POVOS INDÍGENAS DE ALAGOAS:
DESIGUALDADE SOCIAL E EDUCACIONAL EM TEMPOS DE PANDEMIA. ONDE ESTÁ A EQUIDADE?
Prof.ª Thaís Lima dos Santos Pereira
Professora
colaboradora da comunidade indígena Katokinn
Saúde:a pandemia vista pelos índios
Coordenado pelo Professor Dr. Amaro Hélio Leite da Silva
-Coordenador do Neabi/Ifal
-Coordenador do Neabi/Ifal
Passados mais de 30 anos da Constituição Federal brasileira, que garantiu em lei o direito dos povos indígenas no Brasil a uma educação escolar diferenciada e de qualidade, recebendo adjetivações como: específica, diferenciada, intercultural e/ou bilíngue, ela passou a ser tratada como política pública, como um direito de cidadania. Foi um feito extremamente importante, resguardando esses povos ideologicamente, suas memórias, culturas, tradições, filosofias e suas políticas. Cabendo à União a responsabilidade de proteger as populações indígenas.
Pensar em educação escolar
indígena implica: refletir o projeto de sociedade que se quer; as formas de
vida que se tem; e o espaço de ação que cada povo ocupa, sobretudo, é falar da
escola como lugar onde o indivíduo vai refletir sobre seu contexto social; modificar
realidades; produzir e desenvolver conhecimentos; aprimorar as capacidades para
o exercício da cidadania, e lidar com seus próprios processos formativos. Foi
assegurado o direito à diferença cultural, isto é, o direito de serem o que
eram integralmente, pedindo o abandono da postura integracionista, onde à União
sempre se procurou incorporar os povos indígenas ao todo. Mas, Educação Escolar
Indígena Diferenciada (EEID) para quem? De acordo com a Funai, para mais de 300
povos indígenas, sendo que 11 povos indígenas em AL são eles: Kariri – Xokó,
Xucuru- Kariri, Wassu, Tíngui-Botó, Aconã, Geripankó, Kalankó, Karapotó,
Karuazu, Katokinn e Koiupanká.
Isso realmente vem ocorrendo
no estado de Alagoas? Não podemos negar a
presença dessa política pública entre os povos indígenas de Alagoas. Quanto às escolas
diferenciadas, temos um quantitativo de 17 escolas indígenas, oferecendo
aos seus povos modalidades que vão de educação infantil, ao ensino médio. Embora os povos Karuazu, Kalankó e Karapotó-Terra Nova
venham há anos lutando por uma instituição escolar própria – apesar da grande
abrangência das escolas nas comunidades indígenas do Estado –, constatam-se
diversos problemas que dificultam seu pleno funcionamento com as precariedades
físicas. Algumas escolas funcionam em centros comunitários, ocas ou casas
cedidas. Dos 11 povos, apenas 5 povos possuem o mesmo padrão de estrutura
física nas escolas, são eles; Xucuru-Cariri, Wassu, Kariri-Xokó Tíngui-Boto e
Geripankó. Há uma larga distância entre o que está estabelecido na lei e
o que ocorre na prática.
O Estado
deve oferecer não apenas a igualdade de direitos na forma da Lei, mas a
equidade desses direitos, acessibilidade nesse fazer pedagógico diferenciado,
equidade que vem sendo negada. Temos
um sistema que pouco se importa com o padrão qualidade físico dessas escolas,
nesse sentido onde fica essa universalização com qualidade? E mesmo escolas
indígenas com uma razoável estrutura física, vem por vezes sendo desvalorizadas,
por uma sociedade que fielmente continua reproduzindo discursos racistas de que
esses povos são burros, preguiçosos, chegando inclusive a duvidar dos avanços e
sucessos que essas instituições alcançam. Nem sempre o acesso à educação
torna-se garantia de uma estrutura adequada, e por vezes isso é um fator
limitador de um fazer escolar com igualdade a nível estadual, mesmo sendo um
fazer diferenciado.
