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terça-feira, 26 de maio de 2020

Fernando Rodrigues. “CORRO COM O PCC”, “CORRO COM O CV”, “SOU DO CRIME” Facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas

“CORRO COM O PCC”, “CORRO COM O CV”, “SOU DO CRIME” Facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas

Professor Dr. Fernando Rodrigues


Nosso blog divulga trabalhos do Professor Fernando Rodrigues sobre a periferia de Maceió. 
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Revista Brasileira de Ciências Sociais

Print version ISSN 0102-6909On-line version ISSN 1806-9053

Rev. bras. Ci. Soc. vol.35 no.102 São Paulo  2020  Epub Apr 17, 2020


link: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092020000100515

Introdução


Neste artigo, trato de mudanças expressas em sensos de grupo e de regulação de conflitos entre jovens criados em periferias urbanas alagoanas, ligados a mercados de drogas e mercadorias ilegais. A partir de pesquisa de campo e interlocuções em quebradas e no sistema socioeducativo, discuto a alteração de códigos de justiça no mundo do crime durante os últimos 20 anos em Alagoas, centrando-me em Maceió.

Abordo o surgimento e o cultivo de um senso de aliança às facções PCC e CV1 e como tais fenômenos têm se mostrado interdependentes de transformações em mercados ilegais e políticas de segurança pública. Ademais, trato como a crescente polarização entre sentimentos de defesa e afeição aos símbolos PCC e CV em Alagoas pressionou a demarcação de uma terceira zona de posição não faccional, referida e autorreferida como “do crime”2.
Inicialmente, proponho um desenho parcial a partir do qual se pode compreender as mudanças no sistema socioeducativo alagoano e o papel das facções em seu funcionamento. Em seguida, trato das mudanças nos padrões de agressividade desses adolescentes, relacionando expressões êmicas, padrões de canalização das agressividades e prestígio no mundo do crime. Tomo como marcador de anterioridade e posterioridade o período das pressões vindas de lideranças do sistema prisional para que os adolescentes no socioeducativo fossem separados por indicação de simpatia às facções, expressas nas ideias de “correr com o PCC ou com o CV”3. Isso começou por volta de 2014, mas foi sedimentado como referência de governo do sistema socioeducativo em finais de 2016.

Aponto como, em um período anterior, padrões de agressividade embutidos em termos nativos como “ser sujeito-homem” e “cabra-homem” estavam entrelaçados a uma figuração mais descentralizada da distribuição do poder criminal. Assinalo que, posteriormente, o encarceramento de jovens crescentemente ligados às facções alterou os equilíbrios de poder entre os adolescentes no socioeducativo, reduzindo relativamente os gradientes de descentralização da regulação dos conflitos daqueles envolvidos no crime.

Entretanto, encontrei um processo distinto daqueles estudados em estados como São Paulo e Rio de Janeiro (Barbosa, 1998Feltran, 2012Hirata e Grillo, 2017Willis, 2015), mas estreitamente dependente deles. A adoção e reelaboração de práticas de regulação de conflitos entre ladrões e traficantes vindas de cadeias e favelas do Rio de janeiro e São Paulo, como tribunais informais mediados por pessoas não diretamente envolvidas nos conflitos – e também expressas em termos tornados nativos como “buscar saber a caminhada”, “resolver da melhor forma”, “esperar vir o resumo” –, pressionaram a uma transformação nas balanças de poder entre grupos e, consequentemente, na figuração dos mercados ilegais em periferias urbanas de Maceió (Rodrigues, 2019).

Se, por um lado, parece ter aumentado a percepção de que diferentes tipos de conflitos e assassinatos entre traficantes e ladrões sofreram maiores pressões de regulação por lideranças e redes faccionalizadas, de outro a polarização entre as alianças PCC e CV e as disputas por zonas cujas lideranças se anunciavam como não envolvidas desencadearam um novo redirecionamento das agressividades letais. Nesse contexto, aumentou-se a impressão de guerra “na cidade”, e não apenas em bairros, ruas ou quebradas, homóloga aos movimentos que se desenrolavam em escala nacional (Candotti, Cunha e Siqueira, 2017Melo e Rodrigues, 2017) e transnacional.

Manso e Dias (2018) destacam que entre 2013 e 2014 há uma alteração na intensidade de esforços do PCC para se expandir em diferentes presídios do Brasil, alterando os equilíbrios de força com o CV, coincidente com o aumento de tensões que observei em campo, em Alagoas4. Na mesma senda, desenvolvem-se estratégias para assegurar trânsitos privilegiados de drogas, contrabandos e armas nas fronteiras sul e oeste (Feltran, 2018), aumentando decisivamente as interdependências entre as lutas por poder nos presídios do Nordeste com as dinâmicas criminais nas fronteiras (Hirata, 2015Paiva, 2019b).

Trato dessa transformação por meio de um registro de campo no sistema socioeducativo de Alagoas. A partir de eventos em torno de um assassinato dentro de uma das unidades, aponto como a recente divisão de alojamentos de acordo com a indicação de simpatia a uma das facções e o reforço do poder de adolescentes com fortes alianças ou vínculos faccionais engendraram eventos não intencionados para os administradores do “sistema”. A relutância de muitos jovens em aceitar as lideranças e práticas de regulação faccionais (em muitos sentidos, os que “corriam com PCC e com o CV” adotavam práticas semelhantes, ainda que guardassem significativas diferenças) expôs as tensões no macrocosmo da cidade no microcosmo do sistema de internação. Além da característica de guerra entre os aliados do PCC e do CV, veio à tona o profundo incômodo de muitos adolescentes em colocar os vínculos familiares abaixo do compromisso faccional, aumentando ainda mais a tensão nas personalidades de alguns dos adolescentes e, por conseguinte, nas quebradas. Isso se expressou numa terceira categoria que circulava como identificação de grupos não alinhados ao PCC e ao CV, não unidos sob uma terceira facção, mas abrigados sob a denominação genérica “do crime”.

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