sábado, 14 de junho de 2014
Catolicismo popular: a Pedra do Padre Cícero e o problema do feijão
Uso
uma música gravada por Luiz Gonzaga. Não pedi permissão e não sei se me
atrevo contra direitos autorais. É apenas uma homenagem a um homem a
quem devo imensamente na minha formação. Na verdade, escuto a minha avó
Dondon cantando a homenagem à Santa Beata Mocinha. Seu Dono, o senhor
desculpe e se mandar eu tiro.
Texto publicado em Contexto de 22 de janeiro de 2012 em
Tribuna Independente. Para este blog, estamos utilizando material
digitalizado e com gerenciamento das imagens realizado por Kellyson
Ferreira, com a coordenação do Professor Antônio Daniel Marinho.
A Pedra do Padre Cícero e o problema do feijão
Luiz Sávio de Almeida
Esta
é uma pequena nota escrita após conversa com Cícero Lima, filho de José
Lima (falecido, uns 20 anos), o homem que pagou sua promessa ao Padre
Cícero, construindo a capelinha que fica em cima da pedra e também a
grande que olha para a margem da estrada. É como se para a capelinha
estivesse reservada a paisagem a leste, e à grande fosse reservada a
mirada para sul, dando para um pé de serra e para o assentamento Santa
Maria.
UMA VISITA CONSTANTE
Tenho
estado no local, desde quando a estrada era de barro e sempre tive
vontade de escrever alguma coisa sobre ele. Não conheci o José Luiz, mas
sempre que passava e a porta da bodega estava aberta, eu tomava
refrigerante e conversava com a esposa do romeiro. Sabia que o lugar
havia resultado de uma promessa, mas não tinha a ideia de que tudo
estava se transformando em um denso ponto do sagrado popular alagoano.
Hoje,
o lugar não cresceu em termô de moradores, não se tornou uma das
povoação do tipo sertanejo, mas existe cemitério para atender a
redondeza e mais uma igreja foi construída, desta feita para abrigar a
imagem de Santa Edvirges e que foi trazida pela mãe de Cícero Lima,
justamente, da cidade do Juazeiro do Norte, cidade onde Padre Cícero
está enterrado. O lugar é a casa de morada, a capelinha da Pedra, a
capela vizinha, o cemitério e a Capela de Santa Edvirges. A capela
grande foi sendo aumentada, na medida em que o lugar crescia como centro
de devoção.
A beleza do termo redondeza
Este
termo redondeza é interessante; é como se o mundo fosse pensado em
círculo e de repente tudo termina em aparente sem mais e nem menos, com
um ponto final deslocável. Absoluto mistério na construção das
fronteiras. Quando é que o espaço deixa de ser e estar neste redondo?
Mas lembro agora que existe também a palavra quadra, termo bem mais
urbano, semelhante à ideia de quarta que fica em quarteirão.
O
que se escuta, na verdade e no meio rural especialmente, é redondeza,
indicação mais ampla do que vizinhança, um modo sábio de estabelecer
limites, tão preciso quanto a medida do ali indicada, também, pela légua
de beiço.
AS BENTAS TOALHAS
Tudo
começou em torno de uns 53 anos. José Lima sempre foi devoto do
Padrinho e ia de caminhão ao Juazeiro. Não sei a graça que alcançou, mas
foi o suficiente para fazer as duas capelas e lançar mais um santuário a
cultuar no complexo montado em honra do Santo do Juazeiro. Aliás, é
rara a localidade em Alagoas que não tenha uma imagem do Padre,
praticamente tornada um padrão, com ele em pé, vestes sacerdotais e o
cajado como se fosse um báculo caboclo. É como se o Padre não
descansasse, tivesse de ser um Padre-andando desde os acontecimentos do
sangue na boca da Beata Mariae o caminho tão longe e tão cheio de pedra e
areia, como diz o bendito dolentemente cantado pelos romeiros que se
aventuraram pelas antigas estradas sertanejas, hoje fitas pretas de
asfalto, no desengonço da paisagem.
