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quinta-feira, 23 de julho de 2020

Cícero Rogério do Nascimento. A pandemia em mim




A pandemia em mim

Cícero Rogério do Nascimento 

 Jornalista, cientista social e professor


Nunca pensei em viver a vida isolado das outras pessoas para preservar a própria vida em mim.

Nunca pensei que a janela do quarto seria o espaço físico mais significante do que é a vida porque por ela pude observar e sentir o mundo e as pessoas.

Nunca pensei que voos de borboletas, pássaros ciscando a terra e o choro antes de sair de casa para comprar comida fossem me tornar o que sou.

Nunca pensei que escreveria um texto como esse. Um texto que falasse de mim, mas que revelasse também como vejo o mundo e as pessoas com as quais tive a chance de não as conhecer. Eu apenas as via da janela. Não só pessoas, mas coisas e animais. Pude observar como todos eles se movimentam e constroem vida ao redor de mim.

Não posso reclamar. Houve interações. A vizinha trouxe-me atenção e afeto com os almoços da Semana Santa, do Domingo de Páscoa e no dia em que comemoro quando respirei pela primeira vez, nasci e passei a existir, estar presente no mundo.

Houve a celebração do aniversário de uma amiga muito cara à minha vida que celebrou sua existência em março, logo no início do isolamento. Essa mesma amiga junto a outros amigos me emocionou ao encaminhar, por entrega em domicílio, uma festa para celebrar a minha existência com o doce e o salgado da vida representados em um bolo, várias coxinhas de galinha, bolinhas de brigadeiro, trufas de chocolate (não sei se toda trufa é de chocolate, desculpe-me se fui redundante), vinho e uma taça. Na caixa surpresa havia um cartão de felicitações da nova idade e fotos de nossa presença e demais amigos nas manifestações contra o desgoverno obscuro que quer nos roubar a vivência democrática.

Essa mesma amiga deixou na portaria do residencial onde moro a minha primeira máscara de tecido. Junto dela dois latões de cerveja e um refrigerante. Foi a última vez que a vi de forma presencial.

Outro amigo também veio me ver e trazer mantimentos para aquecer a alma isolada. Um desses objetos eram as pimentas de aroeira com as quais temperei diversos pratos, cozinhados com um tal entusiasmo, que me fez lembrar de como ele me recebia em sua casa abrindo as portas de seu lar para me receber em diversos momentos e me amparar com sua amizade e carinho.

Houve também mensagens de texto, ligações e chamadas de voz e vídeo. Nessas conversas me reconheci e vi o quanto eu e meus amigos nos tornarmos demasiado humanos. Meus amigos, em especial, uma amiga e seu companheiro, ao me dar apoio emocional e material para o que deveria nunca faltar a ninguém naquilo que a vida às vezes nos toma por circunstâncias sociais, políticas e econômicas.

Choramos eu e uma amiga ao comemorarmos uma conquista no meio do caos. Pouco antes da pandemia, essa minha amiga, a filha dela, que é minha afilhada, e uma amiga em comum me fizeram redescobrir o sentido de minha existência. Não vou entrar em detalhes porque ainda estou vivendo as consequências da vida em meu corpo como a morte da minha mãe ou a falta do trabalho remunerado.

Houve outros momentos com os quais tive que me acostumar. Acordar à noite sem poder respirar foi o mais difícil deles. Tive que retomar todos os exercícios respiratórios de inspiração e expiração aprendidos na yoga e no pilates.

Desisti dos alongamentos. Só os fiz no início ou quando a coluna reclamava dos movimentos realizados durante o dia na limpeza da casa e dos móveis, mas comecei a dar voltas pelo residencial.

Caminhar, respirar profundamente diversas vezes durante a caminhada e ver as pessoas movimentando suas vidas me acalma. Num desses dias vi um sofá azul. Foi desprezado na entrada de um dos blocos do residencial até que uma chuvinha fez com que o colocassem dentro de um dos apartamentos e qual foi a minha surpresa, numa dessas caminhadas, o vi ostentoso numa sala com toda a sua imponência em tamanho e beleza.

