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Esta página foi coordenada pelo jornalista Railton Texeira
I – Os acampamentos e os saberes dos
semterra.
Luiz
Sávio de Almeida
O
primeiro ponto que desejamos colocar em realce, é o fato de que os movimentos
sociais vão deixando marcos e que não são vazios rurais, mas locais densamente
políticos e donos de saberes, uma saber que vai sendo construído na origem, passa
pela marcha e mescla-se no andar do tempo dos acampamentos, uma difícil vida
transitória, sempre esperando tornar-se uma realidade como assentamento.
Então,
vamos aceitar que existe uma cultura de acampamento, marcada pela
transitoriedade e pelos encontro de
vidas. Faz tempo que me interesso de fazer um levantamento sobre estes saberes
e foi com surpresa e boa, que tomei contato com a existência do Dr. Verde, Seu
Antônio, através de material coletado pelo jornalista Railton Texeira.
Como
se poderá verificar na fala do Dr. Verde, ele carregou consigo toda uma experiência
de vida familiar e sertaneja, reelaborando as suas relações com as plantas de
aprendizado sertanejo e transformando em matéria de um acampamento de semterra
na área da mata. Seja quem for, sempre carrega consigo os seus pedaços de vida
e os seus mundos. Ninguém se aparta das suas lembranças e nem deixa de saber.
Talvez,
o que é fundamentalmente importante na
fala do Dr.Verde é o modo como sabe desconstruir, com argumentos sólidos a seu
ver, a fala oficial da medicina, a oposição entre o remédio e o veneno, entre o
natural e o fabricado e, necessariamente, escolhe seu caminho e o defende.
O
Dr. Verde produz argumentos de excelência e o seu tom é doutoral e fruto de uma
observação permanente dos fatos de cura relacionados ao uso das plantas, sendo
de ver o modo incisivo como enfrenta e trata os mistérios do câncer. O Dr. Verde é um verdadeiro Doutor de Raiz, a
cumprir o seu ministério nos pagos de um acampamento com suas plantas sedentas
por curarem. Ele e tantos persistem nesta faina, uma medicina de mística,
encantados, chás e chão, pó, poeira pata ficarmos com a música do Gonzaguinha.
O próprio câncer fica na área mítica da
medicina, e ainda hoje há quem se recuse
a pronunciar seu nome, diabolizando-o, dizendo-o aquela ”aquela doença ruim”,
como era antigamente a tuberculose, responsável pelas aparições da “ mulher da
costa oca”.
Câncer
e tuberculose não entraram no rol dos xingamentos por serem doenças recentes, não
terem vida colonial como a peste, a bexiga lixa, a gota serena, a sarna vôtes.
Estes são entes de vivência colonial, medicina do mefítico cujo peso social de
mortes e cemitérios assombraram as Alagoas profundas; o peso de expressões do
tipo “tá com a gota”, “vá pra casa da peste” somente sabe quem as utiliza e
como apanham, o horrendo e renovam o nosso terror de cada dia.
Dr.
Verde trata o câncer como um denada. Não vacila diante dele; o saber do Dr.
Verde é bem mais poderoso do que aquela doença ruim. E a grande invenção
médica, no final das teses do Dr. Verde, é a própria natureza, restando saber o
que se pode fazer com ela. Tudo faz parte do que vamos chamar de saberes dos
semterra, uma espécie de infinito sobre a realidade do mundo e que serão tantos
quanto o próprio mundo das relações dos semterra comportar.
II – Um pouco sobre o
doutor Verde
Railton Texeira
Foi na Feira da Reforma
Agrária do MST, em Maceió, que tivemos a oportunidade de conhecer o Doutor
Verde, em sua ‘Farmácia de medicamentos naturais’, comercializando plantas
especiais, segundo ele, rasteiras e que podem ser cultivadas até em
apartamentos e que “não podem faltar nas casas, pois quem planta e cultiva faz
a melhor coisa do mundo”.
Seu Antônio é natural da
cidade sertaneja de Senador Rui Palmeira, trabalhador rural e, como muitos
outros, espera ser contemplado no programa de Reforma Agrária e que o
Acampamento São José receba a imissão de posse para ser assentamento, em uma
das áreas de conflito no Estado: Ouricuri, em Atalaia.
É no Acampamento São José
que o Dr. Verde cultiva seus medicamentos e os alimentos da terra que garantem
o sustento de sua família. Doutor Verde tem uma riqueza de vida e de conhecimento.
III – A fala do Dr. Verde
E onde vim e o que aprendi
Eu nasci da pobreza.
