A
memória da pandemia em Alagoas: notas pessoais e pequena reflexão sobre
privilégios.
Bruno Rodrigo C. de Almeida da Silva
Advogado
Eu lembro do
primeiro caso noticiado no mesm local em que eu estava. Havia resolvido passar o Carnaval no Recife,
tudo de última hora. Analisando bem, foi uma das melhores escolhas que poderia
ter feito, foi o último contatato que teve com o povo e com as multidões. A
sensação de transitar pela Rua do Imperador durante o Galo da Madrugada, o
contato humano, tudo me traz uma doce e maravilhosa lembrança.
Ainda em Recife,
enquanto esperava as pessoas se arrumarem para mais um show, assistia ao
noticiário e escutei bem a confirmação do primeiro caso no estado de
Pernambuco. A doença não era novidade alguma, já havia chegado à São Paulo, os
relatos vindos da Europa e da China eram devastadores...
Pouco tempo após
retornar, foi emitido, pela OMS, o alerta de Pandemia Global. Eu trabalho na
Ouvidoria de um hospital público, mesmo fazendo serviço administrativo, o
contato com pacientes é diário e constante. Assim, conversei com minha mãe, com
quem moro, e acordamos que o melhor naquele momento seria que ela fosse para
casa de uma tia até um segundo momento.
Inicialmente não
fui dispensado do trabalho, algo que não me incomodou de maneira alguma, sentia
que era necessário naquele momento que as instituições de saúde pudessem funcionar
normalmente, excetuados pelos servidores do grupo de risco.
Já na segunda
semana de decreto, me foi informado que, mesmo nas unidades hospitalares, os
serviços administrativos serim reorganizados para que permitissem que aqueles
que pudessem funcionar em regime de teletrabalho o fizessem. Foi assim que
mesmo sem solicitar, fui convidado a trabalhar de casa, uma vez que o sistema
de ouvidorias públicas é altamente informatizado, ainda deixando à disposição
de servidores e pacientes os meus contatos pessoais.
Minha mãe acabou
retornando para a casa após a semana santa, depois que passei por um processo
de quarentena auto-imposto, sob um rígido isolamento social, onde não haveria
questão importante o suficiente que não pudesse ser resolvida de casa.
Neste meio tempo
que minha bisavó completou 104 anos, sem festa, comemorações neste estilo não
podiam ser sequer cogitadas, para a segurança de todos, e principalmente a
dela. A questão é, todos os anos fazemos questão de comemorá-lo, não para
reunir a família, não pela diversão... É que qualquer aniversário dela é um
marco extraordinário, e pode ser o último.
Foi durante o
início da pandemia que perdi meu avô paterno. Uma das experiências mais duras
que pude passar. Não foi Covid-19, mas o velório teve que ser realizado às
pressas, com poucas pessoas, com a utilização de EPI’s por parte dos
enlutados...
Foi também uma
oportunidade de voltar-me para mim, e olhar por dentro. De organizar meus trabalhos sob um outro
aspecto, uma outra visão. Pude ler mais, assistir coisas novas, rever as
antigas. Ouvir novas e velhas canções, assistir a debates, participar de
discussões. E o momento de estreitar ainda mais os vínculos dentro de casa, de
conversar mais, de fazer companhia, de trazer os animais de estimação para
ainda mais perto.
Tem sido uma
oportunidade de reflexão, de reconhecimento dos meus privilégios, de acompanhar
e perceber as lutas pela sobrevivência que permeiam todo o país. De ajudar como
é possível às diferentes correntes de solidariedade. Nem todos podem, ou devem,
sair para ajudar o próximo, mas o mais importante é estar atento aos movimentos
que ocorrem e poder saber de como forma ajudar, seja com dinheiro ou insumos.
Durante a
COVID-19, a vida do brasileiro não tem sido fácil, principalmente daqueles que
possuem menos recursos e estão relegados a viverem sem o mínimo de salubridade.
É muito importante que essa situação não seja esquecida, jamais, nem mesmo
quando tudo isso passar.