Nossos olhares sobre
aqueles e aquelas
Igor
Luiz Rodrigues da Silva
Yaó de Oxumaré do GUESB
Quando
fui convidado a escrever esse pequeno texto, narrando como eu, sendo um
Umbandista, estaria vivenciando a pandemia do Covid-19, fiquei dias pensando o
que colocar no papel e que pudesse, para além de descrever essa experiência
minha, individual e ao mesmo tempo coletiva, ser também um instrumento de levar
para quem ler, uma palavra de otimismo e acolhimento.
Desde que fui escolhido por Oxumaré, há cinco
anos atrás, para cuidar de sua tranqueira no GUESB (Grupo União Espirita Santa
Barbara), sob a liderança da nossa Ialorixá Mãe Neide Oyá D’ Oxum, que a minha
trajetória tem sido atravessada por recorrentes desafios, planos, vitorias, bem
como, de constantes questionamentos sobre a minha própria caminhada enquanto um
ser umbandista. Ao longo desse caminho, renuncias, perdas, ganhos, lagrimas,
tristezas, alegrias, aceitação, negação, rejeição, tem provocado inúmeros
questionamentos, muitos dos quais sem respostas prontas e imediatas.
Diante
dessa pandemia que estamos atravessando, os Orixás e as Entidades, tem sido
então, o ponto de conexão que tem me orientado a fortalecer minhas próprias
dores, meus próprios medos e angustias.
São fundamentais na construção das minhas narrativas cotidianas, pois
viver em isolamento, requer antes de tudo, fortalecer as nossas demandas
emocionais, fortalecimento dos nossos vínculos afetivos com nossas famílias,
nossos amigos, com pessoas que nos são próximas e que agora tem se ocupar em
proteger as próprias vidas. Neste sentido, eu posso separar esse meu
atravessamento na pandemia em duas etapas ou experiências. A primeira delas se
vincula ao espaço sagrado do GUESB.
No
início da pandemia, entre os meses de março até meados de maio, o terreiro foi
meu abrigo, minha morada, meu recanto de acolhimento e também de ensinamento.
Esses quase três meses que fiquei por lá, foram importantes para o meu
fortalecimento espiritual, na compreensão do meu dever e do meu chamado
enquanto umbandista, filho de Oxumaré. Durante a estadia por lá também, junto
com a nossa Mãe Neide, Pai João Paulo, Pai Ogã Júnior, e alguns irmãos e irmãs,
que assim como eu, também estão ainda passando o isolamento social por lá,
decidimos acolher o máximo que pudéssemos, as famílias em situação de
vulnerabilidade agravada com a pandemia, com distribuição de sopa (duas vezes
na semana) e também através de cestas básicas.
Entre uma atividade social e outra, pudemos
ainda fazer algumas lives via redes sociais do GUESB, com o intuito de propagar
e disseminar mensagens de fé, de esperança em dias melhores. Ao mesmo tempo que
produzíamos pequenos vídeos que postados, espalhavam orações e preces, pedindo
aos Orixás discernimento diante das incertezas do caminho, fortalecendo
sobretudo a nossa própria fé, a nossa própria missão e crescimento dentro do
espaço sagrado. O silêncio, as memorias, as histórias dos antigos contadas
através da nossa matriarca, se mesclavam com as nossas próprias relações
estabelecidas durante esses intensos dias de convívio no terreiro.
O segundo momento, se estabelece a partir do
dia 18 de maio, quando eu deixo o terreiro e atravesso o país para desembarcar
em Santa Catarina, e é aqui onde estou agora. É aqui desde 2017 eu faço o
doutorando em Antropologia, e é aqui que são ampliados os sentimentos, os
ensinamentos, que foram construídos nos meses anteriores dentro de terreiro. É
aqui que o isolamento se amplia e toma forma mais acentuada, pois o convívio
coletivo cede lugar para a solidão, para acentuação do silêncio dos dias,
agravados ainda mais pela chegada do inverno, dias frios, chuvosos, até com
presença de ciclones, me fazem ainda mais ter que acreditar que algo maior e
mais forte está me guiando e me protegendo.
Como
um filho de Oxumaré, guiado também por Iansã, Obaluâe, Nanã e Tempo, acredito
(e agradeço todos os dias por isso) que estamos sendo convidados e convidadas a
experienciar um novo mundo, novas possibilidades de caminhar sobre a terra, e
que por mais duro que tenha sido, viver longe de que amamos, por mais pesado
que o fardo parece ser, por mais doloroso que seja, ver alguém partir sem
receber as devidas homenagens, nós que aqui ficamos, devemos traçar novos
objetivos, novas metas, lançar nossos olhares sobre aqueles e aquelas que
realmente precisam da nossa atenção, do nosso afeto e do nosso cuidado.
Por
fim, para além dessa conexão mais forte, mais apurada com os Orixás e meus
guias espirituais, tenho escrito a minha tese, vivenciado meus dias com muita
música, com muita dança, escrevendo sobre minhas dores, minhas angustias,
aprendendo também a fazer autorretratos, a ser mais forte e mais vivo em dias
nublados, para que enfim, sejamos todos acolhidos dentro de um forte e caloroso
abraço. Me visto de branco, quase todos os dias, com meus fios de conta no
pescoço, acendo velas e me ponho de joelhos saudando e louvando, me conectando
a minha ancestralidade, que habita em todo lugar.
Arroboboi!!
Pandemia e Cultos de Matriz
Africana se configura como um espaço democrático para a expressão das
diferentes perspectiva sob as quais os povos de terreiros e seus sujeitos
vivenciam e compreendem este momento singular de isolamento social e
enfrentamento da COVID-19.
Nesse sentido,
apresentaremos artigos escritos pelos próprio atores e atrizes sociais que
protagonizam o cotidiano dos terreiros alagoanos em suas práticas litúrgicas,
saberes e fazeres cotidianos. São Yalorixás, Babalorixás, Ogãns, e Ekedes, além
de Yaôs que trazem a público sua visão de mundo construída com base em sistemas
culturais particulares, onde a circularidade, a reciprocidade e a celebração da
vida como sagrada predominam.
Esses Xangozeiros e
Xangozeiras, dispersos por todos os rincões de nossa anfíbia terra, trazem com
suas vozes, cânticos e contos, valores e princípios que podem ressignificar a
tragédia pandêmica e nos revitalizar a esperança de dias melhores. Na ótica do
Axé, nada se esgota em si, tampouco se explica por si, pois natureza, ser
humano e sagrado se interconectam como um só. Ao desfrutar desses textos,
portanto é possível que nossos leitores e leitoras reavivam sentidos já
esquecidos para a suas existências e, talvez, aprendam com os terreiros que a verdadeira magia é o mistério renascer em vida.
Arapiraca,
Julho de 2020, ano da Pandemia
Odé
Akueran Ibadan / Prof. Dr. Clébio Correia
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