O aquilombamento virtual e a
solidariedade do Axé
Daniela Beny
Professora de Teatro, especialista em
Antropologia, Mestra em Artes Cênicas, doutoranda em Artes Cênicas e
Iá-Criadeira do Terreiro de Umbanda Aldeia dos Orixás em processo de
consagração como Ialorixá.
Assim como as escolas e os eventos
artísticos – dois dos ambientes nos quais transito – as casas de Axé fazem
parte do primeiro grupo das atividades suspensas por conta da pandemia do
COVID-19, e assim como ocorreu e ocorre nestes outros ambientes, o terreiro
precisou se reinventar e se adaptar às impossibilidade deste período.
Como só posso falar a partir de
onde meus pés pisam, gostaria de compartilhar com o/a leitor/a um pouco do que
temos feito no Terreiro de Umbanda Aldeia dos Orixás – o qual eu faço parte –
para diminuir as distâncias entre nós nesse momento tão delicado.
Sabemos que o Axé nos envolve,
independente da distância física, mas como afro-religiosos, nossa fé é
comunitária, está no coletivo, está no cuidado com as outras pessoas. Então,
como fazer isso se no momento não podemos nos aproximar, nem abraçar as pessoas
que amamos?
Achamos uma resposta e uma possível
solução para essa questão. Fechada a mais de 100 dias, a Aldeia dos Orixás vem
buscando promover com aqueles que fazem parte da sua comunidade o que chamo de
Aquilombamento Virtual, digo isso porque, dada a impossibilidade da realização
de giras e atendimentos estamos buscando manter nossos vínculos por meio do
ambiente digital.
Nossa proposta tem sido nos
mantermos em contato uns com os outros, nem que seja uma vez por semana, usando
de plataformas de videoconferência para realizarmos conversas que nem sempre tínhamos
tempo durante o dia-a-dia. Para além de trocar conhecimento, existe aqui a
preocupação com nossos mais velhos e nossos mais novos de oferecer conforto e
um instante de comunhão, mesmo que por trás das telas de um computador ou de um
celular.
Se somos um coletivo, se “eu sou
porque nós somos” então como lidar com esse Aquilombamento para além dos
limites da virtualidade? Um dos caminhos que a Umbanda percorre é também o da
caridade, e dentro de uma crise sanitária como a que passamos, para além da
saúde espiritual, precisamos cuidar da saúde física e mental daqueles que por
quais somos responsáveis energeticamente, para isso conseguimos nos estruturar
em duas frentes de acolhimento.
Uma delas com a colaboração de psicólogos/as,
assistentes sociais e demais profissionais de saúde voluntários/as, assim
conseguimos dar suporte e orientação para os médiuns da casa que testaram
positivo para o COVID-19, já que muitas vezes o choque de informações atrapalha
um tratamento mais eficaz.
A segunda frente foi possível através
de convênio com o Fundo Brasil de Direitos Humanos, conseguimos iniciar uma
campanha virtual de manutenção dos terreiros e conscientização do povo de Axé sobre
como combater o avanço do Corona Vírus dentro de suas comunidades.
Saindo do ambiente virtual, por
meio do convênio conseguimos viabilizar a entrega de kits com materiais de
limpeza, álcool gel, cestas básicas e máscaras – produzidas por outros
terreiros parceiros – que foram distribuídos para outras casas e também para
asilos.
Optamos por organizar esta ação neste
formato para assim compartilharmos com nossos irmãos e irmãs de fé de outras
casas parte do recurso para realização dessa atividade, uma vez que costureiras
e costureiras que confeccionaram as máscaras também são de terreiros, no
sentimento de horizontalidade, na ideia de “onde come um come dois”, além da
distribuição desses kits e das cestas básicas para o corpo mediúnico de outras
casas.
Compreendo que, assim como na
Aldeia, outros tantos terreiros também têm
prestado assistência às suas comunidades com maior eficácia do que os órgãos
governamentais, principalmente nas periferias, afirmando mais uma vez que
apesar dos ataques e perseguições, as Casas de Axé são responsáveis pela
manutenção e pela busca do bem estar das regiões do seu entorno.
Independente de quanto tempo ainda
fiquemos impossibilitados de nos encontrar em nosso solo sagrado, o mais
importante é a consciência de que somos responsáveis uns pelos outros e que é a
força da coletividade que nos levará à cura, ou pelo menos, a atravessar essa
pandemia com um pouco de serenidade.
Pandemia e Cultos de Matriz
Africana se configura como um espaço democrático para a expressão das
diferentes perspectiva sob as quais os povos de terreiros e seus sujeitos
vivenciam e compreendem este momento singular de isolamento social e
enfrentamento da COVID-19.
Nesse sentido,
apresentaremos artigos escritos pelos próprio atores e atrizes sociais que
protagonizam o cotidiano dos terreiros alagoanos em suas práticas litúrgicas,
saberes e fazeres cotidianos. São Yalorixás, Babalorixás, Ogãns, e Ekedes, além
de Yaôs que trazem a público sua visão de mundo construída com base em sistemas
culturais particulares, onde a circularidade, a reciprocidade e a celebração da
vida como sagrada predominam.
Esses Xangozeiros e
Xangozeiras, dispersos por todos os rincões de nossa anfíbia terra, trazem com
suas vozes, cânticos e contos, valores e princípios que podem ressignificar a
tragédia pandêmica e nos revitalizar a esperança de dias melhores. Na ótica do
Axé, nada se esgota em si, tampouco se explica por si, pois natureza, ser
humano e sagrado se interconectam como um só. Ao desfrutar desses textos,
portanto é possível que nossos leitores e leitoras reavivam sentidos já
esquecidos para a suas existências e, talvez, aprendam com os terreiros que a verdadeira magia é o mistério renascer em vida.
Arapiraca,
Julho de 2020, ano da Pandemia
Odé
Akueran Ibadan / Prof. Dr. Clébio Correia
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