sábado, 19 de julho de 2014
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Este artigo foi publicado em O Jornal em 14 de setembro de 2007
O Neuton da Capela e a Maria Furadinha são tesouros do feijão
alagoano
Luiz Sávio de Almeida
Não é fácil
preparar bom feijão, sustentar a qualidade da comida diária de uma casa.
A sua presença
e a do arroz montam o trivial de nossa mesa, existindo, inclusive, para
a sua repetida e repetida presença, uma expressão para a rotina que se
faz chatinha:
é o mesmo feijão com arroz. A gente já cresce sentindo o cheiro dele e
quando é
tempo de comida de panela, cuidadosamente ele vai sendo introduzido, por
ser
pesado e vai ser de absoluta
necessidade para a sustança. Se alguma
nutricionista fizer uma pesquisa procurando saber os alimentos que o
povo
reconhece como forte, sem duvida vai ouvir falar muito de nosso feijão.
Para
curar a fraqueza, o feijão aparece no receituário: tá fraco das pernas, é
preciso comer feijão.
E por ai seguem o de corda,
arranco, preto, branco, mulatinho e haja feijão. A beleza de tudo esta na simplicidade;
cada casa tem seu feijão e penso que chegue
a ser uma espécie de impressão digital
domiciliar. Como em cada casa existe um tipo de amor, em cada cozinha existe um
tipo de feijão. Sei lá como se pode ter
tanto gosto diferente, tanta textura diferente de caldo... O mulatinho pesa em
todos os lares, aquele caldo, o marrom, a sopa em potencial. Para mim, o feijão
de maior presença publica é o dos pedreiros. Não sei se é a hora em que ele começa
a cheirar, mas é como se de imediato o olfato recomendasse o sabor. O cheiro e
o gosto assumindo a construção, como se estivessem emoldurados pelo Chico
Buarque de Holanda.
Eu
não sei se é o cimento, a
poeira, o barro, a lata, a lenha... Não sei... Apenas sei que é uma bela
hora
de almoço. Quando faço amizade com pessoal de alguma construção perto de
casa,
vez em quando colaboro na comedoria, recebo meu quinhão e tome farinha e
pimenta. Mas aqui pertinho da Maceió, existe um restaurante
extraordinariamente
pedreiro: mesmo feijão, mesmo poder de charque:
a Maria Furadinha, onde se encontra, também, o belo serviço de mesa
prestado pela não menos competente Taioba. Seria difícil que o feijão da
Maria
Furadinha tivesse o poder que tem, sem a Taioba para brilhar em futuro
esporte olímpico: prato à mesa. Ela joga bem.
Dois garçons ficam na minha memória: a Taioba e o Pescoço. Pescoço
quando eu pedia uma cachaça, ele
colocava outra para ele e saiamos cambaleantes: o freguês e o garçom que
se danava
a fazer conta errada. Não é o Pescoço do Graci: é outro e talvez por
parecer com o do Gracy, a gente chamava assim. A ultima vez que o vi,
ele trabalhava na Peixada Pajussara, na esquina do quarteirão em que
ficava o Bar
das Ostras, lá na Lagoa. Faz é tempo...
Excelência do feijão é o caldinho do Bar Sem Nome do Neuton
na Capela. Alias, o primo serve o de feijão, galinha e misto, valendo a pena
sair de Maceió e deliciar o caldinho em uma rua calma, parece que em frente ao Cartório
do primo Cícero Cocó, oitão do Forum e de frente para a Estação do Trem, parada,
sem, movimento, com aqueles trilhos vivendo a toa por maldade do destino.
Quando o trem chegou na Capela, o povo tinha pena do bicho cansado, resfolegando de tanto andar e andar. Pois a estação
esta ali, confronte o Neuton.
É impressionante a limpeza onde o
caldo é preparado. Limpo, limpo, limpo... Nem parece que por ali andou galinha ou feijão. Não se vê uma
pena, uma semente de tomate, uma queixa do galo marido da galinha. Maria Lopes tinha razão:
vale a pena sair de Maceió, ir tomar o caldinho do primo. lsto é bom, ainda de
acordo com a Maria Lopes, para quem deseje tomar um deforete, descansar do
burburinho. preciso um cuidado; vai
chegando por perto do meio-dia, o primo fecha; não gosta de muita gente e eu
entendo: não ha abuso mais chato do que de bêbado e de freguês gritando: eu
quero isto e que quero aquilo! Maria Furadinha e o primo Neuton são exímios
curadores da cozinha do feijão. Maria Lopes fala da sopa de feijão da Lurdes lá
no Cajueiro Grande em Penedo, mas a Maria esquece que a Lurdes já morreu.
Coitada, saudades. Foi quem me deu muito pirão de peixe e caldo de piranha
quando eu era menino na Rua da Penha em Penedo.