O MELHOR REMÉDIO NESSA PANDEMIA É AGIR COM CIDADANIA
Isadora Padilha
Mestre e pesquisadora sobre Alagoas
Pandémie et citoyenneté
Pandemia y ciudadanía
Em
tempos da maior crise social enfrentada pela humanidade desde a Segunda Guerra
Mundial, o global nos convida a retomar nosso olhar para o local, para nossas
próprias comunidades e laços: família, amigos e também aquele próximo bem
próximo, ao alcance das nossas mãos. Não há espaço para individualismos: um
vírus nos conectou a todas e todos, nos relembrando que o ecossistema das
relações é um só, assolado por marcas profundas.
Assim,
a pandemia do coronavírus (COVID-19) aponta que nossas ações afetam a todas e a
todos, notadamente quanto à sociedade injusta que temos construído,
escancarando o apartheid social em
que vivemos. Se as recomendações são de afastamento e manter-se em casa,
torna-se cada vez mais evidente que isolar-se é um privilégio para quem pode –
afinal e quanto a quem nem mesmo possui uma casa? Trata-se, portanto, de algo
contundente: estamos dizendo que sem suporte, uma grande parcela da população,
em condições mais vulneráveis, corre o risco de não ter a oportunidade de
sobreviver à pandemia, tornando o DIREITO À VIDA um privilégio das pessoas com
condições financeiras asseguradas.
A
luta pela sobrevivência, obviamente, não é uma novidade para essa população.
Esse apartheid está estabelecido
territorialmente nas cidades e há tempos distingue os lugares onde o
investimento público se concentra, em detrimento daqueles onde o investimento
escasseia. Em Maceió, a dicotomia orla marítima e orla lagunar se faz gritante,
assim como a distinção com as periferias mais distantes situadas na parte alta.
Em termos de segmentos, os atores mais fragilizados são aqueles costumeiramente
invisibilizados: pessoas em situação de rua, a população pobre (em grande parte
negra), a população LGBTQI+ e os idosos.
Nesse
momento em que tanto se discute estado mínimo, as políticas públicas de
universalização da saúde se tornam cruciais para a população, especialmente a
mais vulnerável. Ao mesmo tempo, a inclusão digital perversa também se torna
outra questão de reforço à desigualdade, lembrando a necessidade de debater e
implementar políticas públicas de universalização de acesso ao digital a toda
uma faixa de pessoas que não estão conectadas às inúmeras possibilidades de
informações e serviços. No entanto, o que é esse aspecto diante da questão
ainda mais gritante da falta de infraestrutura urbana dos lugares periféricos?
Numa cidade onde o índice de esgotamento sanitário apresenta uma média de 35%,
a falta de saneamento da baixada lagunar beira os 90%, num contexto em que o
combate a pandemias, epidemias e surtos de doenças de qualquer espécie depende
de hábitos de higiene como lavar as mãos – enquanto isso, pessoas que já
conviveram com surtos de bicho de pé habitam em meio ao lixo a céu aberto e
dejetos lançados sem tratamento nos cursos d’água.
Mas a
potência dessas vidas, que sobrevivem em meio a tantos obstáculos, não pode ser
ignorada. Nesse sentido, a pandemia também evidenciou toda uma rede de apoio
organizada nesses territórios e pelos próprios atores sociais. Essa rede
precisa ser antes de tudo reconhecida, na sua importância, pela sociedade e
fortalecida em seus esforços, e incluída pelo poder público na construção das
políticas públicas para os lugares, em função do suporte que as entidades e
grupos vêm prestando às comunidades, haja vista a confiança que apresentam
junto à população e a capacidade de mobilizar[se] e representar os anseios e as
demandas dessas comunidades.
Tenhamos
em mente que cada papel é importante. O papel de cada um e cada uma de nós em
promover os esforços dessa rede – a lista é ampla e variada e com certeza há
maneiras pelas quais podemos, sim, fazer a nossa parte. O papel dessa rede
emergente do terceiro setor, exercido até com mais presteza do que o próprio
governo. Mas não menos importante é o papel do poder público, que é de fato
inalienável e precisa ser cumprido. Seja por onde vier, não tenhamos dúvidas -
nos tempos que seguem, o melhor remédio nessa pandemia é agir com cidadania.
Esta matéria foi publicada no suplemento Campus do Jornal O Dia.
Esta série tem por objetivo
publicar depoimentos sobre como se pensa e se lida com o Corona em
Alagoas. Está aberta a toda e qualquer
pessoa, de qualquer tendência. É uma documentação organizada, sobretudo, para
um futuro estudioso de como a epidemia foi vista e vivida em Alagoas. O
material será publicado paulatinamente
no suplemento Campus do jornal O Dia. Está sendo organizado por Carlos Lima, Mestre em
História pela Universidade Federal de Alagoas e Luiz Sávio de Almeida. O blog
pode discordar de parte ou do todo da matéria por ele publicada.