Graças a Deus, estou rico porque tenho a
roupa para vestir, me aposentei e estou ganhando do governo agora. Mas nasci de
uma família pobre no sertão de Alagoas, em Senador Rui Palmeira; me criei no
mato como índio. A primeira roupa que
vesti tinha 13 anos de idade, já era um sofrimento e foi com as ervas que comia
no mato que aprendi alguma coisa; aprendi mais com o meu avô que era sabidinho,
foi ele fazendo as coisas e eu aprendendo.
Hoje eu sou semterra.
Nasci semterra, pois quem nasce nas terras dos outros é semterra; me criei no mundo como um índio, sem roupa,
comendo semente, fruto de mato, batata de imbu. Quando vesti a primeira roupa,
já estava com 13 ano e quando eu via uma mulher na estrada eu corria, eu
entrava para dentro do mato.
Tudo que sei fazer, foi através do avô da minha mãe. Sei fazer o
lambedor, a garrafada, o mel de mamão, sei fazer inalação para sinusite, o café
de mororó... Tenho as minhas roças também, pois vivo delas também, sem
agrotóxicos: é limpo. Planto verdura, tomate, cebolinha. A gente se quiser
lavar lava, se não pode consumir que é limpo. Se eu colocar os remédio, eles
são tudo natural: capim santo, cidreira e hortelã miúda; uso eles junto com as
minhas ervas, minhas plantinhas ficam tudo limpinhas.
A cura do câncer
Eu tenho esse costume de não comer o veneno
que as pessoas aplicam nas plantas. Porque a gente come os venenos e tá
adoecendo, morrendo, que nem o camarada que planta feijão de corda, esse de
rama, tem gente que coloca carrapaticida, com noventa dias ele dá câncer agudo,
câncer agudo é ruim de tirar.
A gente que vive nos
matos tem como curar o câncer; eu já curei um câncer de uma mulher que estava
com câncer no útero – já esta com 13 anos que curei ela –, com raspa de pau
d’arco; ela tinha seis filhas mulher, me levantei bem cedo ela estava com a mão
no queixo pensando, perguntei: ‘o que é que você tem Maria Cícera?’.
Ela disse ‘estou livre para morrer, o doutor
já me liberou para morrer. Seis meses que ela tinha passado no hospital e hoje
ela está com 13 anos de curada, gorda, bonita e as filhas tudo casada, ela
pensou que nunca ia ver as filhas se casarem, que ia morrer, que o médico tinha dado só três
meses de vida a ela e através da erva do mato...
A droga não cura
O poder que a erva tem
é um remédio natural que não tem droga; a gente toma 100 ml do remédio feito do
mato: tomou 100 ml de remédio das farmácias tomou 90% de droga e 10% de
remédio. O médico faz a consulta para a gente no hospital, ele passa o remédio, aquele remédio é como
jogar uma pedra no passarinho: se acertar pegou e se não acertar perdeu, pois
mesma coisa é o médico: ele joga a pedra se acertar a doença ele diz: “acertei
a doença”; aquele remédio ele lucrou, se
ele não acerta ele diz “perdi a pedra, que não acertei na doença!”. Ele joga...
A cura da tuberculose
Se ele soubesse a
doença, ele não perguntava quando o camarada vai se consultar. Ele pergunta: “o que você ta sentindo, qual a
sua doença?”. Ele mesmo dizia, a sua doença é isso. A gente aprendeu a fazer
isso, já curei tuberculose; no Mato Grosso do Sul, curei dois companheiros que
moram em Mato Grosso do Sul, com anos de tuberculose; eu curei através da erva
medicinal, dos matos, com a Jurubeba. É uma planta que cura tuberculose, cura
bronquite.
Distância e cura
Tenho seis filhos, uma
em São Paulo, tenho duas filhas em Minas Gerais, um menino em Bahia e duas
meninas em Boca da Mata. Eu não sei curar gente, eu só faço uma média. Quando
tem uma pessoa doente, eu daqui mesmo – não chego nem lá perto – eu encruzo
minhas duas mãos, que Deus me deu o poder nas duas mãos, não carece nem chegar
lá, só basta cruzar minhas mãos e peço a Deus de coração que aquela pessoa
ficasse boa daquela doença e fica.
Outro dia, uma
criancinha mesmo... Me caçaram lá uma pessoa que cura e eu disse: “rapaz eu não
vou não, porque tá de noite”. Mas, de riba da minha porta mesmo, vi o pai lá
longe balançando a criança e ela bem doente; de cá mesmo, cruzei as minhas mãos
pro lado da criancinha e aí pedi a Deus e fiz lá umas orações e quando foi no
outro dia amanheceu boa. Deste tamanho, Graças a Deus a gente pede a Deus para
curar, né? Não é a gente que cura e também se eu for no cercado pode ser o pior
inimigo, se tiver num animal uma perebinha do mal, vou lá pego uma pedra, um
pedaço de tijolo, curo e só curo uma vez e aquele animal daquele dia por diante
acaba a penúria. É pelas palavras, eu curo no rastro. Eu digo nove palavras, aí
pronto, cada uma palavra dizendo o não na frente, no final algo não aí: pronto.
