Christina Vasconcelos
Reprodução de material publicado em Campus/O Dia em agosto de 2015
Dois dedos de prosa
Este é o nosso segundo texto sobre o ballet em Alagoas e traz o depoimento de uma pessoa que o vive em profundidade, desde os tempos de sua mãe: Emília Vasconcelos, de quem, na realidade, herda uma escola e a eleva a uma das principais em nossa Maceió.
Ao lado da excelência como escola de ballet, a sua escola devota um projeto à talentos da baixa renda e à pessoas com Síndrome de Down. Pela importância que teve e tem no desenvolvimento do ballet em Alagoas, Campus traz este depoimento e o reparte com seus leitores.
Sávio Almeida
Cristina Vasconcelos, alagoana, diretora do Ballet Emília Vasconcelos. Bailarina, professora e coreógrafa. Iniciou seus estudos e interesse pelo ballet com sua mãe. Fez curso de aperfeiçoamento clássico com os professores Emílio Martins (RJ), Norma Lílian (DF) e Eduardo Sucena (SP). Especialista em sapateado pela Academia do TAP, no Rio de Janeiro e Nino Geovanete, mestre em sapateado. Aperfeiçoamento em jazz com Carlota Portela, Rio de Janeiro. Participou de festivais de dança com a Cia. de Ballet Emília Vasconcelos em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Campina Grande. Foi responsável por trazer para a academia a remontagem de grandes repertórios do ballet no mundo, como Quebra Nozes, Dom Quixote, Paquita e Copélia. Premiada no Festival de Dança Engidan, no Rio de Janeiro e no Festival de Campina Grande como o melhor Ballet de Alagoas. Professora responsável pela formação de aluna aprovada para fazer parte da Escola Ópera de Paris e por profissionais que atuam no estado de Alagoas atualmente.
Dois dedos de prosa
Este é o nosso segundo texto sobre o ballet em Alagoas e traz o depoimento de uma pessoa que o vive em profundidade, desde os tempos de sua mãe: Emília Vasconcelos, de quem, na realidade, herda uma escola e a eleva a uma das principais em nossa Maceió.
Ao lado da excelência como escola de ballet, a sua escola devota um projeto à talentos da baixa renda e à pessoas com Síndrome de Down. Pela importância que teve e tem no desenvolvimento do ballet em Alagoas, Campus traz este depoimento e o reparte com seus leitores.
Sávio Almeida
Cristina Vasconcelos, alagoana, diretora do Ballet Emília Vasconcelos. Bailarina, professora e coreógrafa. Iniciou seus estudos e interesse pelo ballet com sua mãe. Fez curso de aperfeiçoamento clássico com os professores Emílio Martins (RJ), Norma Lílian (DF) e Eduardo Sucena (SP). Especialista em sapateado pela Academia do TAP, no Rio de Janeiro e Nino Geovanete, mestre em sapateado. Aperfeiçoamento em jazz com Carlota Portela, Rio de Janeiro. Participou de festivais de dança com a Cia. de Ballet Emília Vasconcelos em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Campina Grande. Foi responsável por trazer para a academia a remontagem de grandes repertórios do ballet no mundo, como Quebra Nozes, Dom Quixote, Paquita e Copélia. Premiada no Festival de Dança Engidan, no Rio de Janeiro e no Festival de Campina Grande como o melhor Ballet de Alagoas. Professora responsável pela formação de aluna aprovada para fazer parte da Escola Ópera de Paris e por profissionais que atuam no estado de Alagoas atualmente.
Uma vida e o ballet
Christina Vasconcelos
Eu poderia começar esse texto falando sobre
minhas experiências no cenário artístico daqui de Alagoas, mas não. Vou começar
agradecendo o convite do professor Sávio Almeida, a quem eu admiro muito como
ser humano e profissional, para escrever um pouco a respeito das minhas
memórias sobre o ballet. Foi um pedido que logo me emocionou, afinal, são 45
anos respirando essa dança que eu teria que colocar em um papel. Falar do
ballet é contar uma história de vida que começou na minha infância e me fez
despertar para o lado artístico. Sim, o ballet é uma arte e é essa arte que
respiro todos os dias da minha vida.
Eu lembro do meu primeiro espetáculo, a minha fantasia, a
música e até do frio na barriga que se apoderou de mim quando eu estava para
entrar no palco. Tudo isso já não existia mais quando eu comecei a dançar.
Poderia ter mil pessoas na plateia, palco ou em qualquer outro canto, mas, para
mim, só existiam três coisas: eu, a música e a dança. Tudo parecia um sonho.
Subir ao palco, encarar o público e perceber cada melodia da música. Ali era o
início do meu despertar como bailarina.
