DENTRO
DO “NOVO COTIDIANO” EU ME LEVANTO!
Jeamerson dos
Santos
Mestre em Culturas Populares –PPGCULT-UFS, Especialista em Arte, Educação e Sociedade, Graduado em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia Cultural, Cenógrafo.
É com poema “Ainda assim eu me levanto, de Maya Angelo[2]
que inicio meu relato sobre o novo cotidiano, esse isolamento social. O poema
manifesto de 1978 representa muito bem meus anseios nessa pandemia, com a mesma
força e necessidade do momento que foi escrito na luta por direitos civis, uma
luta contra o racismo! Ele tem a força de nos provocar reflexão e reafirma que
apesar da pandemia ainda sim vou continuar de pé:
Ainda assim eu me levanto
Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.
Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.
Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.
Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minh’alma enfraquecida pela solidão?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minh’alma enfraquecida pela solidão?
Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.
Tenho certeza que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.
Pode me atirar palavras afiadas,
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.
Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
Porquê eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?
Será que você se pergunta
Porquê eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?
Da favela, da humilhação imposta
pela cor
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.
Deixando para trás noites de
terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.
Falar de um novo
cotidiano sobre a pressão de uma pandemia, a qual para os negros e negras
torna-se ainda mais letal, apesar das perspectivais mais humanistas possíveis
de aproveitar para pensar novas formas de lidar com o Mundo; imaginar novas
formas de percebermo-nos mais coletivos mesmos distantes, quem dera que todos
pudéssemos compartilhar dos mesmos desejos! Mas a realidade mostra-nos que tal
ideia só contempla a elite branca, que vive sua concepção de democracia racial
da varanda de seu apartamento, da segurança de sua casa com seus familiares e
amigos.
Meu cotidiano na
pandemia é manter-me em pé! Para me prevenir da Covid19, para denunciar o
racismo e todas as facetas neonazistas, revelando a crise do sistema público de
saúde como ação de uma política genocida! A pandemia se transforma em uma
grande lupa! Revelando tudo aquilo que denunciávamos: o racismo! Presente na
função da atual presidência da Fundação Palmares que busca riscar da Historia
Zumbi! É o racismo que cega e silencia diante das mortes de negros pela Covid19
e pelas balas “perdidas”. O racismo continua no “novo normal”. Não foi a
Covid19 que impediu George Floyd de
respirar! Não foi a Covid19 que matou João Pedro!
É de uma perspectiva
racial, que busco ocupar parte do meu tempo atuando nesse enfrentamento da
pandemia, e principalmente da política genocida. É dentro do campo digital, nas
redes sociais; contrapondo ao “ideário” que estamos todos no mesmo barco, que
venho promovendo ou participando de Lives com a temática afro centrada. É
muito notório que as disputas de narrativas nas redes
sociais parte da compreensão do
indivíduo que a protagoniza, por
tanto são assuntos, problemas, conflitos
que nos atravessam! Mas devemos também agir na ocupação desse espaço de forma
ativa, crítica e solidária, compartilhando as discussões (Lives)para que seja
um espaço de verberação onde possamos respirar pela Vida ! Pela Liberdade de
Viver! De socializar saberes, afetos e
carinhos para aqueles que além de enfrentar o racismo tem que se proteger da
Covid19, ou seja devemos pensar nos nossos irmãos e irmãs negras!
Nesses dias após receber o convite para
escrever sobre meu cotidiano na pandemia, vi um vídeo de uma mulher branca
reclamando dos barulhos de bomba e gritos que vinham da rua. Era uma
manifestação antifascista atacada pela polícia. O que a incomodava não eram as
agressões, balas e gritos. O que a incomodava era que tudo isso atrapalhava a
gravação de sua Live(!), e para simbolizar o silenciamento da realidade ela
grava o conflito da janela de seu apartamento e põe filtro com borboletas!
Só uma elite branca pensaria em borboletas
para “acalmar” o enfrentamento do
neonazismo! Seu cotidiano favorece seus pensamentos. Não precisam sair
de casa para o trabalho! Não ficam preocupados com os filhos, se estão bem ou
se estão vivos! O meu novo cotidiano é interagir nas redes sociais com as mesmas
preocupações e provocações de sempre!
A pandemia só revelou o que sabemos! A
condição do negro e o racismo estrutural
mostra que até a “educação ” é
utilizada como estratégia do racismo.
Vejamos como houve toda tentativa de
manter o calendário do ENEM, onde todos sabemos que é o futuro da juventude
negra e pobre que é alvo! É de conhecimento do Governo o índice de acesso à
internet da população negra e pobre, mas até as ultimas chances o governo
tentou manter o calendário das provas.
Pensar como podemos nos
preparar mais para esse campo de batalha “virtual ” torna-se imperativo para,
principalmente, quem tem as condições de ESTAR nesse campo, produzindo Lives.
Discussões são muito importantes para que os artistas negros e não negros e
antirracistas possam entender o tamanho da responsabilidade que temos. Devemos
ocupar as redes sociais com a mesma força e garra que ocupamos as ruas.
Ao compartilhar um “simples” post com
#suspendeENEM ou quando produzimos uma Live falando de nossas lutas, memórias ,
história, mas particularmente, falar de nosso cotidiano e do cotidiano de
nossos irmãos, que estão nessa Guerra sem
“arma digital”, enfrentando e até
dormindo em filas para receber o auxílio emergencial, onde inicialmente a
política genocida desejava o valor de 200 reais e diante da mobilização dentro
do campo digital Parlamentares propuseram o valor de 600 reais,
parlamentares em sua maioria de
Esquerda! Agora imaginem se fosse todos negros!
Iriam entender que o salário
mínimo não dar para uma família VIVER em condições dignas!
Imagine SOBREVIVER diante de uma pandemia!
As redes sociais levam
para o campo digital a condição do sistema racista da desigualdade. Nem todos
os negros têm acesso a esse novo
“cotidiano digital”. Entender isso me faz pensar em várias problemáticas que
ainda temos, como, por exemplo, representações políticas suficientes que
entendam a necessidade de SALVAR VIDAS PRETAS! É dentro desse campo virtual, do
novo cotidiano que eu me levanto! Contra política genocida eu me levanto ! Contra o racismo eu me levanto ! Contra o fascismo
eu me levanto! Pelas vidas negras eu me levanto!