texto de 2.014
Um papo de mesa de bar
Luiz Sávio de Almeida
Um dos sonhos da minha vida era visitar esta ilha que eu já conhecia do
longe do meio do rio e de fotografia da década de sessenta do século
XIX. Eu sempre me senti fascinado e me dizia: um dia chego lá. Vai que
faz algum tempo, na companhia do Mário Aloísio e de Sandro Gama,
larguei-me de Maceió para ver o paraíso.
Desci na ilha: à minha frente, o colossal Sergipe, à direita, a Foz do
Panema. Eu estava em meu sonho; eu nunca desejei Oropa, França e Bahia.
Desejava a Foz do Panema com sua igreja misteriosa e preguiçosa. Desci
na ilha e comecei a sonhar: viajei solitário para muito longe, para um
mundo que andava escondido dentro de mim e somente a ilha poderia
retirar. Era a maravilha da espera.
É bom saber esperar, ter paciência para conseguir. A
beleza quando se junta à esperança realizada, transforma a vida do
vivente, daquele que se arrasta, levando o vale de lágrimas da Salve
Rainha para as masmorras do tempo em que apareceu: os finados da Idade
Média. Eu sempre soube que a
esperança traz a beleza dentro de si. Quem escava a esperança e chega
lá, somente encontra o outro lado do mundo. A lua não, mas a terra tem
sua face oculta.
Deixa eu colocar mais um pouco de cerveja!
Pouco importa se a gente não fica na face oculta da terra, sozinho, escondido, ouvindo o vento trazer, de vez em quando, o som do Ivon Curi cantando o Miudinho.
Estar no outro lado da terra, no real que a vida lhe nega, é uma
ciência de importância e quem sabe são peixes como traíras e jundiás,
pássaros como o xexéu, concrizes, gente como eu e mais tantos que viajam
pelo tempo com a alma limpa de desventuras e sabendo a ternura dos
segundos que se pode ter. Como é bom mergulhar na felicidade das ilhas do tempo, viver
sem cobrar, sem pedir, apenas navegar como eu estava navegando na hora
em que descobria a minha Ilha. Ilha do Nada, pensei ao saltar em terra e
depois Ilha Onde Sou depois que me sentei na terra d'areia que
sufragava a praia.
Acho que toda ilha tem a terra virgem e que
sempre vive para ser descoberta centenas de vezes, mas a descoberta é
apenas uma e nunca mais se repetirá. Encontrar a ilha, mesmo que a
vegetação seja fugidia e rasteira, mesmo que seja uma ilhota, ilhinha,
um quase nada de tripa de terra no meio d'água é um estado de pureza
d'alma, como pediriam os antigos e novos poetas. O que eu desejava ver naquela Ilha que era a minha terra da
promissão? Eu não tinha desejo, não queria ver, apenas ficar e então fui
andando de olhos fechados e fui abrindo lentamente ao tocar em uma
rocha. E estavam a rocha, um caminho, um rio e o céu cheio de nuvens. A
minha Ilha existia.
A
rocha era cheia de detalhes e eu poderia passar a vida descobrindo os
segredos pois nem toda ela é, como se pensa, uma fortaleza. Aquela dava
seus encantos para mim, não se trancava e
nem pedia para ser escalada: apenas estava lá. Aquela rocha ficava e
sabia falar e foi conversando e me contando os segredos e sabia de tudo
aquilo que o rio escondia.
Mostrou-me as plantas no chão e me pediu para ter cuidado com elas; foi quando me abaixei para a terra e as vi, secas:
Eu
nunca da ilha e nem desejo sair. Quero ficar aqui, onde olho para
plantas secas e converso com rochas de fino trato, onde vejo a areia e a
água do rio. Aqui não falta horizonte para indicar que existe algo bem
mais além. Eu não quero chegar mais além; quero estar aqui, enquanto
estou aqui, Na realidade, encontro uma estranha relação entre distância e
tempo. Tudo se anula nesta ilha onde vivi e vivo e viveria, mesmo
estando a conversar nesta mesa de bar.