Foram anos
com o ballet em minha rotina. Eu já dançava há muito tempo, já era bailarina
avançada, quando, finalmente, comecei a ensinar. Com a notícia que eu iria ser
professora, veio a responsabilidade e o dilema entre seguir a minha carreira na
área em que me formei ou largar tudo e abraçar o ballet. No início eu tive
receio, pois uma professora da universidade me incentivava muito a seguir
carreira acadêmica em Literatura. Mas a vocação falou mais alto e o desafio
também era algo que me motivava a superar limites e arriscar.
Eu não
assumi uma turma simples. Era o babyclass, que estava sendo introduzido pela
primeira vez aqui no estado pela minha escola. Ou seja, teria que ensinar
àquelas meninas de três anos que o ballet não era apenas uma dança, mas uma
responsabilidade que trazia em si disciplina e organização. E o melhor disso
tudo é que, junto com elas, eu tive sucesso e fui amadurecendo
profissionalmente. E apesar de já ser bailarina experiente, junto com aquelas
crianças também crescia uma nova versão minha. Junto com elas desabrochava uma
bailarina professora, uma professora bailarina.
Para minha
surpresa, não parou por ali. Os anos foram passando, as responsabilidades foram
aumentando junto com as turmas que eu ensinava. Já não era mais só o babyclass.
As meninas das turmas intermediárias também eram minhas alunas. As perguntas
das alunas também começaram a ficar mais elaboradas. Foi aí que eu senti a
necessidade de viajar e fazer cursos de aperfeiçoamento. Era a hora de aprender
mais!
Com o
coração ansioso, cheguei ao Rio de Janeiro para fazer aulas na escola de Carlota
Portela, importante professora de Jazz, formada pela Academia Internacional de
Dança em Paris. Conhecer o trabalho dela de perto era um grande sonho, saber
como ela direcionava uma aula, conhecer os tipos de exercícios que ela
utilizava no centro, na diagonal. Ela focava muito no jazz americano, que era o
que eu desejava seguir. Foi nesse
momento que conheci a minha mais nova paixão. Além de fazer aulas de ballet,
frequentei as aulas de jazz também. Nunca saía da escola sem assistir aulas de
outras turmas, afinal, era preciso aperfeiçoar os passos e saber corrigir com
precisão cada aluna minha.
Voltando
para Maceió eu vi como a escola tinha crescido. A televisão brasileira, através
da novela Dancing Days, começava a focar em personagens que faziam dança.
Através desse incentivo, a cultura do
ballet foi disseminada, aumentando o interesse das meninas por essa arte. O número de alunas havia multiplicado de uma forma
assustadoramente incrível e eu sentia que era o momento de colocar em prática
todo conhecimento adquirido fora do Estado de Alagoas, que, à época, só
dispunha de 2 escolas de ballet.
Era a hora de aumentar a responsabilidade
mais uma vez. Eu precisava ajudar a minha mãe, que até então ensinava as alunas
avançadas a coreografar. Foi então que eu comecei a assumir a coreografia das
minhas alunas e vi que coreografar era muito mais que dançar. Era um processo
de criação que envolvia muito mais responsabilidade e criatividade. Foi assim
que eu descobri um jeito muito peculiar de coreografar, que com o passar do
tempo ficou muito simples. Antes de tudo eu preciso me apaixonar pela melodia,
para depois inserir os passos técnicos da dança na música. Tudo precisa estar
em perfeita harmonia para o bailarino conseguir passar emoção para o público.
Essa criação, particularmente, não tem hora e nem momento. Algumas vezes
consigo criar em plena aula; outras vezes preciso me isolar para as coisas
saírem exatamente como eu quero.
Em meio a
toda essa procura e euforia pelo ballet, vem o susto: o Teatro Deodoro estava
fechado para reforma, sendo a única casa de espetáculos em Maceió. Foram
períodos críticos para quem necessitava do teatro. Não tinha onde expor todo o
trabalho de um ano. Era muito difícil fazer as apresentações em lugares que não
ofereciam qualquer condição. Foi aí que veio outra ideia: vamos trazer os
nossos grandes mestres do ballet para a nossa escola. Essa ideia funcionou muito
bem. As alunas, que até então estavam tristes porque não tinha um local ideal para
dançar, foram se empolgando cada vez mais com os novos professores que estavam
fazendo “intercâmbio”. Veio a bailarina clássica Norma Lílian, de Brasília;
logo depois trouxemos os professores Emílio Martins e Marilda Azevedo, ambos do
Rio de Janeiro. Todos profissionais internacionalmente conhecidos na área de
dança. Até hoje nós fazemos questão de trazer pessoas de fora para reciclar o
conhecimento das meninas e o meu também. Orgulho-me de fazer parte da escola
que mais trouxe professores convidados.