Aquelas palavras com o não na frente é que curam.
A cura e o rastro
Eu aprendi com o meu
tio. Todo menino é curioso, eu era pequeninho, eu era um garotinho de cinco a
seis anos, vi ele curando um “burrego”, um carneirinho, aí eu aprendi. Colado
ali escutando o que ele dizia, porque se ele me ensinasse não serviria nem para
ele e nem para eu. Aí eu aprendi, minha
mãe tinha um porquinho, aí mandou capar, quando foi com três dias tava fechado,
como um pacote de arroz, aí ela disse eita meu filho perdi meu porquinho, eu
digo não mãe a senhora não vai perder não, ele perguntou: “por que meu filho?”
Eu disse: “não vai não!”. Saí atrás do porquinho... Atrás da casa da gente
tinha um lajedo, chamado Cemitério das Cobras... Cheguei por trás do terreiro,
peguei o rastrinho dele, disse aquelas palavras, quando foi no outro dia o
bichinho amanheceu bom, graças a Deus, ele não chegou a morrer daquela doença.
Ele ficou bom, não precisou de remédio, eu fiz esse negócio, só uma vez só.
Com uma pedra e curo
ele aqui, neste rastro, se amanhã eu for curar não precisa o camarada esta perto
não, aquele mesmo rastro eu curo, três, quatro vezes naquele canto, outra
pessoa pode chegar, pegar essa pedra, jogar, a mosca só chega perto do animal
se eu mesmo tirar aquela pedra, a mosca fica com nojo daquele animal. Uma égua
com dois brotos, tenho uma novilha, uma vaquinha e não tem carrapato eu chego
começo a alisar o bichinho, eles ficam limpinhos, não tem carrapatos, não passo
remédio nos meus animais, os meus bichinhos é tudo limpinho, os outros só vivem
botando remédio para matar carrapatos, carrapaticidas, só ficam colocando
veneno nos bichinhos, mas eu não boto. Eu preciso do leitinho limpo, eu quero
beber um leite sem agrotóxico. O carrapaticida é o pior veneno que tem; é o que
dá câncer agudo.
Nasci em cinco de
agosto de 1954. A doença que tinha era do tamanho de uma laranja pera, eu curei
com o chá do ‘Andu’ branco. É só pegar um pacotinho de folha, cozinhar e tomar.
É três chá, com três, ele se escondeu, não tem nada, já tava com dois exames
prontos, eletro, coração, exame de sangue, esta tudo em casa, mas não precisou.
Eu só disse que só vou me operar se depois que tomar o chá do Andu branco e não
servir. Cheguei em casa, fiz o chá, tomei no outro dia, não senti mais, ai eu
disse vou tomar outro e tomei outro, pronto, até hoje.
Não
acredito muito na medicina não. Por causa que eu depois que me acostumei com as
plantas, nunca mais tomei um comprimido. Quando eu estou com dor de cabeça, eu
já tenho uma garrafa de álcool com um capim que tenho no meu terreiro, eu
plantei um capim eucalipto, é o mesmo cheiro do eucalipto. Peguei umas folhas,
coloquei em um vidro e álcool, estou com dor de cabeça, chego lá, cheirar e vem
para a cabeça e a dor desaparece, não precisa tomar um comprimido.
Uma farmácia em casa
A
hortelã miúda, pode plantar em uma garrafinha e é bom para gripe, faz um
lambedor para gripe, remédio para uma criança, para um adulto também,
principalmente a mulher que esta no tempo da mestruação, ela precisa de um chá
para tirar aquela dores. Também o Hortelã de pimenta, que também serve para dor,
para colocar no lambedor também. A hortelã grosso, da folha grande, a pessoa
não tem como fazer o lambedor agora, coloca a folha em um tampa no fogão e
esquenta, quando esquenta a pessoa pega uma colher e enche de açúcar, quando
tiver derretendo é só pegar espremer na colher e da a criança, serve para o
cansaço e serve para a gripe, a gente faz assim quando não tem como fazer um
lambedor.
Ainda
para plantar em casa, o alecrim é outra planta boa, que faz parte da saúde do
homem também, juntamente com a junca, o cara bota o “barbatimão”, uma planta de
lá do sertão a “barriguda”, faz uma garrafada é para levantar moral, melhor que
o ovo de codorna. O ovo de codorna só vai com o conhaque, ela vai limpo, a
gente faz isso aí para quando ficar velho tomar esse negócio. Na nossa horta a
gente ainda pode plantar o coentrão, serve para lambedor também, a babosa, ela
é importante e ela serve para as mulheres fazerem os banhos limpos, tritura por
30 dias.