Houve também muito silêncio. É tão precioso se calar e parar de ouvir a si mesmo e o mundo. Não é o fato de ficar prostrado ou procrastinar ações. É só permanecer existindo sem ver, ouvir ou falar. Apenas isso.

É preciso se equilibrar para não cair e se enterrar no buraco que nós próprios cavamos e às vezes insistimos em permanecer lá dentro numa profundidade que é muito difícil, quase impossível de sair.

A busca, o retorno à superfície ou o que chamo de reencontrar o colorido da vida não é feito apenas com a nossa força de vontade. É imprescindível a presença de outros seres humanos que nos amam e nos fazem perceber e agir sobre aquelas situações que nos deslocam dos caminhos que procuramos percorrer ao longo de nossa jornada.

Foi o que aconteceu. Nessa pandemia pude perceber, sentir e viver o amor e a gratidão de todas as pessoas amigas e aquelas que apenas as vi da janela do meu quarto que me ensinaram a retomar o sentido de minha existência.




Quem é


Cícero Rogério do Nascimento – Graduado em Ciências Sociais (bacharelado e licenciatura – 2013). Graduado em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo (bacharelado – 1999). Especialista em Gestão e Controle Social de Políticas Públicas (2004), todos pela Universidade Federal de Alagoas. Trabalhou como produtor de reportagens, editor executivo do telejornal Bom Dia Alagoas e editor de texto dos telejornais AL TV Primeira e Segunda Edições, da TV Gazeta de Alagoas (2002 a 2016). Foi professor substituto do curso de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (2000 a 2002). Foi professor do curso de Jornalismo do Centro Universitário Cesmac (2005 a 2009). Foi professor do curso técnico de Operador de Câmera da Escola Estadual José da Silva Correia Titara (2018). Professor do curso técnico em Marketing da Escola Estadual Francisco Leão (2017 a 2019). Tem experiência na área de Comunicação Social, com ênfase em Telejornalismo, nas áreas de Produção de Reportagem, Edição de Texto e ensino de Jornalismo, Relações Públicas e Marketing.


Memória da Pandemia nas Alagoas


Elen Oliveira 


Quando eu ingressei na Ufal, em 1991, o professor Luiz Savio de Almeida já era uma lenda. Nos corredores do antigo CHLA, hoje ICHCA (Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Arte), ele se postava a dar conversa a quem se aproximasse com a mesma atenção que dedicava a palestras, mesas de discussão e entrevistas. Entre 2008 e 2009, trabalhamos junto no antigo O Jornal, onde ele propôs a abertura de um espaço dialógico da universidade com a sociedade, por meio da publicação de artigos acadêmicos. Entusiastas do debate e da pluralidade, o então diretor, Gabriel Mousinho, e o então editor-geral, Roberto Tavares,  cederam espaço ao Espaço, nome dado ao suplemento quinzenal publicado entre setembro de 2008 e 2012, quando o veículo foi extinto. À época editora-executiva e de Suplementos, eu editei a publicação até 2009 com Alexsandra Vieira, que era editora do caderno de Cultura, o Dois. Reformulado, tornou-se posteriormente Contexto, no jornal Tribuna Independente, até materializar-se em Campus, o suplemento semanal que é veiculado no jornal O Dia e reproduzido n’o Campus do Savio, o blog de múltiplas falas com o qual colaboro esporadicamente.

 O longo parágrafo de introdução foi escrito para contar como chegamos a Jornalistas e a Pandemia, proposto pelo professor Savio como parte do projeto Memória da Pandemia nas Alagoas, que ele está a construir desde abril e que reúne relatos vindos de representantes dos povos indígenas, artistas, intelectuais e integrantes de áreas diversas sobre o atual momento. Ele propôs, e eu aceitei, que organizássemos uma seção para compor essa construção feita a muitas mãos. “Quero deixar um imenso painel para um pesquisador no futuro”, informa o pesquisador, que há tempos constrói fundamental acervo da memória sobre Alagoas.
 

O blog pode discordar no todo ou em parte do material que publica



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