Com a
reabertura do Teatro Deodoro, a boa fase voltou. Voltamos também a apresentar
os espetáculos anuais, que são um grande estímulo para as bailarinas, que
estavam muito motivadas. Com a estabilidade na escola, eu me senti mais
tranquila para voltar ao Rio de Janeiro. Dessa vez para realizar outro sonho,
onde contei com ajuda de dois profissionais a quem eu sou grata até hoje:
professor Emílio Martins e professora Marilda Azevedo. Eles me levaram para a
melhor escola de sapateado do Rio, e o resultado foi uma grande identificação
com essa modalidade de dança. Tive oportunidade de conhecer Berry, coreógrafo
da Rede Globo, com quem fiz várias aulas de sapateado. Como sou muito
desligada, não percebi que fazia aula com as Paquitas da Xuxa, precisei da
minha irmã para reconhecer as meninas em uma das aulas que ela foi assistir.
Apesar de todas essas novidades, voltar para
Maceió foi muito mais fácil. Tinha alguém que precisava de mim: Dudu, o meu
primeiro filho. A saudade dele e a vontade de introduzir aulas de sapateado na
escola me trouxeram correndo. E, como eu já imaginava, a novidade foi um grande
sucesso. A procura pelo sapateado foi maior do que eu imaginava.
Com o
sucesso vem a responsabilidade. Comecei a trabalhar os três horários do dia.
Tinha horas que eu achava que não era possível mais ficar em pé. Respirar plié e dormir pensando em tendu todos os dias me deixava exausta,
mas ao mesmo tempo eu ficava feliz. Quando eu escutava que a aula havia sido
boa, todo o cansaço desaparecia como mágica.
Após alguns
anos, quando a academia já estava solidificada e eu achava que já estávamos
equilibrados, a vida me mostrou o contrário mais uma vez. A academia tinha
crescido junto com a quantidade de alunos e só a unidade do Farol já não estava
dando conta. Era a hora de amadurecer a ideia de abrir uma filial, só não sabia
aonde.
Depois de
muito planejar, em 1996 nasceu o ballet da Ponta Verde. Como o novo assusta, eu
fiquei assustada em alguns momentos. Tive aquela insegurança inicial que não
durou muito tempo. Com dois anos de história, nossa escola já contava com mais
de 300 alunas. Eram várias meninas para administrar, algo que demandava muito
tempo do meu dia. Nessa época eu já era esposa, mãe e profissional, o que por
muitos anos exigiu muita dedicação e tempo meus.
Esse projeto, que foi pioneiro nas
escolas particulares da cidade, contou com a parceria da TV Pajuçara,
responsável pela divulgação. Inicialmente a ideia era disponibilizar 30 bolsas
integrais de estudo no Ballet. No
entanto, no dia da seleção fomos surpreendidos com a imensa procura, o que nos
fez aumentar o número de bolsas, fechando em 60 alunos. Fiz a seleção, busquei patrocínio
para as fardas do ballet e ministrei as aulas voluntariamente.
Esse novo universo foi um desafio porque,
como professora do ballet, até aquele momento, eu nunca havia convivido com uma
realidade tão diferente e difícil. Eu passei a não ser apenas professora, mas a
ser procurada pelas mães para ajudar algumas crianças que enfrentavam
dificuldades escolares; passei a ser procurada por alguns alunos que chegavam
para a aula com fome ou com dificuldades financeiras que os impediam de pegar o
transporte até o ballet.
Foi um envolvimento emocional que tomou conta
de mim e me fez querer buscar novas formas de ajudar aquelas crianças. E foi
assim que passamos a direcionar parte do lucro do ballet para investir nesse
projeto. Não era justo deixarmos de fazer mais por alunas que estava se
dedicando arduamente em prol da dança. Por
isso fomos em busca de parcerias, que em nosso estado era e ainda é muito
difícil. Mas nada vence o esforço, por isso conseguimos investir em transporte,
médicos e dentistas para essas crianças. E como essas conquistas eram
gratificantes para todos nós.
O mundo do ballet poderia ser mais fácil para
quem tem uma melhor condição financeira, mas nem por isso ele precisava ser impossível
para essas crianças que tinham um sonho, do coração à ponta dos pés. Realizar
esse sonho era o nosso maior objetivo. Era necessário e fazia-se urgente diminuir
a distância entre essas duas realidades sociais tão distintas. O universo
glamouroso da dança parecia tão distante para algumas meninas, que só queriam
que alguém acreditasse na intensidade dos seus sonhos. Nós conseguimos encurtar distâncias sociais;
conseguimos quebrar paradigmas e hoje, tantos anos depois do despertar desse
sonho, nos sentimos gratificados em saber que ainda existem crianças desse
projeto em nossa escola, bem como atuais professoras e bailarinas que foram
descobertas através desse projeto social.
