões de sua saída do governo. O segundo transmitido a partir 17 horas, pelo Presidente da República, acompanhado de grande parte de seus ministros, tentando justificar a saída do Ministro da Justiça. Acusações à parte, foi mais uma gota d’água no combalido cenário político brasileiro agravado pela crise sanitária imposta pelo novo Coronavírus.
É sob esta atmosfera que escrevo para externar uma leitura do turbilhão de situações do que estamos vivendo e da necessidade de decisões políticas sensatas, com lastro científico e amparo sanitário exigidos pelo atual contexto. Escrevo também pela ciência e consciência de que as mudanças que poderão ocorrer oriundas deste momento/crise (sanitária, econômica e política) não são e não serão naturais nem advindas da “mão invisível” do mercado e, tão pouco, das mãos de um “escolhido”. Os indivíduos que constituem uma sociedade compartilham a responsabilidade pelas decisões tomadas e os frutos de suas escolhas.
O Brasil e o mundo já viveram outros momentos de conflitos políticos, crises econômicas e pandemias. Já experimentaram os dessabores de governos e de políticas autoritários. Sabem que a democracia e que a cooperação entre os povos tem limites, que é difícil e tem ritmo próprio, mas que apesar disso garante liberdade, respeito, transparência com o tratado da coisa pública e, sobretudo, alimenta a possibilidade de debates, diálogos e construções de consenso. Sabem que o papel do poder público, através dos Estados, é fundamental para garantir o bem-estar social, as liberdades e os direitos individuais e sociais. E sabem que em tempos de crise o planejamento, a articulação, o convencimento e a capacidade de mobilização em torno de pactos políticos, sociais e de desenvolvimento sustentável são imprescindíveis. Os países e as sociedades que melhor compreenderem essa necessidade histórica poderão estar um passo à frente das demais.
Minha esperança e desejo é o de que este aprendizado posso servir de parâmetro e de norte para a tomada de decisão de instituições e da sociedade brasileira. Mas no momento, o que posso fazer é escrever e compartilhar com vocês, leitores que acompanham meus escritos, minhas impressões sobre esse o turbilhão de mudanças que está tomando conta de nosso país. É salutar lembrar que o ano mal começou. E o turbilhão narrado é mais uma gota d’água...

Esta série tem por objetivo publicar depoimentos sobre  como se pensa e se lida com o Corona em Alagoas.  Está aberta a toda e qualquer pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O material será publicado  paulatinamente no  suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo  organizado por Carlos Lima, Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog pode discordar de parte ou do todo da matéria publicada.

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