Pedro Cabral
Arquiteto, professor, pintor
Um dos amigos nascidos com galhardia nesta minha vida foi Savio Almeida. Eu trabalhava no mesmo prédio dele que reunia Letras, Artes, Comunicação, Ciências Sociais, Arquitetura e Engenharia na UFAL. Eu na Arquitetura, ele em Ciências Sociais.
Eu sabia
dele e nunca imaginei que ele soubesse de mim.
Savio era e
é um guru da nossa geração. Textos publicados sobre Antropologia, Sociologia,
História, inclusive para o Teatro. Seu conhecimento perambula por diversas
áreas. Eu vim saber que o Direito era também um dos seus domínios quando se
dedicou organizar juridicamente uma escola de karatê para o professor de nossos
filhos.
Eu sempre
tentei me aproximar dele, mas o meu demônio atiçava minha timidez e eu nunca o
procurei.
Para minha
grata alegria, um dia ele me procurou e me perguntou se eu tinha algum programa
de computação que o ajudasse a montar uma geografia de uma área, motivo de um estudo
dele. Fiquei exultante. O diabo é que eu não dominava um programa desses mas
havia muita vontade em querer ajudá-lo. Desde então, ficamos próximos.
Terminei,
casualmente, sendo vizinho dele. E daí pudemos levar nossos filhos pequenos
para as aulas de karatê. Enquanto nossos filhos treinavam o kata, eu e Savio,
ficávamos no jardim da escola, cujo professor deixou de arriscar sua vida
enquanto guarda-costas de um magnata do cimento para ensinar crianças indefesas
a se defenderem. Esse jardim eu conhecia desde o tempo de estudante de
arquitetura. Era o belo jardim da casa de meus queridos professores Zelia e
Vinicius Maia Nobre, que migraram, por conta da segurança, para edifícios
verticais.
Nas noites
de aula, pude nos bancos desse jardim aprender e admirar mais ainda o amigo
Savio. Ali, compreendi sobre a humanidade, feita de lições de vida e humores
que nos tornavam amigos de infância.
E o tempo
passou, novas moradias, saudações sempre que possíveis. Reencontrávamos nas
constantes mobilizações contra os ataques governamentais aos nossos direitos e,
como ninguém é aço inoxidável, os botecos da vida foram também nossa faculdade
de vida. E quantas alegrias e histórias protagonizamos.
E a máquina
do tempo foi girando. Hoje, posso da varanda, onde moro, ver o apartamento onde
Savio e Myriam habitam. E todo dia, dou um bom dia cerebral para eles,
distantes há uns 300m. Eu sei que eles estão ali, e eu soubesse cantar ou tocar um instrumento
musical, eu faria para eles nestes tempos de corona e solidão.
Quando me
aposentei há uns 4 anos, eu não consegui ir passear na praia nas manhãs
chuvosas ou tardes acaloradas, a despeito do incentivo de minha mulher. Ainda
não consigo. Eu me punia – estou aos poucos me curando – de estar vadiando na
praia quando todo mundo estava indo para o trabalho. Então, me recolhi. Passei
a pintar em casa e quando a sorte me sorria, um projeto de arquitetura me
salvava das contas apertadas. Escrevi, pintei, projetei, recebi amigos e tento
amar, sem ter ainda a leveza do ser.
Então, fui
me acostumando com a reclusão, para desespero de minha mulher, que gosta da
natureza, do sol, da praia, do mar. Eu fui obrigado a lhe contar que passei a
vida na rua, inclusive nas madrugadas de domingo para segunda. Agora era hora
de sentir a casa.
Mas por que
todo esse arrodeio? Porque o amigo Savio, nas boas vezes que conversamos por
mensagens, me pediu para falar sobre o isolamento imposto por um vírus que nos traz
mortes e lições de vida e, quem sabe, a sorte de um mundo melhor.
Não senti o
isolamento. Essa experiência minha anterior não me causou tantos estragos.
Sinto por minha companheira, que há mais de 40 dias convive comigo, mas com
saudades dos abraços dos filhos, amigos, genros e netos, enquanto eu me padeço
em busca do tempo perdido na leitura, na escritura, na pintura, na arquitetura
e em toda necessária solidão que há nisso. E sinto o tempo curto para tantas
vontades.
E na
pergunta saviana me surgem outras ilações. Talvez esse isolamento social nos
poupou de maiores lacerações familiares e entre amigos sobre o grave momento
por qual passa o nosso país. Sinto nas redes sociais, esses acirramentos atiçarem
ódios, desavenças, tão tristonhos para um mundo que nos ensina o sorriso
esperançoso de uma criança.
O nosso país
convive com duas crises: a doença virótica e um governo desagregador. O remédio
à mão é o isolamento social e o protesto contra o ódio.
Não
alimentar o ranço da maldade é o método, pois ainda vejo o ano 2020 com o
potencial da bonança. Sempre ela vem depois de uma grande tempestade.
E assim,
sentirei vontade imensa de sair da cafua para o abraço. Que o mundo veja a
comunhão e não a segregação.
E assim,
poderei também, entre tantos abraços e sorrisos, pedir ao amigo Savio, que
sempre foi “canguinha”: Negão, paga uns caranguejos lá no Cadoz!
Projeto Memória da
Pandemia nas Alagoas
Coordenação
Luiz Sávio de Almeida
e José Carlos Silva de Lima
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ou não, em parte e no todo, com a matéria publicada