Além disso, tive a ideia de criar uma turma
específica para crianças portadoras da Síndrome de Down. Inicialmente havia uma
dúvida entre montar uma nova turma ou colocá-las nas turmas já existentes.
Decidimos criar a turma específica e acompanhar o desenvolvimento das meninas.
Foi um desafio para a escola e para mim, como professora. Mas o trabalho que
fizemos com essas crianças foi muito gratificante e, após 3 anos, elas já
estavam prontas para serem integradas às turmas convencionais. Algumas
chegaram, inclusive, a fazer aula de ponta.
Existe
um fato nesse contexto que eu sempre me emociono ao relembrar: havia um hábito
meu de sinalizar a entrada dessas crianças no palco, no momento do espetáculo.
Um certo dia eu me distraí e não sinalizei para uma aluna. Quando lembrei e fui
buscá-la, para surpresa minha ela já estava dançando e na saída me disse: “tia,
viu que eu entrei sozinha? Sou uma bailarina”. Isso me emocionou muito. Era a
certeza de que havíamos feito um lindo trabalho, quebrando preconceitos e mostrando
que a dança é uma arte que está ao alcance de todos e, além de toda a sua
beleza, ainda desenvolve o lindo papel de integrar e unir as diferenças.
Outra coisa
que é bom pontuar é a criação da Cia de Dança Emília Vasconcelos. Depois de
notar muito empenho e evolução dos alunos, vi que eles mereciam uma atenção
maior. Foi aí que a ideia da Cia surgiu. Foi feita uma seleção dos melhores
alunos da escola e tentamos dar mais responsabilidades para eles, que seriam o
cartão de visita da escola. O grupo selecionado passou a frequentar a escola 3
vezes por semana e a fazerem aula com uma visão mais profissional como, por
exemplo, estudo de repertórios clássicos, uma visão mais ampla do que a aula
convencional de ballet, noções de sequências de barra, trabalho de alongamento
específico e direcionado para profissionais, além do maior compromisso com
disciplina e assiduidade. Vale ressaltar que esse grupo não era formado por
bailarinos profissionais, ou seja, eles não recebiam nenhum retorno financeiro
para fazerem aquilo.
A dedicação era resultado de muito amor pelo
ballet. E o que muito me orgulha é saber que conseguimos, com esse pouco tempo
de Cia., formar profissionais que atuam em outras escolas de ballet da capital,
além de termos conseguido inserir, nessa Cia., alunos do projeto social que
ainda permanecem recebendo apoio e patrocínio da escola. Viajamos muito com a Cia de Dança, mas o momento mais importante foi receber o
prêmio de melhor grupo daqui do estado, já no início da existência dele. De 78
grupos de dança, nossa academia levou para casa três troféus do primeiro
Encontro de Ginástica e Dança (Engydança), no Rio de Janeiro. Débilis, Vivaldi e Cansões, que foi um
espetáculo criado pelo professor Emílio Martins e montado por mim.
Durante
esses 35 anos que estou à frente da escola, montei diversos espetáculos de
dança e posso citar alguns que me deixaram mais emocionada em realizá-los.
Retalhos de um Brasil, por exemplo, contou com a presença do coreógrafo Heron
Nobre, que estava no auge de sua carreira, contando com várias premiações e
convites para festivais. Esse espetáculo retratava a história do Brasil, desde
a colonização até os tempos atuais.
Outro espetáculo que me tocou bastante foi
Penedos, o último trabalho da Cia. Foi
uma homenagem à professora Vera Romariz. Estudei alguns poemas e coreografei
aqueles que mais me tocaram, sempre unindo o poema à música. Penedos é uma obra
do ballet moderno, que buscou promover uma experiência de integração entre
poesia e dança.
Outros espetáculos que marcaram a minha
trajetória foram Vida, A Casinha da Vovó, Divertissent, Celebração, Disney,
Peter Pan, Uma Noite em New York, Os Brinquedos Encantados, É hora de brincar,
A Fabulosa viagem a Oz, Broadway Tunes, entre outros. Além dos repertórios
clássicos como Quebra Nozes, Paquita, Don Quixote e Coppélia.
Quando eu
vejo os meus alunos no palco sentindo o que eu senti lá no começo da minha
carreira, é uma resposta de que sim, eu fiz o certo. São vários anos de
espetáculos montados, coreografias pensadas, estudadas e elaboradas, muitas
vezes exigindo de mim uma dedicação exclusiva, abrindo mão de noites e finais
de semana. Ver o teatro lotado é sem dúvida nenhuma a minha recompensa. E não é
só a recompensa de um ano de trabalho, mas de toda uma vida voltada para a
dança aqui em Alagoas.