A
mulher tem inflamação pega faz o banho todos os dias, lava as partes intimas e,
toda vez que for tomar banho, toma um gole; por 30 dias está curada para durar
mais um bocado de ano, se não fizer esse tipo de banho termina dando câncer de
útero. A gente faz uma plantação que serve para isso tudinho, começa da hortelã
miúda até a babosa e tudo são plantas que serve muito dentro de uma casa. A
babosa cura inflamação de mulher, o câncer de próstata. Para o câncer de
próstata é babosa, uísque e mel de abelha. Passa a babosa, uisque e mel de
abelha no liquidificador quando acabar coloca no litro, cava a terra e passa
três dias. Passa três dias debaixo da terra, depois é só tomar e toda vez que
for tomar, toma um banho.
Vai no chuveiro e joga água na cabeça com oito
dias o camarada esta curado da mazela perigosa que é o câncer. Isso é um negócio
muito importante que a gente tem que ter na horta da gente: é a baboza. Outra
coisa que não pode faltar é a hortelã miúda, pois ela serve para tudo, pois a
miúda serve para dor, dor de cabeça, fazer um chá para hérnia, se a pessoa esta
com uma dor em algum canto, é só pegar esquentar a folha e coloca ali, atacar
ali em cima com uma tira de pano em riba da dor que ela se acaba. Sambacaitá é
outra planta que não pode faltar em uma horta em casa. É anti-inflamatório, a
pessoa leva um corte e faz um cozinhado de sambacaitá com penicilina e alecrim
com água morna em riba, pode deixar só com um paninho molhado em cima que no outro dia já amanhece cicatrizado.
IV - Doenças comuns
Dor de dente
Para
dor de dente só tem uma planta que só tem na mata. É um cipó que planta no rio
e mata peixe. A pessoa coloca no dente, ele se quebra todinho e não doe mais.
Dor de ouvido
A
hortelã miúda. Para a pessoa ver o quanto a hortelã miúda é importante dentro
de uma casa. Para dor de ouvido a pessoa não pode colocar no ouvido que esta
doendo, tem colocar no ouvido que esta sadio. Faz uma rolhinha e coloca no
ouvido sadio, abafa com a mão que a doença sai, porque se não abafar a doença
fica dentro da cabeça.
Sinusite
Para sinusite o eucalipto. Fazer um chá
para respirar o vapor.
Diabetes
Pata de vaca, o mororó do sertão e a
amora também é bom. O suco do maxixe. A melhor planta que a gente encontra na
feira para a diabetes é o maxixinho. É o maxixe redondinho para o feijão, eu
preparo ele no coco, o camarada come que nem pergunta se tem carne. Ele come só
com o maxixinho. Pois o maxixe no coco com uma verdura fica muito gostoso, ele
é bom para comer e ainda serve de remédio.
Colesterol alto
O mororó, amora. O chá.
Pressão alta
Maracujá, chuchu e aquele melão amarelo.
Ela zera. Uma ex-mulher minha esta com problema de pressão alta, a pressão dela
chegava a 21 e comecei a fazer ela começou a cair para 12 por 8 que é o normal
e ela nunca mais teve problema de pressão alta.
Pressão baixa
Só sal. A pressão baixa é mais ruim de
curar do que a pressão alta, por causa que tem que comer o sal e ele é problema
para o coração.
Coração
A flor da bebeta [?] branca e a flor da
colônia. Cozinhar três folhas de colônia e três folhas de bebeta e toma o chá.
A maça também é bom para o coração.
Gastrite
Leite de gado gelado com couve branco.
Passa no liquidificador e toma de manhã cedo em jejum. Já curei a minha mulher,
ela tinha gastrite, só vivia mais no hospital do que em casa e eu a curei.
Stress
Pessoa stressada é problema de nervos, é
o sistema nervoso. A pessoa pode fazer um chazinho de capim santo, erva
sidreira. O cabra esta tomando e vai relaxando o stress se acaba.
Dor de barriga
O camarada diz ‘estou com dor de barriga
e não vou para o médico’, ele pega um pedacinho de gengibre faz um chá, ou a
junça faz o chá e toma no instante a dor de barriga vai embora.
Emagrecer
Para as mulheres que querem emagracer a
alcachofra. As vezes estou taludinho e quando quero emagrecer faço o chá da
alcachofra e vou tomando para diminuir a banha, quando estou gordinho.