Antes dessa pandemia creio
que todos que tinham/têm interesse em discutir a EEID, vinham questionando
quando escolas indígenas diferenciadas de AL iriam ter suas estruturas adequadas,
ao ponto de oferecer um ensino a nível do que vem sendo orientado e solicitados
pela Base Comum Nacional Curricular - BNCC? Com laboratório de informática,
acessibilidades às mídias digitais que a BNCC aponta haver essa homogeneidade
tecnológica em todas escolas do Brasil. Revelando mais uma vez a negação ao
acesso a uma escola com uma estrutura de qualidade.
Então, nesse sentido, antes
da pandemia já se tinha uma necessidade de igualdade de direitos, de equidade
na estrutura física, para se alcançar essa universalização do ensino. Agora,
estamos diante do processo de Regime Especial de Atividades Escolares Não
Presenciais (REAENP), estabelecido pela Secretaria de Estado de Educação -
SEDUC de Alagoas pela Portaria/SEDUC Nº 4.904/2020, que no Art. 1º estabelece
nas Unidade de Ensino da Rede Pública Estadual, em todas as etapas e diferentes
modalidades, enquanto durar a situação a Pandemia. Mas, a portaria não garante
por si só o sucesso das atividades propostas. Estamos diante de uma digitalização
forçada da educação escolar em tempos de pandemia. E o que nos preocupa no
contexto da educação escolar indígena diferenciada são as particularidades de
cada povo frente a esse método. Tenhamos a certeza de que esse processo, que
pode ser uma boa alternativa, para os que têm acesso aos meios digitais,
conseguintemente, surtirá em atraso no nível de aprendizagem dos estudantes, aqueles
que não dispõem dessa acessibilidade, principalmente com relação às escolas indígenas.
Essa desigualdade, revela
cenários onde o fique em casa é uma utopia, tendo que escolher se compra a
máscara reutilizável ou o arroz para seus filhos, como exigir que as famílias
se dediquem a educar seus filhos em casa uma vez que muitas mães, pais e
responsáveis dormem sem saber se haverá o que comer amanhã? A solidariedade e
empatia entre indígenas para com seus parentes é algo louvável, mas essa
solidariedade não substitui em nenhum momento a responsabilidade do Estado com
esses povos, que estão em suas aldeias, além dos outros povos que vivem nas
periferias das cidades a mercê da sorte, há povos sem ao menos uma ambulância
para o transporte dos seus parentes infectados, ou condições de isolamento, de
testar seus parentes para detectar e isolar o vírus, assegurando a continuidade
da vida em sua aldeia.
Um exemplo claro e simples,
seria a distribuição de alimentos, que se faz necessária entre os povos
indígenas, no sentido de que muitos povos ainda lutam pelo reconhecimento e
demarcação de suas terras para plantar; outros têm terra, mas o fluxo de
plantio em grande escala não faz parte da cultura indígena, que produz com
qualidade e respeitando a natureza, além disso leva-se um tempo para plantar e
colher. Muitos vivem de bolsa família porque não conseguem se auto sustentar
sem-terra. Não vamos acreditar que a fome acabou com a chegada do bolsa
família. Esses são problemas históricos de negação aos povos indígenas que
emergem novamente, e o que é pior emergem em um cenário de pandemia. Minha
percepção é que estamos em mais um cenário de abandono social, de negação dessa
equidade apontada pela Constituição Federal. A pandemia está escancarando os
problemas que já existiam antes dela. Pois esses povos estão justamente no
grupo que precisa de equidade e não apenas igualdade. Os povos indígenas não se resumem apenas em
estatística, cada indígena que morre leva com ele seu histórico de
ancestralidade, sua história e o futuro e permanência de seu povo que é único.
Cada povo está tendo perdas significativas, isso interfere diretamente na
transmissão de conhecimento no fazer da educação escolar indígena diferenciada.
Se o Estado não olhar para
esses povos, a história irá registrar a deliberada omissão de socorro e de
proteção aos povos indígenas do Brasil. Quero finalizar questionando: será que
a falta de estrutura social, igualdade e equidade que garante a continuidade da
vida desses povos indígenas de Alagoas, não é por si só uma violência?
Referências:
BRASIL. SEDUC. Portaria/SEDUC Nº 4.904/2020. Diário
Oficial de Alagoas, Maceió, 07 de abril de 2020. Seção 1, p. 5.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 30 jun. 2020.
O blog pode discordar, no todo ou em parte, do material que publica
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