A SUBIDA AOS CÉUS
Sempre
se tem uma pessoa pagando promessa, pois a vida e a promessa não têm
data fixa e nem móvel. Apenas elas têm data a vir do cotidiano. O
grosso, contudo, é no dia da morte do Padre Cícero. Tudo enche e tudo se
esvazia em um de repente. E tem que ser assim pois o lugar nada tem do
que chamam de equipamento urbano, embora pudesse se ancorar em outro
canto, pois está a uns poucos quilômetros de Santana do Ipanema, talvez
quatro léguas e meia, um pouco depois do Pai Manoel e um pouco antes de
Dois Riachos, o antigo Garcia, povoado nascido de acampamento de
cassacos que faziam a estrada, conforme me lembrou o Zé Pinto. Fora as
casas do pé de serra e do assentamento, mais nenhuma. A terra termina no
Sítio do Imbé e para ter casa vão ser precisos uns três a quatro
quilômetros para traz do terreno; nem tem pelo lado direito e nem tem
pelo lado esquerdo. A Pedra de fato é s e mais sozinha seria se não
houvesse o assentamento. No dia 19 começa a chegar gente e, quando dá
por volta de cinco da tarde do dia 20, tudo desaparece em um milagre. É
gente que vem na maioria vestindo preto, algumas de luto carregado por
conta da ida do Padrinho ao céu.
Caminhão
de romeiro desapareceu. A fiscalização não permite. O que aparece é
carro de passeio, camioneta, van, ônibus. E por aí chegam umas sete a
oito mil pessoas e tudo enche, parecendo um formigueiro. É gente de
Alagoas, Pernambuco, Bahia. Os povos deixam o rastro com mãos, pés,
cruzeiros, tudo aquilo que demonstre o retorno ao santo, montado no
material dos ex- -votos, narrativas e depoimentos feitos para testemunho
da bondade do santo e, ao mesmo tempo, um solene agradecimento público
deixando provas.
O POPULAR E A HIERARQUIA
É bem possível que tenha acontecido problemas com a
hierarquia católica da região, pois o Bispo chegou a proibir ]
que se rezasse Missa, um pouco recuperando a desconfiança que a hierarquia sempre depositou sobre os poderes do Padre Cícero, sendo interessante verificar como o popular jamais foi realmente impedido de manter suas criações, com a força de Roma não sendo capaz de quebrar formas locais em parte derivadas das antas Missões.
hierarquia católica da região, pois o Bispo chegou a proibir ]
que se rezasse Missa, um pouco recuperando a desconfiança que a hierarquia sempre depositou sobre os poderes do Padre Cícero, sendo interessante verificar como o popular jamais foi realmente impedido de manter suas criações, com a força de Roma não sendo capaz de quebrar formas locais em parte derivadas das antas Missões.
O
Bispo reconsiderou a questão que possivelmente enfraqueceria a vinda de
pessoas, sempre aumentado o fluxo, quem sabe facilitado pelo asfalto,
pela renovação e ampliação dos modos de acessos. Inclusive estava sendo
pensada uma Missa mensal. Em parte, o problema era atribuído ao pároco,
considerado muito rígido. Faleceu. Em 2009 não houve Missa.
E O LUGAR SE ENCHE
O
pessoal chega e aparecem por mais ou menos umas mil barracas, que ficam
por detrás da •Igreja. E vendem tudo quanto é de coisa, como se fosse
uma feira livre. Os romeiros praticamente não dormem. Começam a chegar
por volta de uma hora da manhã do dia 19, ficam andando, zanzando, pagam
a promessa e quando é cinco da tarde do dia vinte, praticamente todo
mundo foi embora.
