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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Daniela Beny. O aquilombamento virtual e a solidariedade do Axé



O aquilombamento virtual e a solidariedade do Axé

Daniela Beny

 
 Professora de Teatro, especialista em Antropologia, Mestra em Artes Cênicas, doutoranda em Artes Cênicas e Iá-Criadeira do Terreiro de Umbanda Aldeia dos Orixás em processo de consagração como Ialorixá.

Assim como as escolas e os eventos artísticos – dois dos ambientes nos quais transito – as casas de Axé fazem parte do primeiro grupo das atividades suspensas por conta da pandemia do COVID-19, e assim como ocorreu e ocorre nestes outros ambientes, o terreiro precisou se reinventar e se adaptar às impossibilidade deste período.
Como só posso falar a partir de onde meus pés pisam, gostaria de compartilhar com o/a leitor/a um pouco do que temos feito no Terreiro de Umbanda Aldeia dos Orixás – o qual eu faço parte – para diminuir as distâncias entre nós nesse momento tão delicado.
Sabemos que o Axé nos envolve, independente da distância física, mas como afro-religiosos, nossa fé é comunitária, está no coletivo, está no cuidado com as outras pessoas. Então, como fazer isso se no momento não podemos nos aproximar, nem abraçar as pessoas que amamos?
Achamos uma resposta e uma possível solução para essa questão. Fechada a mais de 100 dias, a Aldeia dos Orixás vem buscando promover com aqueles que fazem parte da sua comunidade o que chamo de Aquilombamento Virtual, digo isso porque, dada a impossibilidade da realização de giras e atendimentos estamos buscando manter nossos vínculos por meio do ambiente digital.
Nossa proposta tem sido nos mantermos em contato uns com os outros, nem que seja uma vez por semana, usando de plataformas de videoconferência para realizarmos conversas que nem sempre tínhamos tempo durante o dia-a-dia. Para além de trocar conhecimento, existe aqui a preocupação com nossos mais velhos e nossos mais novos de oferecer conforto e um instante de comunhão, mesmo que por trás das telas de um computador ou de um celular.
Se somos um coletivo, se “eu sou porque nós somos” então como lidar com esse Aquilombamento para além dos limites da virtualidade? Um dos caminhos que a Umbanda percorre é também o da caridade, e dentro de uma crise sanitária como a que passamos, para além da saúde espiritual, precisamos cuidar da saúde física e mental daqueles que por quais somos responsáveis energeticamente, para isso conseguimos nos estruturar em duas frentes de acolhimento.
Uma delas com a colaboração de psicólogos/as, assistentes sociais e demais profissionais de saúde voluntários/as, assim conseguimos dar suporte e orientação para os médiuns da casa que testaram positivo para o COVID-19, já que muitas vezes o choque de informações atrapalha um tratamento mais eficaz.  
A segunda frente foi possível através de convênio com o Fundo Brasil de Direitos Humanos, conseguimos iniciar uma campanha virtual de manutenção dos terreiros e conscientização do povo de Axé sobre como combater o avanço do Corona Vírus dentro de suas comunidades.
Saindo do ambiente virtual, por meio do convênio conseguimos viabilizar a entrega de kits com materiais de limpeza, álcool gel, cestas básicas e máscaras – produzidas por outros terreiros parceiros – que foram distribuídos para outras casas e também para asilos.
Optamos por organizar esta ação neste formato para assim compartilharmos com nossos irmãos e irmãs de fé de outras casas parte do recurso para realização dessa atividade, uma vez que costureiras e costureiras que confeccionaram as máscaras também são de terreiros, no sentimento de horizontalidade, na ideia de “onde come um come dois”, além da distribuição desses kits e das cestas básicas para o corpo mediúnico de outras casas.
Compreendo que, assim como na Aldeia,  outros tantos terreiros também têm prestado assistência às suas comunidades com maior eficácia do que os órgãos governamentais, principalmente nas periferias, afirmando mais uma vez que apesar dos ataques e perseguições, as Casas de Axé são responsáveis pela manutenção e pela busca do bem estar das regiões do seu entorno.
Independente de quanto tempo ainda fiquemos impossibilitados de nos encontrar em nosso solo sagrado, o mais importante é a consciência de que somos responsáveis uns pelos outros e que é a força da coletividade que nos levará à cura, ou pelo menos, a atravessar essa pandemia com um pouco de serenidade.


Pandemia e Cultos de Matriz Africana se configura como um espaço democrático para a expressão das diferentes perspectiva sob as quais os povos de terreiros e seus sujeitos vivenciam e compreendem este momento singular de isolamento social e enfrentamento da COVID-19.

Nesse sentido, apresentaremos artigos escritos pelos próprio atores e atrizes sociais que protagonizam o cotidiano dos terreiros alagoanos em suas práticas litúrgicas, saberes e fazeres cotidianos. São Yalorixás, Babalorixás, Ogãns, e Ekedes, além de Yaôs que trazem a público sua visão de mundo construída com base em sistemas culturais particulares, onde a circularidade, a reciprocidade e a celebração da vida como sagrada predominam.

Esses Xangozeiros e Xangozeiras, dispersos por todos os rincões de nossa anfíbia terra, trazem com suas vozes, cânticos e contos, valores e princípios que podem ressignificar a tragédia pandêmica e nos revitalizar a esperança de dias melhores. Na ótica do Axé, nada se esgota em si, tampouco se explica por si, pois natureza, ser humano e sagrado se interconectam como um só. Ao desfrutar desses textos, portanto é possível que nossos leitores e leitoras reavivam sentidos já esquecidos para a suas existências e, talvez, aprendam com os terreiros que a  verdadeira magia é o mistério renascer em vida.  

                                             Arapiraca, Julho de 2020, ano da Pandemia


                                        Odé Akueran Ibadan / Prof. Dr. Clébio Correia
 
 
O blog pode concordar ou discordar no todo ou em parte, da matéria que publica

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