No
ano passado, 2009, foram 120 ônibus e entre todos os veículos tem-se em
torno de 600. A escada é controlada para não haver acidente e nisso
trabalham umas quaro pessoas e mais umas seis ficam nos lados do
cemitério, onde, justamente, fica a feira. A segurança é dada pela
polícia que aparece, mas não precisa, pois tudo fica aos cuidados do
Padre Cícero e nunca se teve o menor acidente.
UMA MUDANÇA NA ECONOMIA
O
pessoal de José Lima para viver ficou com o gado. Acabou-se a
possibilidade de colocar roça e nisso vão embora a mandioca, o milho, o
feijão, o que é chamado de lavoura de subsistência para quem tinha
condição de assalariar. Bem em frente à Pedra do Padre Cícero, avista-se
um pé de serra se desenhando no horizonte e mais para a beira da
rodagem está o assentamento Santa Maria.
Hoje não interessa colocar roçado fora da linha da sobrevivência e isso se deve ao que acontece com a mão de obra, segundo a tese levantada pelo Cícero. Seria esta uma expectativa sertaneja? Poderia sua opinião ser estendida para o sertão? O problema seria o comportamento da força de trabalho, que tem de sair para ter ingressos monetários e vai para o açúcar alagoano, chega a Mato Grosso e Paraná. Isso teria diminuído o estoque de força de trabalho na região, encarecendo os custos para feijão, milho. A falta de disponibilidade de mão de obra maximiza os custos de produção.
Na
medida em que isto ganhe escala, interfere na economia política do pé
de serra e nos esquemas de produção que se desenvolvem. A roça feita na
base do trabalho pago, oneraria a produção e seria melhor comprar do que
produzir.
Esta
análise leva a que se entenda a migração da mão de obra a reorganizar a
produção local, na medida em que se efetiva em escala, deixando,
portanto, uma baixa disponibilidade e, por outro lado, demonstra o modo
ou a sistemática de assalariamento.
Esta
situação deve ter atingido enfaticamente a área, entre cinco a dez anos
atrás, segundo Cícero. Ele argumenta a razão de saída como a
necessidade de se ter ingressos monetários durante todo o ano,
sustentar-se pelo dinheiro recebido mensalmente. Ficando no local, o
trabalhador estaria circunstanciado pelo período de safra: não teria
ganho mensal.
Não
seria somente o quantum que estaria implicando, mas ele associado ao
mensal. O período de safra não permitiria juntar ganhos para viver o
ano. Foge à massa de recursos disponíveis para o gerenciamento da
produção, a possibilidade pagar à força de trabalho ou ela estaria
ajustada para efetivamente não pagá-la, devido a inúmeros fatores.
Há
uma espécie de flutuação de sertanejo, não permitindo o retorno, a
(re)fixação. O próprio assentamento estaria sendo afetado; fica o dono
do lote, mas a mão de obra adulta sai. Esta movimentação
institucionalizou o gato; existem os de fora e os locais. Os gatos
passam a lucrar com a intermediação do fluxo.
E
eles tanto suprem as usinas de Alagoas, como mandam para outros
Estados. A mão de obra volante passa pela situação sertaneja. Isso afeta
a agricultura e não à pecuária, atividade que envolve menor número de
pessoas e que a própria mão de obra familiar pode dar conta. Ainda é
possível ver muitos plantios, mas a área plantada teria diminuído. Há
uma redução na área. A mandioca se deixou de plantar, as casas de
farinha foram acabando.
Na
medida em que se leva em consideração que o pé de serra vem perdendo a
força de trabalho adulta, esta condição maximiza a função econômica da
mulher e de menores? Seria algo a investigar, a discutir, ponderar.
Cícero afirma que no tempo do pai, a pecuária e agricultura davam por
igual. Hoje não. O que acontece no pé de serra? Com a mulher?
Na verdade,foi uma conversa de levantar boas pistas.
Na verdade,foi uma conversa de levantar boas pistas.